Semente de soja esverdeada é a manifestação visível da retenção de clorofila ao final do processo de produção. Na cultura da soja e de outras oleaginosas, esse fenômeno reduz a qualidade fisiológica das sementes e afeta diretamente a qualidade do óleo extraído, encurtando a vida de prateleira do produto e elevando custos de refino. A semente esverdeada de soja deixou de ser um detalhe visual e tornou-se um fator que merece atenção na competitividade do sistema de produção de sementes e óleo, exigindo diagnóstico preciso e estratégias de mitigação desde o campo até a pós-colheita.
No Brasil, a ocorrência de sementes esverdeadas é amplificada, sobretudo pela variação climática entre regiões e safras, embora haja várias outras condições que também apresentem potencial de propiciar a retenção de clorofila, a exemplo de doenças (fusariose, cancro da haste e ferrugem asiática), áreas de nematóides, manejo inadequado, percevejos sugadores. Porém, o que desperta atenção é que a incidência tem aumentado em safras marcadas por extremos climáticos e pela expansão da cultura para áreas mais próximas à linha do Equador.
Neste caso, o gatilho inicial é a combinação entre estresse abiótico em momento crítico de desenvolvimento e a suscetibilidade genética do material. Os estresses mais frequentes são temperaturas elevadas e deficiência hídrica, muitas vezes atuando em conjunto, com intensidade e duração capazes de interromper a rota de degradação da clorofila na cultura da soja. Quando o estresse ocorre tardiamente, a partir do estádio R6, durante a fase de desidratação e aquisição da quiescência, o risco de retenção de clorofila aumenta. Nessa etapa final de maturação, a redução do teor de água e as alterações hormonais devem coordenar tanto a desestruturação dos cloroplastos quanto a degradação da clorofila. Se a perda de água ocorre sob condições adversas, essa degradação pode ser suprimida, enquanto os níveis de ácido abscísico se elevam, alterando a regulação da transcrição de genes da rota (Figura no texto).
O impacto na qualidade das sementes é mais evidente, dependendo de nuances (tonalidade de verde) e do teor de clorofila residual. Lotes com maior percentual de sementes esverdeadas, dependendo do nível de clorofila retida, podem exibir germinação e vigor reduzidos. Além disso, o impacto negativo manifesta-se de forma mais acentuada ao longo do tempo, refletindo-se diretamente na longevidade das sementes.
Neste contexto realizou-se um estudo avaliando-se 18 lotes de sementes de soja, que variavam quanto ao percentual de sementes esverdeadas (0 a 74,5%, em média) e à qualidade inicial das sementes. Numa segunda etapa, selecionaram-se oito lotes com maiores percentuais de sementes esverdeadas (17,7 a 74,5%, em média) e, a partir das amostras originais, separaram-se as sementes esverdeadas e as amarelas para avaliação da presença de clorofila residual e a expressão de genes associados à sua retenção. Também foi estudado o período de armazenamento e a preservação da qualidade fisiológica das sementes e a qualidade do óleo comestível extraído
A primeira etapa do estudo, evidenciou correlação negativa entre a ocorrência de sementes esverdeadas e o desempenho fisiológico do lote. Na faixa de até 9% de sementes esverdeadas, a germinação manteve-se elevada. Acima desse intervalo, verificou-se redução progressiva das médias e aumento da dispersão. Os resultados reforçam a necessidade de monitorar o percentual de sementes esverdeadas em conjunto com demais testes de verificação da qualidade, a fim de orientar a classificação e o destino dos lotes.
O início e a progressão da degradação dependem de uma rede regulatória complexa, envolvendo inúmeros genes e proteínas específicas. Entre eles, destacam-se os genes STAY-GREEN (SGR), que promovem a desestabilização dos complexos pigmento-proteicos e liberam a clorofila para a ação de enzimas degradativas. Quando a atividade desses genes é comprometida, a via bioquímica de degradação da clorofila, normalmente conduzida em etapas coordenadas por enzimas, torna-se ineficiente. A retenção de clorofila em sementes de soja cultivadas sob estresse por calor e seca durante a maturação está relacionada à redução na expressão de genes catabólicos de clorofila, incluindo STAY-GREEN 1 (D1), STAY-GREEN 2 (D2) e PHEOPHORBIDASE 2 (PPH2), além de algumas proteínas fotossintéticas. Nas diferentes cultivares avaliadas na segunda etapa do estudo, houve maior expressão dos genes D1, D2 e PPH2 em sementes amarelas, o que de forma provável explica sua capacidade de degradar a clorofila até níveis adequados.
Os resultados de germinação e vigor em amostras de sementes amarelas e amostras de sementes esverdeadas evidenciaram o impacto da retenção de clorofila sobre a qualidade inicial das sementes. Nos oito lotes avaliados na segunda etapa do estudo, sementes amarelas mantiveram germinação elevada, em geral entre 90 e 100%, enquanto as sementes esverdeadas apresentaram valores inferiores e mais variáveis, de 13 a 68%.
O teste de comprimento de plântulas confirmou o padrão, com reduções mais acentuadas no comprimento da raiz primária e da parte aérea, resultando em plântulas menores e menos uniformes. Em síntese, as amostras com presença de clorofila apresentaram menor germinação e vigor, com comprometimento no desenvolvimento das plântulas. Verifica-se de forma clara grande variação na qualidade fisiológica inicial entre as amostras que se diferenciam quanto à presença de clorofila nas sementes, independentemente da cultivar.
