Feijão e arroz transgênicos rompem barreiras

Edição XXV | 06 - Nov . 2021
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    Vinte anos após o seu desenvolvimento, finalmente o arroz dourado é aprovado para cultivo comercial nas Filipinas. A tecnologia, também conhecida como Golden Rice, foi criada através da transgenia com o objetivo de suprir a deficiência por vitamina A por meio da produção de β caroteno (precursor de Vitamina A). A deficiência desse nutriente é um problema grave em países asiáticos como Indonésia, Bangladesh, Vietnã, Índia e Filipinas. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que a cada ano, meio milhão de crianças ficam cegas devido a carência de vitamina A e mais de 100 mil vão a óbito.

    "Desde o desenvolvimento da primeira tecnologia transgênica de uso na agricultura, a soja tolerante ao herbicida glifosato, esses movimentos anti-transgênicos têm criado empecilhos para o avanço da ciência e para a geração de novas tecnologias. No Brasil temos o exemplo do feijão transgênico resistente ao vírus-do-mosaico-dourado, principal doença que afeta a cultura e que provoca maior impacto econômico para o produtor "

    As cultivares convencionais de arroz não acumulam β caroteno no grão, assim, só foi possível obter plantas de arroz com essa característica através da transgenia. A tecnologia envolve a introdução de dois genes da via biossintética dos carotenoides, o psy1 (fitoeno sintase) de milho e o crt1 (caroteno desnaturase) da bactéria Pantoea ananatis. O início das pesquisas que contribuíram para geração do arroz dourado se deu na década de 1980. No começo dos anos 2000, os cientistas alemães Ingo Potrykus e Peter Beyer anunciaram o desenvolvimento de um arroz transgênico com alta produção de β caroteno no grão. 

    Passaram-se mais de 20 anos do seu desenvolvimento até que, finalmente, em julho deste ano, o arroz dourado foi aprovado para o cultivo comercial nas Filipinas, que foi o primeiro país asiático aprovar a tecnologia. O principal aspecto que dificultou a liberação desse evento é associado a questões regulatórias. O processo de liberação comercial de um evento transgênico é caro e demorado. Nesse caso, barreiras adicionais impostas por movimentos contrários aos transgênicos dificultaram ainda mais a liberação da tecnologia. Em 2013 nas Filipinas, ativistas invadiram e destruíram campos experimentais onde a tecnologia estava sendo testada. O que chama ainda mais atenção é o fato de que o arroz dourado foi criado com fins humanitários e, portanto, nunca visou lucro.

    Desde o desenvolvimento da primeira tecnologia transgênica de uso na agricultura, a soja tolerante ao herbicida glifosato, esses movimentos anti-transgênicos têm criado empecilhos para o avanço da ciência e para a geração de novas tecnologias. No Brasil temos o exemplo do feijão transgênico resistente ao vírus-do-mosaico-dourado, principal doença que afeta a cultura e que provoca maior impacto econômico para o produtor. Na natureza não foi identificada nenhuma fonte de resistência ao mosaico-dourado, restando ao produtor como única alternativa para o controle da doença a aplicação de inseticidas para reduzir a população da mosca branca, que é o inseto vetor do vírus. Em muitas situações o produtor faz até 20 aplicações de inseticidas químicos para o controle da doença.  

    A tecnologia transgênica resistente ao vírus do mosaico foi desenvolvida pela Embrapa e se baseia no uso da estratégia de RNA interferente (RNAi) para inserir um fragmento do genoma do próprio do vírus no feijão. Assim, quando o vírus invade, a planta já está “vacinada” contra essa doença. É uma tecnologia que contribui do ponto de vista ambiental por reduzir a aplicação de inseticidas. Do ponto de vista econômico, o produtor tem menos gastos devido à redução no uso de agrotóxicos. O consumidor final também se beneficia com a tecnologia por adquirir um produto produzido com menos inseticidas. 

    O feijão transgênico resistente ao vírus-do-mosaico-dourado foi aprovado para comercialização pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 2011. No entanto, por se tratar de uma espécie que é a base da nossa alimentação, o produto sofreu fortes críticas, provocando atrasos na sua entrada no mercado. Somente neste ano o feijão transgênico chegou às prateleiras do supermercado. A aprovação do feijão resistente ao vírus-do-mosaico-dourado é uma conquista importante para a ciência no nosso país por se tratar de uma tecnologia 100% brasileira. Além disso, representa uma quebra de paradigma, tendo em vista que é o primeiro transgênico de uso direto na alimentação humana aprovado para cultivo e comercialização no país.
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