Plantas tolerantes a estresses climáticos

Edição XXV | 03 - Mai . 2021
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   Nos próximos anos, um dos desafios da agricultura será atender a demanda na produção de alimentos frente ao aumento da população. Segundo as projeções da ONU, a população mundial deverá atingir 9,7 bilhões de pessoas em 2050, mais de 25% em comparação a população atual. Associado a isso, as mudanças climáticas globais apontam para um cenário em que a ocorrência de condições climáticas adversas, como episódios de temperaturas extremas, secas e alagamentos devem ser mais frequentes, trazendo consequências graves para a agricultura. 

   Dentre esses estresses abióticos, a seca é o que tem chamado maior atenção, uma vez que problemas de deficiência hídrica já fazem parte do nosso presente. O Brasil é um país com dimensões continentais, sendo a agricultura praticada nas suas diversas regiões. E, as variações climáticas observadas nas diferentes regiões do País, fazem com que seja comum a ocorrência de secas ou de curtos períodos de veranicos, suficientes para causar impacto na produtividade das culturas agrícolas. 

   A água é essencial à vida de todos os organismos vivos e não é diferente com os vegetais. Embora não seja possível desenvolver uma planta que produza na ausência de água, algumas ferramentas genéticas podem ser utilizadas para tornar as plantas mais eficientes no uso da água, a fim de que tolerem melhor períodos de escassez hídrica, auxiliando na mitigação do impacto da seca na produção de alimentos. No entanto, desenvolver uma planta tolerante à seca ou a outros estresses abióticos não é uma tarefa fácil. Isso explica, em parte, porque a maioria das tecnologias disponíveis hoje no mercado são voltadas para outras características, como a tolerância a herbicidas e a resistência a insetos. 

   Do ponto de vista genético as características dos organismos vivos podem ser classificadas como qualitativas, que são aquelas controladas por um ou poucos genes, como exemplo a tolerância a herbicidas, ou, quantitativas, que como o próprio termo sugere, são aquelas controladas por um grande número de genes, na qual se enquadram a tolerância aos estresses abióticos. Quanto maior o número de genes que controlam uma característica mais difícil é a sua manipulação genética. Ainda que seja difícil trabalhar com esse tipo de característica, muitos estudos vêm mostrando que o uso de ferramentas biotecnológicas para tal finalidade é promissor.

   Na Embrapa Soja pesquisadores vêm desenvolvendo estudos de longa data em parceria com o Jircas (Japan International Research Center for Agricultural Sciences), visando o desenvolvimento de plantas de soja tolerantes à seca. A estratégia é baseada na inserção de genes regulatórios, chamados fatores de transcrição, que controlam a expressão de um grande número de genes. Sendo possível, dessa forma, obter indivíduos mais adaptados a esses estresses e que possam ser utilizados no desenvolvimento de linhagens com características complexas de tolerância a estresses abióticos. 

   Apesar do processo de obtenção de plantas transgênicas com tolerância à seca ser de grande complexidade, sementes de milho geneticamente modificadas (GMs) com tal propósito, como o evento Genuity® DroughtGard® (Monsanto, atualmente Bayer), já são comercializadas no mercado norte-americano. No Brasil, uma novidade é a soja transgênica tolerante à seca, a soja HB4, com previsão de lançamento para a safra 2022/23, cuja tecnologia foi desenvolvida pela empresa americana Verdeca, joint venture entre a Arcadia Biosciences e Bioceres Crop Solutions. A soja HB4 foi aprovada pela CTNBio em 2019 e está sendo desenvolvida no Brasil pela Tropical Melhoramento & Genética (TMG), que também foi a responsável pela desregulamentação da tecnologia no País.

   Por meio de melhoramento genético clássico também foi possível obter variedades que apresentam melhor estabilidade de produção mesmo sob condições climáticas adversas. Recentemente, a empresa Corteva anunciou no mercado a tecnologia Optimum AQUAmax, híbridos de milho que sob de déficit hídrico apresentam produtividade 10% maior que a de outros produtos. Essa tecnologia foi desenvolvida por meio de melhoramento genético clássico e já vem sendo utilizada nos Estados Unidos. 

   Ferramentas mais modernas da biotecnologia como a tecnologia CRISPR também podem contribuir para o desenvolvimento de plantas tolerantes a estresses. Estudos recentes mostraram que é possível melhorar a tolerância à seca em milho a partir da edição do gene ARGOS8, um inibidor da resposta ao etileno, que normalmente é expresso em baixas quantidades. A estratégia de edição do genoma de milho via CRISPR, por recombinação homóloga, foi utilizada para aumentar a expressão desse gene. Como resultado, as linhagens desenvolvidas sobreviveram mais e apresentaram maior produtividade em condições de seca. Esses exemplos nos mostram a importância da ciência e da biotecnologia para trazer soluções para a agricultura, não somente para problemas do presente, como também para adversidades previstas em cenários futuros. 
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