O imbróglio na embebição da semente

Edição XXV | 03 - Mai . 2021
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
   A desidratação da semente se relaciona com o processo de embebição?

   Os testes de verificação da qualidade fisiológica estão diretamente ligados ao movimento de moléculas de água para o interior da semente. Recordando que o termo embebição origina do latim Imbibere, que significa beber. A semente não-dormente fica no estado quiescente, no qual os processos metabólicos normais estão reprimidos devido à falta de água. 

   Para um melhor entendimento dessas circunstâncias, é necessário discorrer, mesmo que brevemente, a respeito do desenvolvimento e maturação das sementes.

   O desenvolvimento da semente inicia-se a partir de uma oosfera fecundada e culmina com a fase pré-programada de maturação ou dessecação. Dentro deste período, transformações celulares, bioquímicas e morfológicas acontecem e são reguladas em forma coordenada, de maneira que as progênies tenham fenótipos semelhantes. Apesar da semente conter o embrião, com potencial de crescer e de se tornar uma planta, seu desenvolvimento é suspenso pelo processo de desidratação, que ocorre quando a semente entra em equilíbrio com o ambiente de produção. O grau de umidade varia entre as espécies. No estado desidratado, a semente desprende-se da planta mãe, tornando-se uma unidade de dispersão e, sob condições favoráveis, retoma seu crescimento. Quando em condições de suprimento de água, tão logo a semente começa a hidratar-se pelo processo de embebição, inicia a retomada dos processos metabólicos. 

   Ocorre, neste início, o reparo dos componentes celulares, a reorganização das membranas e restabelecimento da permeabilidade seletiva. Água a mais ou a menos vai fazer a diferença no desempenho da semente, uma vez que a velocidade de penetração de água é controlada basicamente pelo grau de umidade da semente, a temperatura ambiente e a taxa de absorção de água.

   Pois bem, todas as sequências dos processos seriam excelentes se fossem com ser inanimado e não dependessem das mais diversas interações e condições. As dificuldades ganham notoriedade quando entram em cena as variabilidades genéticas, a interferência climática, a desuniformidade de maturação, as épocas de semeadura e as diferentes regiões de produção e suas peculiaridades. 

   Na cultura da soja existe complexidade muito acentuada para obtenção da qualidade, envolvendo os processos, embora a produtividade esteja crescente. Dois estudos nos ajudam-nos a elucidar e entender, merecendo aqui o destaque, “Maturação de Sementes de Soja no Trópico Úmido” (Dr. Elton Hamer); “Variação de Umidade de Sementes em Plantas de Soja Cultivadas no Extremo Sul do Brasil” (Dr. Daniel Ândrei Robe Fonseca).

   No primeiro estudo, com cultivares de hábito de crescimento determinado, algumas observações fundamentais foram discutidas, entre as quais, as semeaduras no cedo e as semeaduras em latitudes menores tendem a apresentar maior desuniformidade na maturação do que as semeaduras tardias ou semeaduras em latitudes maiores, sendo assim possível afirmar que o ambiente potencializa a magnitude da variabilidade genética da cultivar quanto ao caráter maturação; sendo que a alta desuniformidade na maturação não ocorre exclusivamente devido a variabilidade entre os indivíduos da população da cultivar, mas também devido à alta dispersão do grau de umidade dentro de uma mesma planta de soja, que pode variar ao redor de 50% entre as sementes no decorrer do período de maturação e mantém-se ao redor de 6% na maturação de campo.

   No segundo estudo realizado no extremo Sul do Brasil, com cultivares de hábito de crescimento determinado e indeterminado, as conclusões são importantes para a produção de sementes: o hábito de crescimento das cultivares de soja, para grupos de maturação similares, não influencia nas médias de umidade durante o processo de secagem a campo de sementes de soja, compreendido entre o ponto de maturidade fisiológica e o ponto de colheita; além disso, variação de umidade de sementes em uma planta de hábito de crescimento determinado é menor do que a encontrada em sementes de uma planta de hábito indeterminado; o período em que as primeiras sementes entram no estádio de maturação fisiológica pode variar de 15 a 25 dias até o ponto possível da realização da colheita.

   Agora vamos ao real motivo do texto: nunca foi tão claudicante para os laboratórios o que está ocorrendo com a dispersão de umidade das sementes. As sementes com baixo grau de umidade apresentam reações diversas aos testes devido ao dano de embebição. Para ter segurança e não prejudicar os testes fisiológicos é imprescindível conhecer o grau de umidade da amostra e deve ser feito com repetições para diluir erros, uma vez que se trata de média da população. Com amostragem correta e mensurada a média do grau de umidade das sementes, ações devem ser empreendidas para minimizar efeitos prejudiciais da embebição. Neste momento, pode fazer toda a diferença do conhecimento técnico e treinamento dos analistas. 

   No início da embebição, as células mais superficiais se encontram completamente hidratadas, enquanto as células mais distantes da superfície podem ainda estar desidratadas.  
Ocorre uma retomada gradual da atividade metabólica, durante o período necessário para completar o processo de absorção de água. Sementes mais desidratadas necessitam de adequação do seu teor de água para que possam expressar a real qualidade intrínseca. 

   O pré-condicionamento prescrito nas RAS é determinante. Caso contrário, vai haver a rápida absorção de água e dependendo do teste realizado as consequências se manifestam. Vamos exemplificar com dois testes muito utilizados nos laboratórios. No teste de germinação pode haver maiores índices de anormalidade de plântulas; no teste de tetrazólio, ruptura no eixo-embrionário, semelhante ao dano causado por colhedora, porém, mais sutil, como se tivesse sido cortado com um fio naquele instante da análise. No entanto, além das manifestações descritas acima no tetrazólio, o que tem despertado na atualidade a curiosidade dos analistas, é o surgimento de falso dano mecânico latente e, ainda, uma falsa deterioração por umidade, geralmente localizados no eixo-embrionário e em algumas sementes na região da radícula. Faz-se o pré-condicionamento e desaparecem os danos evidenciados.

   Com tudo isso acontecendo e as pressões exercidas para a celeridade de resultados, principalmente na época de recebimento de produto, muitos engodos estão ocorrendo e carreando prejuízos à produção de sementes. 

   Existe o combo perfeito para imbróglio quando se relaciona embebição e desidratação da semente.
Compartilhar