O Brasil rumo a uma nova lei de proteção de cultivares

Edição XXIX | 06 - Nov . 2025
Manoel Olímpio de Vasconcelos Neto-manolimpio@terra.com.br
   Em ato simbólico ocorrido no dia 2 de setembro, a presidente do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), Tânia Zanella, fez a entrega da proposta de alteração da Lei de Proteção de Cultivares (LPC) para o presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), Pedro Lupion, inaugurando assim a etapa legislativa desse importante instrumento de política agrícola.

   Diferente da década de 1990, quando, para cumprir compromissos firmados na Rodada do Uruguai da Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro capitaneou um conjunto de ações visando atualizar e/ou implementar legislações nacionais dispondo sobre a propriedade intelectual, dentre elas a que previa a adoção de um sistema sui generis de proteção de variedades de plantas (PVP), desta feita, o setor produtivo, por meio de suas entidades representativas, é a principal força motriz do processo de modernização da Lei nº 9.456, de 1997.

   Desta feita, o setor produtivo é a principal força motriz do processo de modernização da LPC.

   O destaque fica para o desprendimento incomum do agricultor, que abre mão do direito consagrado de não pagar pelos direitos pecuniários sobre a semente e a muda de uso próprio em prol do fortalecimento econômico-financeiro da pesquisa agrícola, na esperança de que a medida resulte numa maior e mais diversificada disponibilização de novas e mais modernas cultivares para a agricultura nacional. Sem o agricultor, nada seria possível.

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   Passados 28 anos da edição da LPC, mesmo considerando os impressionantes saltos tecnológicos alcançados pelo algodão, milho e soja - culturas com forte presença de organismos geneticamente modificados (OGM) -, para as demais espécies, a lei em pouco, ou nada, contribuiu no sentido de fortalecer os trabalhos de pesquisa em melhoramento e obtenção de cultivares mais produtivas e resistentes a fatores bióticos e abióticos.

   A razão principal reside nas dificuldades que o obtentor enfrenta para capturar royalties para além da semente ou da muda comercial em culturas não modificadas geneticamente. Isso desestimula a pesquisa, e a consequência imediata é uma baixíssima taxa de utilização de sementes e mudas certificadas, sinalizando para um profundo abismo tecnológico a separar as grandes comodities agrícolas das demais espécies vegetais cultivadas no país.

   USO PRÓPRIO / PRODUTO COMERCIAL DA COLHEITA
   A proposta de alteração da LPC traz como importante premissa o equilíbrio nas relações entre obtentor, produtor de sementes e mudas e agricultor. Esse equilíbrio se traduz, principalmente, mas não apenas, nos dispositivos que regulam o uso próprio e o produto comercial da colheita.

   A regra geral para o uso próprio, definida no artigo 10(I), é que o agricultor é livre para reservar sementes ou produzir mudas para uso próprio desde que pague os direitos pecuniários (royalties) devidos ao titular do direito de proteção e cumpra com as exigências estabelecidas na legislação pertinente, em particular no Anexo XIX da Portaria MAPA Nº 538, de 2022 (sementes) e no Anexo XXX da Portaria MAPA Nº 616, de 2023 (mudas).

   Exceções estão contempladas na proposta de alteração, a exemplo da cana-de-açúcar, do eucalipto, do pinus e da teca, para às quais o uso próprio tem caráter autorizativo; já para espécies olerícolas e ornamentais, além do uso próprio ser terminantemente vedado, também não seria permitido ao pequeno produtor rural multiplicar sementes para doação ou troca para outros pequenos produtores rurais.

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   Dessa forma, para essas espécies, a única forma legal de fazer uso do material de propagação da cultivar protegida é através de licenciamentos concedidos pelo titular do direito de proteção – afora isso, a comercialização do material de propagação da cultivar protegida sem expressa autorização do titular constitui crime, punível na forma do artigo 37-B, além das sanções administrativas e cíveis cabíveis.

   Caso o agricultor não cumpra com o pagamento dos valores pecuniários incidentes sobre o material de propagação da cultivar protegida, a lei prevê que, excepcionalmente, o direito do obtentor poderá se estender até ao produto comercial da colheita.

