A evolução do teste de tetrazólio como alicerce no controle de qualidade

Edição XXV | 06 - Nov . 2021
José de Barros França Neto-jose.franca@embrapa.br
Francisco Carlos Krzyzanowski-francisco.krzyzanowski@embrapa.br
    A adoção pelos produtores de  semente de procedimentos de controle de qualidade na produção e no preparo da semente visam suprir de informações que auxiliem no processo de tomada de decisão em cada etapa do processo de produção, tendo em vista superar limitações impostas pelos diversos fatores bióticos e abióticos que interferem negativamente na qualidade da semente. O Controle de Qualidade (CQ) é exercido em todas as etapas do sistema de produção, desde a seleção da área para a instalação do campo de semente.

    Os Laboratórios de Análise de Sementes (LAS) são as unidades centralizadoras do CQ, sendo, portanto, o coração da Empresa de Semente, tendo os responsáveis técnicos a grande responsabilidade na condução dos diversos testes e nas tomadas de decisões quanto ao destino dos lotes de sementes. Dependendo do grau de capacitação desses profissionais, o CQ pode ser utilizado como instrumento para diagnosticar os pontos problemáticos no sistema de produção e apontar possíveis soluções.
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    Neste contexto, o teste de tetrazólio é uma tecnologia de análise de sementes com destaque para algumas culturas, devido principalmente ao grande número de informações fornecidas pelo teste. Além da viabilidade, propicia informações valiosas sobre o vigor, além de possibilitar o diagnóstico dos principais problemas que afetam o desempenho fisiológico das sementes, como em relação aos índices de danos mecânicos, de deterioração no campo, durante a secagem, na armazenagem, no transporte e os causados por insetos.

    No Brasil, o teste de tetrazólio é amplamente utilizado no CQ, assumindo proporções jamais registradas mesmo nos países onde o teste foi criado e desenvolvido. A sua metodologia tem sido aprimorada, principalmente no que se refere à determinação do índice de vigor, tornando-o muito mais informativo, isto para várias espécies.

   Para a maioria das espécies o teste fornece o diagnóstico das causas responsáveis pela redução de sua qualidade: danos mecânicos, deterioração por umidade e danos de percevejo, que são os problemas que mais comumente afetam a qualidade fisiológica da semente. Aliás, o fornecimento desse diagnóstico tem sido o grande responsável pelo elevado índice de adoção do teste em sementes de soja no Brasil, pois, além de apontar os problemas de redução de qualidade das sementes, o teste, quando utilizado nas diversas etapas do sistema de produção, pode identificar os pontos de origem desses problemas, permitindo que ações corretivas sejam adotadas a tempo, resultando na produção de sementes de alta qualidade.

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    Um breve histórico do teste
    O desenvolvimento de testes rápidos e precisos, visando a determinação da qualidade fisiológica das sementes, tem sido um dos principais objetivos dos fisiologistas e tecnologistas de semente há vários anos, principalmente a partir do início do século XX, quando o sistema de produção de sementes começou a ser organizado em diversos países da Europa e nos Estados Unidos.

    As primeiras tentativas que apresentaram sucesso na avaliação da viabilidade das sementes com bio-corantes foram realizadas por Turina, na Iugoslávia, em 1922, e por Neljubow, na Rússia, em 1925. Turina trabalhou com a redução de sais de telúrio e de selênio nas células das sementes e Neljubow relatou algum sucesso com a utilização de índigo-carmim.

    No início dos anos 30, Hasegawa no Japão, trabalhando com sementes arbóreas, aperfeiçoou a aplicação de sais de telúrio e de selênio para a coloração de embriões de sementes. O método do selênio foi aprimorado pelos cientistas alemães F.E. Eidmann e W. Schmidt.

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    O Dr. Georg Lakon, nascido em Atenas, Grécia, trabalhou em Hohenhein, Alemanha, desde o início da década de 20. Dedicou grande parte de sua vida profissional aos trabalhos na área de fisiologia de sementes. Ele aperfeiçoou o método do selênio, culminando com o desenvolvimento do método “topográfico” do selênio para a determinação da viabilidade de sementes. Quando tomou conhecimento dos efeitos tóxicos do selênio aos analistas de sementes, Lakon procurou por um sal similar, porém não tóxico, que poderia ser utilizado com a mesma finalidade. Ele testou vários sais de tetrazólio e concluiu que o “cloreto de 2,3,5-trifenil tetrazólio” era o mais apropriado para o teste topográfico. Lakon desenvolveu a metodologia para sementes de várias espécies. Foi o Dr. Lakon quem pela primeira vez utilizou o termo “viabilidade de sementes”, que era definido como um potencial de germinação e, por conseguinte, via em uma semente em repouso como um tipo de potencial de plântulas.

