Como serão os próximos 10 anos de genética na cultura da soja?

Edição XXIX | 06 - Nov . 2025
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   A soja é um dos pilares da agricultura mundial, desempenhando papel fundamental na alimentação humana e animal, além de ser matéria-prima para biocombustíveis e produtos industriais. Diante dos desafios globais - como o crescimento populacional, mudanças climáticas e a necessidade de práticas agrícolas mais sustentáveis -, será cada vez mais importante explorar ao máximo o potencial da biodiversidade genética existente nesta espécie, além de olhar outras possibilidades em espécies próximas, ou mesmo espécies distantes. É nesta visão que a biotecnologia surge cada vez mais como uma aliada estratégica ao melhoramento na cultura da soja, puxando a produtividade para perto dos limites do potencial teórico de produção de soja que é de mais de 12 t/ha.

   Nas últimas duas décadas, descobertas científicas importantes levaram a inovações disruptivas, como a edição gênica e o uso tópico do RNA interferente (RNAi), tecnologias que já tem produtos sendo colocados no mercado agrícola mundial. Com o apoio revolucionário do sequenciamento de DNA/RNA de alta performance, a edição gênica e o RNAi se aliam a tecnologia dos transgênicos para trazer cada vez mais soluções e agregação de valor à produção de soja e de diversas outras espécies de importância econômica e social. 

   Na edição gênica, principalmente pela técnica CRISPR, diferentemente da transgenia, que envolve a inserção de genes de outras espécies, estamos conseguindo modificar sequências específicas do DNA de um organismo de forma precisa e direcionada. A tecnologia CRISPR funciona como uma “tesoura molecular", permitindo alterar, deletar ou inserir segmentos genéticos em pontos específicos do genoma. Trocas alélicas, trocas de códons e mesmo trocas de bases nitrogenadas individuais, que alteram aminoácidos específicos e, consequentemente, a funcionalidade de proteínas, têm permitido modificar características de interesse sem introduzir material genético exógeno, tornando o processo mais próximo ao melhoramento tradicional, porém muito mais rápido e eficiente. 

   O que se tem visto com o uso desta técnica na cultura da soja é uma mudança de paradigma. Na transgenia, limitou-se o seu uso basicamente para resistência a insetos e resistência a herbicidas. A edição gênica começa a permitir alterar na cultura da soja características nunca trabalhadas antes de forma eficiente através da biotecnologia, como qualidade nutricional, qualidade do óleo, produtividade, resiliência às mudanças climáticas, mudanças na arquitetura de planta, estrutura de legumes e número de grãos. Estes têm sido alguns exemplos de mecanismos sendo trabalhados, ainda em fase de pesquisa, mas já com resultados promissores. 

   A utilização da soja como “biofábrica” também é uma alternativa que está sendo explorada. Um exemplo é a soja geneticamente modificada utilizada como "biofábrica" para produzir a cianovirina, uma proteína com potencial para combater o HIV. Essa proteína, extraída originalmente de algas, se liga ao vírus e impede sua replicação, sendo o objetivo o desenvolvimento de um gel microbicida para prevenção da AIDS, especialmente em áreas de alta incidência. A tecnologia envolve o cultivo da soja em laboratório ou estufas controladas, não no campo, para isolar a cianovirina e iniciar os testes clínicos. 

   Outra iniciativa revolucionária é a da startup Moolec, que desenvolveu uma soja geneticamente modificada com DNA de porco, chamada “Piggy Sooy”. A estratégia da empresa consiste na chamada agricultura molecular, que se baseia no desenvolvimento de proteína animal através de plantas geneticamente modificadas que funcionam como biorreatores, ou seja, replicando na planta o que a natureza faz no animal. O objetivo é extrair proteína suína da soja para a fabricação de alimentos. 

   Estas e outras inovações nos próximos anos representarão um passo decisivo na transição energética global, demonstrando que a genética será, sem dúvida, o vetor principal para uma soja mais “inteligente”, sustentável e competitiva nos próximos anos.
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