   Em síntese, aprovada a alteração proposta, o direito do obtentor recairá (nessa ordem): sobre a semente ou a muda comercial; sobre a semente ou a muda de uso próprio; e sobre o produto comercial da colheita. O texto aproxima a legislação brasileira, assim, da Convenção da União Internacional para a Proteção das Obtenção Vegetais de 1991 (UPOV/91).
Importa salientar o equilíbrio trazido pelo texto para as relações comerciais do obtentor com os demais elos da cadeia produtiva. Ou seja, a cobrança dos direitos pecuniários (royalties) a que o titular do direito de proteção faz jus deve guardar estreita harmonia entre o valor definido, a cada safra, para a semente ou a muda comercial, com o incidente na semente ou na muda de uso próprio, ou no produto comercial da colheita, ou seja:
• para o uso próprio, o valor dos direitos pecuniários será o mesmo daquele cobrado da semente ou da muda comercial definido pelo obtentor, a cada safra.
• para o produto comercial da colheita, o valor dos direitos pecuniários deverá, no mínimo, atender à mesma regra aplicada para o uso próprio, acrescido dos custos adicionais suportados pelo titular da proteção para exercer os seus direitos.

   Importante observar que a base da cobrança dos direitos pecuniários, ao longo da cadeia dos direitos protegidos, será sempre o valor livremente definido, a cada safra, pelo titular do direito para a semente ou a muda comercial da cultivar protegida.

   CONCEITOS
   Outro aspecto a ressaltar refere-se a alguns conceitos aplicados à proteção de cultivares, cabendo destacar:

   Descritor: foi adicionada à característica herdada a característica inserida ou modificada, abrindo ao órgão aplicador da lei a possibilidade de incluir no formulário de descritores mínimos, exigidos no requerimento de pedido de proteção de cultivares, informações sobre características resultantes de processos biotecnológicos, aportando maior clareza e segurança ao usuário de cultivares geneticamente modificadas;

   Uso próprio: entendeu-se que os conceitos constantes do inciso XLIII do art. 2º da Lei nº 10.711, de 2003 (semente), e do inciso XXXI do art. 3º do Decreto nº 10.586, de 2020 (muda), aportam a segurança jurídica necessária para o exercício pleno dos direitos sobre a cultivar protegida;

   Obtentor/titular: na ausência desses conceitos, paira uma certa confusão, pois é comum referir-se a obtentor como sinônimo de titular e vice-versa. Portanto, doravante, resta explicitado que a pessoa pode ser a obtentora de uma ou mais cultivares, mas não deter a titularidade sobre estas.
Produto comercial da colheita: por se tratar de um tema novo no arcabouço da proteção de cultivares no Brasil, identificou-se a necessidade de trazer para o corpo do projeto de lei o conceito constante do inciso XXIX do art. 3º:

   “O produto comercial da colheita inclui plantas inteiras e partes de plantas obtidas por meio do uso de material de propagação da cultivar protegida, até o limite do beneficiamento necessário para recebimento, sem que tenha sofrido qualquer alteração do seu estado natural para destinação comercial”.

   Como visto, o conceito de produto comercial da colheita, aplicável à proteção de cultivares, traz dois elementos a serem detalhados por ocasião da regulamentação da lei: beneficiamento necessário e estado natural.

   Definir com exatidão o momento em que o produto da colheita deixa o seu estado natural e passa à condição de produto semiprocessado, processado ou industrializado é tarefa imprescindível, vez que o direito do obtentor não alcança o produto feito a partir do produto da colheita da cultivar protegida, previsto na UPOV/91.

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   SANÇÕES

   Para combater o crescente e nefasto comércio ilegal de sementes e de mudas, estão previstas medidas punitivas mais duras, especialmente contra aquele que atentar contra os direitos de propriedade intelectual sobre cultivares protegidas.

   Ao lado das sanções administrativas vigentes, o PL prevê sanções cíveis e penais a quem incorrer em atividade vedada na lei. Esse é um passo importantíssimo no sentido de dotar de instrumentos legais consistentes as ações de combate à pirataria de sementes e de mudas de cultivares protegidas (ver tabela no texto).

   PRÁTICAS ABUSIVAS
   Merece destaque a inovação introduzida pelo PL, com previsão de sanções ao titular do direito de proteção que adotar práticas abusivas:
• pelo uso indevido do seu direito fica o titular da proteção obrigado a indenizar o produtor rural e outras partes lesadas em valores proporcionais aos danos morais e perdas patrimoniais, individuais, coletivos e difusos; estes podem ser identificados no prazo de até três anos, na forma do regulamento.
• Constitui uso indevido do direito, entre outras práticas:
• cobrança de direitos na ausência de título de proteção;
• cobrança de direitos sem a concordância expressa do produtor rural;
• não informar, do valor cobrado sobre o material de propagação, quanto corresponde ao valor pecuniário referente aos direitos de proteção;
• publicidade enganosa.

    PRAZO DE PROTEÇÃO
   Outro avanço em direção à UPOV/91 dá-se em relação aos prazos de proteção, que passam a vigorar conforme a tabela no texto.

   Com a palavra, o Congresso Nacional.
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