   Avanços significativos sobre o teste ocorreram nas décadas de 1950 e 1960, mediante diversos estudos realizados nas Universidades Estaduais de Iowa, da Carolina do Norte, de Idaho, do Mississippi e do Oregon (Estados Unidos) e na Universidade de Hohenheim, Alemanha.

    Em 1956, o Comitê de Tetrazólio da ISTA foi criado, sendo que o mesmo contribuiu para significativos avanços no teste, bem como diversos treinamentos sobre o mesmo. Em 1966, o “Capítulo 6: Teste Bioquímico para Viabilidade – o Teste Topográfico do Tetrazólio” foi incorporado à Regras para Análise de Sementes da ISTA.

    Reconhecimento especial deve ser dado ao Dr. Robert P. Moore, do Laboratório de Sementes da Universidade Estadual da Carolina do Norte. Entre 1955 e 1985 ele publicou mais de 230 trabalhos sobre o teste e editou o Manual do Teste de Tetrazólio, publicado pela ISTA. Tal publicação contém detalhes sobre a metodologia do teste para mais de 650 espécies.
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    Importantes contribuições também foram dadas pela AOSA (Associação de Analistas Oficiais de Sementes dos Estados Unidos) mediante a edição do seu Manual do Teste de Tetrazólio, que tem edição atualizada até os dias atuais. Em 2003, a ISTA publicou as “ISTA Working Sheets on Tetrazolium Testing” (Fichas de Trabalho do Teste de Tetrazólio da ISTA), em dois volumes: Vol. 1 para sementes de espécies agrícolas e olerícolas; e o Vol. 2 para sementes de espécies florestais e arbustivas. Essa publicação é constantemente atualizada, sendo a mais recente realizada em 2011.

    A inclusão do teste de tetrazólio para a determinação de vigor em sementes no Manual de Métodos de Testes de Vigor (Handbook of Vigour Test Methods), editado pela ISTA em 1981, atualizado em 1987 e em 1995, e no Manual de Testes de Vigor (Seed Vigor Testing Handbook) publicado pela AOSA em 1983, contribuiu significativamente para a disseminação e aperfeiçoamento das noções e conceitos de que o teste de tetrazólio é um método confiável para a determinação do vigor de sementes de diversas espécies.

    No caso específico de sementes de soja, o teste de tetrazólio foi aperfeiçoado para a determinação de vigor pelos pesquisadores em tecnologia de sementes da Embrapa Soja, que publicaram o primeiro manual sobre o teste em 1981 e mais outros seis desde então, contendo procedimentos específicos para o teste, sendo um deles publicado em três idiomas: inglês, espanhol e português. Posteriormente, na Argentina, o procedimento do teste foi aperfeiçoado por pesquisadores do INTA.

    Procedimentos detalhados para o teste de tetrazólio visando a determinação do vigor em sementes foram publicados em 1999 pela ABRATES para sementes de algodão, de amendoim, de feijão, de milho e de soja na publicação Vigor em Sementes: conceitos e testes, editado em 1999. Posteriormente, a AOSA, com a colaboração dos pesquisadores da Equipe de Sementes da Embrapa Soja, também publicou as metodologias dos testes de tetrazólio para determinação de vigor de sementes dessas mesmas espécies no Manual de Testes de Vigor em Sementes (Seed Vigor Testing Handbook), editado em 2009.

   Em 2017, a metodologia do teste para a determinação do vigor em sementes de soja foi incluída nas Regras Internacionais para Análise de Sementes, editadas anualmente pela ISTA. A metodologia descrita nessa publicação é uma combinação do procedimento desenvolvido pela Embrapa Soja com o divulgado pelo INTA, na Argentina.

    Em 2020 a Abrates lançou a segunda edição do manual “VIGOR DE SEMENTES: conceitos e testes”, contendo procedimentos detalhados para o teste de tetrazólio para a determinação do vigor em sementes de algodão, amendoim, feijão, girassol, gramíneas forrageiras tropicais, milho, soja, solanáceas e trigo.

    No Brasil, a Embrapa Soja desempenhou papel de suma importância na adoção do teste de tetrazólio em sementes de soja, em função dos diversos treinamentos oferecidos; desde 1984, até o final de 2019, a Instituição ofereceu mais de 95 cursos sobre o teste, que contaram com a participação de mais de 2.300 profissionais envolvidos na Área de Ciência e Tecnologia de Sementes.

