Um estudo liderado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) descreve como a edição genética permite a recuperação de proteínas inibidoras da α-amilase perdidas durante a domesticação de culturas modernas. Isso torna o amido dessas plantas praticamente indigestível para pragas como gorgulhos e besouros, mantendo-o seguro para humanos e animais.
Além disso, os pesquisadores destacam que, ao modificar os próprios genes da planta com novas técnicas de edição genética, muitas dessas variedades podem não ser consideradas geneticamente modificadas pelo CTNBio (Centro Nacional de Biotecnologia) segundo a legislação brasileira, reduzindo custos e barreiras regulatórias.
Insetos comedores de amido encontram verdadeiros banquetes em plantações de milho, ervilha e feijão, ou em instalações de armazenamento. Não é coincidência que os ancestrais dessas plantas comerciais tenham desenvolvido proteínas inibidoras da alfa-amilase, que tornam o amido em suas sementes indigestível para as pragas, impedindo-as, assim, de se tornarem uma ameaça séria. No entanto, a domesticação de plantas silvestres pelos humanos, visando aumentar a produtividade e a digestibilidade, pode ter reduzido a presença desses inibidores.
Em um artigo publicado no periódico Biotechnology Journal, um grupo internacional de pesquisadores analisa os avanços das últimas duas décadas e destaca o potencial da edição genética para o desenvolvimento de plantas que produzam esses inibidores em maior quantidade para o combate a pragas de insetos. Naturalmente, é essencial garantir que as plantas sejam digeríveis para humanos e outros organismos não-alvo, como o gado.
O grupo de autores foi liderado por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e do Centro de Pesquisa Genômica para Mudanças Climáticas.
“No início dos anos 2000, foram feitos inúmeros avanços nessa área, como a identificação de genes que codificam inibidores da alfa-amilase em diferentes espécies de plantas, a avaliação da especificidade dessas moléculas contra enzimas alfa-amilase em insetos-praga e organismos não-alvo, e o desenvolvimento de plantas transgênicas que superexpressam essas moléculas. Também houve progresso na proteção da propriedade intelectual por meio de patentes solicitadas e concedidas”, afirma Marcos Fernando Basso, pesquisador do GCCRC e primeiro autor do artigo.
Os desafios dos métodos transgênicos tradicionais
No entanto, o uso da transgenia clássica, que envolve a inserção de genes de outras espécies no genoma de plantas de interesse, desencoraja empresas de biotecnologia e de produção de alimentos a desenvolverem e comercializarem seus produtos finais. Novos organismos transgênicos para consumo humano podem enfrentar baixa aceitação no mercado, além de altos custos regulatórios.
Besouros, gorgulhos e cupins são nomes comuns para insetos que produzem enzimas amilases. Essas enzimas convertem moléculas de amido presentes nas folhas e sementes de importantes culturas agrícolas em açúcares. Em seus estágios adultos ou larvais, essas pragas podem atacar sementes no campo e durante o armazenamento, causando perdas econômicas e comprometendo a qualidade dos alimentos.
Bruquídeos, como gorgulhos e cupins, estiveram entre os primeiros alvos dessas tecnologias devido aos danos significativos que causam, particularmente aos grãos armazenados por longos períodos. Nesse ambiente rico em alimentos, eles se reproduzem rapidamente. A infestação pode ocorrer durante o desenvolvimento das vagens e persistir durante o armazenamento e a comercialização.
Ampliando o escopo dos inibidores de alfa-amilase
Os inibidores de alfa-amilase também se mostraram eficazes contra outros insetos. Por exemplo, o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) se alimenta dos açúcares produzidos e armazenados nos botões florais do algodoeiro. Da mesma forma, a larva da broca-do-café (Hypothenemus hampei) se alimenta dos grãos de café.
Os autores observam que o desenvolvimento de variedades com maior produção de inibidores de alfa-amilase — desde que não inibam as enzimas amilase em humanos ou organismos não-alvo — apresenta grande potencial quando se utilizam técnicas de edição genética.
Considerações regulatórias e perspectivas futuras
O uso dessas técnicas para aumentar a expressão ou modificar a sequência de DNA dos próprios genes de uma planta poderia permitir a criação de plantas que não são consideradas transgênicas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
A CTNBio é o órgão técnico-científico responsável pela formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança para Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no Brasil. Consequentemente, essas tecnologias teriam maior probabilidade de serem aceitas no mercado e, portanto, seriam de interesse para empresas do agronegócio para comercialização.
"A edição genética utilizando a técnica conhecida como CRISPR [uma ferramenta que permite modificações genéticas precisas e específicas em cadeias de DNA ou a geração de rearranjos genômicos] e suas variantes nos dá a possibilidade de aumentar a produção desses inibidores ou torná-los mais ativos em plantas de interesse, de modo que atuem especificamente contra pragas de insetos, sem que as moléculas representem um problema para humanos e animais que consomem as plantas ou sementes." "Portanto, poderá ser uma via promissora nos próximos anos", conclui Basso.