O agronegócio em família

Uma experiência inspiradora (II/II)

Edição XXV | 06 - Nov . 2021
    (II/II)

   Depois da iniciativa frustrada do Grupo Jacto de tentar resolver os problemas de família por eles mesmos, conforme relatado pelo seu ex-CEO, Jorge Nishimura, no artigo anterior, chegaram à conclusão de que precisavam de ajuda, dado que não seriam capazes de fazê-lo sozinhos.

   Para resgatar, conforme relatado, para a transição foram criados 3 pilares de sustentação, quais sejam: em primeiro lugar a Governança Corporativa, em segundo a Preparação da 3ª. Geração e em terceiro lugar a Profissionalização. Mas, o processo de execução nem sempre ocorre conforme o planejado, como pudemos observar.

   Neste último artigo, busco resumir, sempre na primeira pessoa, essa experiência difícil, mas exitosa - já adianto - de um dos maiores grupos empresariais do agronegócio brasileiro, servindo de inspiração e talvez de direcionamento para outras organizações que se encontram neste momento temporal em suas realidades familiares e de negócio.

   Uma bexiga cheia de ar a ponto de explodir
   Depois da catástrofe da primeira reunião de tentarmos fazer a sucessão sozinhos, percebemos que precisávamos de ajuda. Porém, no Brasil, encontramos apenas dois consultores que trabalhavam nessa área: um mais focado em conselhos de administração e outro mais nas questões de relacionamento familiar e societário. Acabamos escolhendo o segundo.

    Estabelecemos um encontro por mês, de um dia inteiro, discutindo essas questões de relacionamento familiar. E a primeira proposta que veio foi para escrevermos o acordo societário. Colocar no papel o que a gente concorda. Porém, esse trabalho demorou mais de um ano para ser concluído.

    Era muito difícil sair de uma sentença para a próxima. Era um trabalho exaustivo, mas eu creio que foi muito bom, porque aquela tensão que tínhamos entre nós foi sendo eliminada a cada concordância que a gente tinha.

   Dentro desse acordo, criamos um conselho de acionistas e eu fui eleito para ser o primeiro coordenador desse conselho em 1994, desde o início. Por isso, se olhar o meu histórico, minha vida profissional toda nesses últimos 30 anos, é o da empresa familiar e o da governança corporativa.

    Questões sensíveis: fazer o que precisa ser feito.
    Algumas questões sensíveis que precisam ser ditas. Eu fui eleito para coordenar o conselho e dentro desse acordo aparecia a figura do presidente do conselho de acionistas, mas, por eu ser o irmão mais novo, meus irmãos não se sentiam confortáveis que eu recebesse esse título. Portanto, eu fiquei trabalhando 6 anos como coordenador e não como presidente.

    Para que todos entendam, quando você está na família existe aquele conceito de que “é farinha do mesmo saco”. Isso é um grande erro das empresas familiares de quando elas não fazem as escolhas devidas. Se é para ter um presidente, coloque ele lá, escolha um, nem que seja transitório, para que todo mundo converse e direcione, e não deixe no vazio. Isso cria uma confusão muito grande. Se errou na primeira escolha, vai para a segunda tentativa, mas tenha coragem de definir.

    Em 1999 já tínhamos amadurecido bastante nos nossos processos e discussões, mas o conselho de administração não estava funcionando muito bem. Nesse ano teve um processo de sucessão e um novo presidente mais aberto às mudanças assumiu.

    Coube a mim conduzir para que a partir daquele momento o conselho de administração fosse implantado como ele deveria ser. Acabei acumulando a presidência do conselho de administração e a coordenação do conselho de acionistas, que é o nosso conselho holding.

    "Um outro ponto muito importante na preparação era criar conexão de coração entre a 3ª geração e também entre a 2ª e a 3ª. geração. As pessoas precisam entender o propósito, a paixão da nossa empresa"


    A mentoria e a Cultura como fator de Complexidade

    Fomos muito abençoados nesse período porque quando buscamos ajuda para montar o Conselho de Administração conhecemos o Bengt Hallqvist, que foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Acabou se tornando o primeiro conselheiro externo independente.

    Foi uma ajuda valiosa. Eu era o presidente e ele quase que pegou na minha mão e foi me conduzindo e fomos implantando as melhores práticas de governança. Entendo que a Jacto tem hoje uma estrutura de governança muito boa graças a esse início seguro

    Para termos um exemplo, na primeira transição entre irmãos da 2ª. geração nós não tínhamos nenhuma estrutura de governança, nem conselho. Absolutamente nada. E essa foi aquela da crise de 1999 que foi traumática. Levamos ao menos dois anos para reunir os caquinhos e dar uma estabilizada no ambiente familiar e empresarial.