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    Princípios do teste
    O teste de tetrazólio baseia‑se na atividade das enzimas desidrogenases, as quais catalisam as reações respiratórias nas mitocôndrias, durante a glicólise e o ciclo do ácido cítrico, ou ciclo de Krebs. Estas enzimas, particularmente a desidrogenase do ácido málico, reduzem o sal de tetrazólio cloreto de 2,3,5‑trifenil tetrazólio (ou TCT) nos tecidos vivos.
    Quando a semente é imersa na solução incolor de TCT, esta é difundida através dos tecidos, ocorrendo nas células vivas a reação de redução que resulta na formação de um composto vermelho, estável e não‑difusível, conhecido por trifenilformazan

    Quando o TCT é reduzido, formando o trifenilformazan, isto indica que há atividade respiratória nas mitocôndrias, significando que há viabilidade celular e do tecido. Portanto, a coloração resultante da reação é uma indicação positiva da viabilidade através da detecção indireta da respiração a nível celular. Tecidos não viáveis não reagem e consequentemente não são coloridos.

    Tecidos com atividade respiratória podem ser encontrados no embrião de uma semente, em alguns tecidos nutritivos do endosperma, em tecidos do gametófito feminino de gimnospermas e na camada de células da aleurona no endosperma de cariopses de gramíneas.

   Sendo o tecido vigoroso, haverá a formação de um vermelho carmim claro; se o tecido está em deterioração, um vermelho mais intenso será formado, em virtude da maior intensidade de difusão da solução de TCT pelas membranas celulares comprometidas de tais tecidos; se o mesmo é não viável, a redução do sal não ocorrerá, e o tecido morto contrastará como branco (não colorido) com o tecido colorido viável. A observação de tais diferenças de cor juntamente com o conhecimento de diversas características das sementes permitem a determinação da presença, da localização e da natureza dos distúrbios que podem ocorrer nos tecidos embrionários.

    Aplicabilidade do teste de tetrazólio
   O teste tem sido utilizado com sucesso já a partir da pré-colheita. Por exemplo, para a soja, sugere-se que cerca de seis a sete dias antes da colheita, diariamente, sejam feitas amostragens de plantas dos campos de produção, trilhando-se as sementes manualmente. Por meio da avaliação dessas sementes pelo teste de tetrazólio, pode-se verificar o nível de vigor, a viabilidade e a ocorrência de danos causados por percevejos e deterioração por umidade.

    A utilização dos resultados do teste de tetrazólio, como em qualquer teste de vigor, pode auxiliar na identificação dos níveis de vigor de diferentes lotes de sementes e estimar o desempenho desses lotes no campo sob condições ótimas e desfavoráveis.

    Vantagens e limitações do teste de tetrazólio
   As principais vantagens e desvantagens do teste de tetrazólio são destacadas a seguir:

    Vantagens:
a) Não é afetado por diversas condições que podem afetar o desempenho das sementes em testes como o de germinação, que envolvem o crescimento do embrião;
b) Foca atenção às condições físicas e fisiológicas do embrião de cada semente, avaliada individualmente;
c) Permite avaliação rápida da viabilidade e do vigor;
d) Permite a identificação de diferentes níveis de viabilidade e vigor;
e) Fornece o diagnóstico das possíveis causas da redução do potencial fisiológico das sementes;
f) O equipamento necessário é simples e barato;
g) Não é influenciado por fatores como dormência;
h) Um analista experiente pode ter um rendimento de quatro a cinco amostras (2 x 50 sementes) por hora de trabalho.

    Limitações:
As principais desvantagens do teste de tetrazólio são as seguintes:
a)Requer treinamento especial;
b)É relativamente tedioso;
c)Embora seja um teste rápido, consome mais tempo para a avaliação de cada amostra do que o teste de germinação;
d)Não identifica a eficácia de tratamentos químicos, nem a sua fitotoxicidade potencial;
e)Requer maior senso de observação, capacidade de decisão e conhecimento teórico do analista.

    Emprego do teste
    No Brasil, a utilização do teste de tetrazólio tem assumido proporções jamais registradas mesmo nos países onde o teste foi desenvolvido. A sua metodologia tem sido aprimorada, principalmente no que se refere à determinação do índice de vigor, tornando o teste muito mais atrativo. No caso da soja, é notório que o teste é executado em todos os LAS brasileiros que trabalham com tal espécie. Em consequência, hoje, pode-se dizer que o Brasil é o líder mundial de utilização do teste de tetrazólio na rotina da análise de semente de soja.