A conservação ou longevidade é um atributo fisiológico relacionado ao tempo de vida útil da semente e pode ser definida como a capacidade das sementes de permanecerem viáveis durante o armazenamento. É o resultado de múltiplos fatores interagindo, sendo essa característica adquirida de forma gradual durante a maturação tardia, após o enchimento das sementes, até que elas atinjam um estado seco e quiescente. Nesse processo, ocorrem mudanças importantes: há o acúmulo de oligossacarídeos da família da rafinose e de proteínas associadas à tolerância à dessecação, enquanto a clorofila é degradada.
Assim, a longevidade, que na visão prevalente é um atributo resultante da interação entre genética, ambiente de maturação e condições de armazenamento, se constitui numa estratégia essencial para garantir a dispersão das sementes no tempo e no espaço, impactando diretamente a persistência no solo.
Os resultados na comparação entre as amostras de sementes amarelas e amostras de sementes esverdeadas submetidas ao armazenamento em condições artificiais, com alta temperatura e alta umidade relativa do ar (35 ºC e 75% UR), condições que favorecem a aceleração da taxa de envelhecimento, indicam um comportamento distinto em relação à capacidade de manutenção da germinação ao longo do tempo. As amostras de sementes amarelas iniciaram o armazenamento com germinações elevadas, próximas a 100%, apresentaram declínio gradual ao longo dos dias, demonstrando maior resistência à deterioração. Por outro lado, as sementes esverdeadas apresentaram desempenho nitidamente inferior. No início do armazenamento, os valores de germinação já eram mais baixos e declinaram muito mais rapidamente nas primeiras semanas. Em menos de 21 dias de armazenamento, houve a redução em todos os lotes avaliados.
A explicação para esse desempenho está relacionada a aspectos bioquímicos e fisiológicos. A retenção de clorofila nos tecidos da semente, característica das sementes esverdeadas, está associada ao acúmulo de espécies reativas de oxigênio (ERO) e a menor eficiência dos sistemas antioxidantes. Esse desequilíbrio promove danos oxidativos severos às membranas celulares e às reservas de lipídios e proteínas, acelerando a deterioração. Além disso, a incompleta maturação fisiológica impede a plena ativação de mecanismos de proteção.
Esses resultados reforçam a importância da adoção de estratégias de mitigação, como o manejo adequado da colheita, a utilização de cultivares menos suscetíveis à formação de sementes esverdeadas e o desenvolvimento de tecnologias de beneficiamento e armazenamento mais eficientes.
A retenção de clorofila não é um problema exclusivo da indústria de sementes, mas também da indústria de grãos. No processo de extração do óleo, mesmo pequenas concentrações de clorofila funcionam como fotossensibilizador, iniciando a oxidação de ácidos graxos, acelerando a rancificação e deteriorando a qualidade do óleo. Esse processo ocorre porque os elétrons da molécula de clorofila, ao serem excitados por pequenas quantidades de luz, transferem energia para o oxigênio, gerando ERO. Essas moléculas altamente oxidantes iniciam uma cadeia de reações que degradam lipídios, proteínas e outros constituintes do óleo, reduzindo sua qualidade.
Os dados obtidos do estudo confirmaram esse efeito: enquanto o óleo extraído de sementes amarelas apresentou valores médios de clorofila residual inferiores a 1 mg/kg, o óleo extraído de sementes esverdeadas atingiu concentrações muito superiores, chegando a 16,27 mg/kg. Como consequência, o óleo extraído de sementes esverdeadas apresenta menor estabilidade oxidativa, vida útil mais curta e maior propensão à formação de compostos indesejáveis durante o armazenamento.
Outro efeito relevante da presença de clorofila é a alteração no perfil de antioxidantes naturais do óleo. Em óleos provenientes de sementes esverdeadas, observa-se redução significativa dos teores de tocoferóis (alfa, gama e delta), compostos que desempenham papel essencial na proteção contra a oxidação lipídica. Essa redução foi evidenciada no comparativo entre os grupos: o óleo extraído de sementes amarelas apresentou valores superiores a 130 mg/100 g de tocoferóis totais, associados a maior estabilidade oxidativa, alcançando até 14 horas. Já o óleo extraído de sementes esverdeadas mostrou valores mais baixos, com teores de tocoferóis variando entre 67 e 110 mg/100 g e estabilidade oxidativa reduzida, entre quatro e nove horas. Isso demonstra que a clorofila residual compromete tanto a conservação do óleo quanto seu valor nutricional, uma vez que os tocoferóis correspondem às principais formas de vitamina E presentes na soja.
Quando a degradação da clorofila não ocorre de forma adequada, há menor disponibilidade de fitol para a síntese desses antioxidantes, resultando em óleo com menor teor de tocoferóis. Isso significa que o problema não se restringe ao aspecto tecnológico, mas também compromete o valor agregado do produto no mercado de alimentos.
O enfrentamento do problema das sementes esverdeadas deve ser visto como um esforço conjunto entre pesquisa, produtores e indústria, com foco em manter a competitividade do sistema produtivo e assegurar a entrega de sementes e óleo de soja de alta qualidade ao mercado global.