    A segunda transição entre meus irmãos já tinha a estrutura do conselho de acionistas. Tivemos um nível de tensão, mas bem menor, e em dois meses já tínhamos estabilizado a empresa e, internamente, na família também.

    A terceira, foi a transição da liderança da família na gestão para uma liderança profissional. Essa foi uma transição complexa porque trata de cultura. Se você tem alguém dentro da empresa que já conhece a cultura é mais simples, mas no nosso caso veio de fora e demorou um pouco para nos ajustarmos culturalmente a isso.

    Por isso volto a frisar a importância do conselho nesse processo. Cabe a ele a escolha do gestor e de gerir, assumindo o protagonismo de um gestor para outro. O conselho de administração precisa assumir essa responsabilidade e fazer ela bem-feita. Esse foi o pilar da Governança Corporativa.

     Mudança de foco: em busca de sócios na família e não executivos
     A ‘Preparação da 3ª. Geração’, o nosso segundo pilar nessa transição, tinha como objetivo preparar nossos filhos e sobrinhos para serem bons sócios. Já não queríamos encontrar bons executivos.

     Em 2003 e 2004 já começamos a colocar esse plano em prática quando nossos filhos ainda eram adolescentes. Lembro de algumas fotos de quando nós estávamos em reunião e alguns deles dormindo na reunião porque eles ainda eram adolescentes e aquele assunto talvez fosse muito pesado para eles.

     Nós levamos 15 anos de preparação. Criamos um programa, mas aí vale o desejo e as oportunidades para prepará-los, como cursos de futuros herdeiros, eventos e visitas de intercâmbio com outras empresas. Nós visitávamos e éramos visitados também com encontros de diferentes famílias para tratar desse tema.

    Outra questão que adotamos foi o de todos os anos reunirmos toda a família num resort e estudarmos. Criamos dinâmicas e brincamos também. Se revelou muito importante. O objetivo nem era formar pessoas para trabalharem dentro da empresa. Nós queríamos que fossem pessoas bem resolvidas na vida, bem equacionadas e bem-sucedidas.

     A Conexão de Coração e o investimento para reduzir conflitos
    Muitas vezes nos questionamos sobre os investimentos disso tudo. Sempre respondia com uma outra pergunta: quanto custa um conflito terminar numa briga ou numa separação? É um volume de dinheiro que nem é possível imaginar. Então vamos gastar na preparação que será muito bom.

    Um outro ponto muito importante na preparação era criar conexão de coração entre a 3ª geração e também entre a 2ª e a 3ª. geração. As pessoas precisam entender o propósito, a paixão da nossa empresa.

     Temos um sobrinho, por exemplo, que estava trabalhando numa multinacional e quando ele veio e viu o que estávamos fazendo aqui, ele ficou apaixonado com isso, decidindo voltar para trabalhar conosco. Mas isso foi porque ele viu o lado social acontecendo.

     A preparação, o terceiro pilar da transição, deve estar focado num conselho de administração atuante, num planejamento estratégico definido e precisa ter documentação transparente. Hoje a nossa empresa está totalmente profissionalizada e não temos mais nenhum membro da família nas operações.

     Assim, em 18/05/2019, concluímos a ponte entre a 2ª e a 3ª. geração. A ponte estava concluída. Nesse dia eu fiz a transição de duas funções: a do conselho holding e do conselho de administração para os meus sobrinhos.

     A importância do Ritual e o papel de cada geração nessa história

     Precisa ser um momento importante, público para as pessoas envolvidas, porque todo momento de transição em que estamos passando o bastão de uma geração para outra o mercado precisa saber disso, os funcionários precisam saber disso e a família obviamente precisa saber.

     Não pode pairar dúvida para ninguém sobre com quem está o bastão agora. A transição de poder precisa ser clara e transparente. A 2ª. geração normalmente é muito forte, mas não podemos deixar nenhuma margem de dúvida de que de agora em diante quem assume é a 3ª. geração. Passou para ela e pronto. Legitimar tudo.

     Finalizo contando a história de uma conversa que tive com meu pai quando ele já tinha uns 95 anos de idade e era uma pessoa obviamente muito bem-sucedida. Nesse dia ele me falou: “Jorge, desse mundo não vou levar nada, tudo pertence a Deus”.

     Essa declaração faz a gente refletir que nós, como empresa familiar de gerações, estamos em trânsito, nós temos a responsabilidade de levar o legado do que nos foi confiado e entregar para a próxima geração, de preferência acrescido de algo.

     Se conseguirmos fazer isso, creio que cumprimos o nosso papel. Porque quando uma empresa dessas implode é uma perda muito grande para a sociedade toda. Por isso, já estamos agora mirando a 4ª. geração dos Nishimura aqui no Brasil. Esse é o nosso objetivo e desejo.

     Até a próxima.

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