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    Avaliação do vigor da semente pelo teste de tetrazólio

    No recém editado manual de vigor da Abrates “VIGOR DE SEMENTES: conceitos e testes”, estão descritos procedimentos específicos, que contemplam em detalhes a metodologia de execução do teste de tetrazólio para a avaliação da viabilidade e do vigor em sementes de 17 espécies. A seguir, serão ilustradas algumas informações do teste para algumas dessas espécies.

    Teste de tetrazólio em sementes de algodão: no Capítulo 11, de autoria de Von Pinho, Oliveira, Krzyzanowski e França-Neto, o teste classifica as sementes em oito classes de vigor, sendo as sementes das Classes 1 a 3 viáveis e vigorosas, 4 e 5 viáveis não vigorosas, 6 e 7 não viáveis e 8 sementes mortas. Detalhes são apresentados para caracterizar os principais danos que acometem as sementes de algodão, como os danos mecânicos, os de umidade e os causados por percevejos.

    Teste de tetrazólio em sementes de amendoim: de autoria de Vieira, França-Neto e Krzyzanowski; no Capítulo 12 o teste ilustra os detalhes da realização do teste, classificando as sementes de amendoim em três classes de vigor: Classe 1 caracteriza as sementes viáveis e vigorosas; Classe 2 as viáveis não vigorosas; e Classe 3 as não viáveis.

    Teste de tetrazólio em semente de feijão: no Capítulo 13, de autoria de Krzyzanowski, França-Neto e Dias, é apresentada a metodologia detalhada do teste para a classificação das sementes de feijão em oito classes de vigor, sendo as sementes das Classes 1 a 3 viáveis e vigorosas, 4 e 5 viáveis não vigorosas, 6 e 7 não viáveis e 8 sementes mortas. A caracterização dos principais danos que afetam a qualidade das sementes de feijão é apresentada: danos mecânicos; os de umidade; e os causados por percevejos.

    Teste de tetrazólio em sementes de girassol: o Capítulo 14, de autoria de Silva, França-Neto e Panobianco, contempla em detalhes a metodologia do teste para a determinação do vigor em sementes de girassol, classificando as sementes em cinco classes: Classe 1-sementes de alto vigor; Classe 2-sementes de médio vigor; Classe 3-sementes de baixo vigor; Classe 4-sementes não viáveis; e Classe 5-sementes mortas.

   Teste de tetrazólio em sementes de gramíneas forrageiras tropicais: o Capítulo 15, de autoria de Custódio e Aguiar, apresenta em detalhe a metodologia do teste para a determinação do vigor em sementes de oito espécies, com diversas ilustrações de sementes de Urochloa brizantha, representando as demais espécies, como Andropogon spp., Cynodon dactylon, Malinis spp., Panicum spp., Paspalum spp., Pennisetum spp. e Setaria spp. As sementes são classificadas em três classes: Classe 1-viável e vigorosa; Classe 2-viável e não vigorosa; e Classe 3-não viável.

   Teste de tetrazólio em sementes de milho: de autoria de França-Neto, Krzyzanowski, Dias e Barros, o Capítulo 16 contempla em detalhes a metodologia do teste para sementes de milho, classificando-a em três classes de vigor: Classe 1-viáveis e vigorosas; Classe 2-viáveis e não vigorosas; e Classe 3-não viáveis. Diversas fotos e esquemas são utilizados para ilustras essas classes.

   Teste de tetrazólio em sementes de soja: o Capítulo 17, de autoria de França-Neto e Krzyzanowski, contempla em detalhes a metodologia do teste em sementes de soja, que são classificadas em oito categorias, sendo as sementes das Classes 1 a 3 viáveis e vigorosas, 4 e 5 viáveis não vigorosas, 6 e 7 não viáveis e 8 sementes mortas. A caracterização dos principais danos que afetam a qualidade das sementes de soja é apresentada por danos mecânicos, os de umidade, e os causados por percevejos.

    Teste de tetrazólio em sementes de solanáceas: tomate e pimentão: de autoria de Marcos-Filho, o Capítulo 18 aborda a metodologia do teste para a determinação do vigor em sementes dessas duas espécies. As sementes são classificadas em: Classe 1-viáveis e vigorosas; Classe 2-viáveis não vigorosas; e Classe 3-não viáveis.

   Teste de tetrazólio em sementes de trigo: de autoria de Carvalho, Krzyzanowski, Ohlson e Panobianco, o Capítulo 19 contempla a metodologia detalhada do teste para sementes de trigo, que é classificada em quatro classes: Classe 1-sementes viáveis e vigorosas; Classe 2-sementes viáveis e não vigorosas; Classe 3-sementes não viáveis; e Classe 4-sementes mortas.

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