Comércio internacional de sementes: O trabalho da ISF

Edição XXV | 03 - Mai . 2021
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
   A semente é matéria-prima essencial para o estabelecimento de um cultivo, seja ele das grandes culturas como milho, arroz, trigo e soja, entre outras, como também de forrageiras, hortaliças ou flores. Esta semente pode ser produzida no próprio país de cultivo, o que ocorre na maioria dos casos, ou importada de outros países, por razões de clima, oportunidade e conveniência, principalmente.

   Em termos de necessidade de clima especial, pode-se mencionar que há espécies, em geral algumas hortaliças, que necessitam de um longo fotoperíodo ou frio para florescerem, requerendo locais especiais, que não são encontrados no local de produção do cultivo comercial (cebola, brócolis, beterraba, repolho, cenoura). Enquanto como conveniência, temos como exemplo a mão de obra barata para polinização artificial na produção de híbridos (tomate, pimentão, beringela), por outro lado oportunidade pode ser considerada a produção de sementes na contra estação em que se produz sementes em um país no hemisfério sul, enquanto a semente irá ser utilizada no hemisfério norte (milho híbrido, semente genética).

   O negócio internacional de sementes é complexo e grande, sendo estimado em mais de 14 bilhões de dólares por ano, em que 26 países exportam mais de 100 milhões de dólares por ano. Os dois países que mais exportam e importam sementes são Holanda e EUA, com mais de um bilhão de dólares/ano para cada uma das modalidades. O valor para os EUA é fácil de entender pelo tamanho do país e suas atividades no agronegócio. Entretanto, para a Holanda, merece observação especial, pois o país possui pouca área para cultivo. A explicação para a grandeza do negócio de sementes na Holanda está em que importa e reexporta as sementes, mantendo em seu país a sede das empresas ou simplesmente servindo como um “HUB”. 

   As espécies envolvidas em exportação/importação são superiores a 100, em que as de flores possuem um montante superior a 300 milhões por ano, enquanto as de grandes culturas, incluindo as forrageiras de clima temperado e tropical, o valor é superior a US$ 7 bilhões ao ano.

   A complexidade do comércio está no negócio em si, que envolve, além do movimento de 5,6 milhões de toneladas de sementes/ano, também a plataforma legal sobre proteção de cultivares (quando o país exportador recebe o material genético do exterior), qualidade de sementes e pagamento. Nenhum país deseja importar sementes infectadas com uma doença ou com uma invasora que não ocorre em seu território. Por outro lado, nenhuma empresa irá produzir sementes para produzir e exportar em local que não se reconhece o direito do obtentor. 

  As exportações estão sofisticadas de tal maneira que há empresas que criam e desenvolvem materiais em um país, produzem as sementes em um outro e reexportam para um terceiro país. Isto demonstra a profissionalização, o domínio do processo de importação/exportação e a confiança nas parcerias, muito importante nos negócios.

   Nos últimos anos, com o advento dos materiais GM, a Federação Internacional de Sementes (ISF) tem desempenhado um papel importante para auxiliar na regulamentação do comércio desses materiais, principalmente quanto ao nível de presença de sementes adventícias e sua determinação e aos novos métodos de melhoramento vegetal, com sua caracterização quanto a material GM. 
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   Isto colocado, a SEEDnews traz para seus leitores entrevista com o secretário-geral da ISF, Michael Keller, abordando aspectos do comércio internacional de sementes. 


   SEEDnews – Qual a importância do comércio internacional?
   Michael Keller - Hoje, a semente se move constantemente ao redor do mundo. O comércio internacional de sementes aumentou dez vezes nos últimos 15-20 anos. Não há país que possa fornecer totalmente aos agricultores sementes de sua escolha. Fechar fronteiras ou mesmo desacelerar o movimento transfronteiriço de sementes, pode criar um problema significativo na cadeia de abastecimento de sementes.
   É por isso que, mesmo sob a pandemia COVID-19, a ISF continua empenhada em garantir o movimento eficiente de sementes. Nossos membros em diferentes países estão em constante diálogo com seus governos nacionais e autoridades públicas para garantir que a semente continue a fluir e que os agricultores possam ter acesso à semente de sua escolha.
   Também estamos nos concentrando em melhorar a estrutura regulatória para que o setor privado de sementes cumpra seu papel. O aumento do comércio, o número de empresas com atuação internacional e o longo processo desde a criação até as vendas comerciais que podem levar um único lote de sementes a se deslocar para várias regiões do mundo, exigem regulamentos consistentes e previsíveis para garantir o acesso dos agricultores a sementes de qualidade.


   SN – Caso ocorra algum desacordo entre as partes, como a ISF pode ajudar?
   MK - É importante lembrar um pouco de história ao responder a esta pergunta. A ISF foi constituída em 2002 a partir da fusão da International Association of Plant Breeders (ASSINSEL) e da FIS, reunindo suas respectivas áreas de atuação: melhoramento genético e comercialização de sementes. A FIS - Federation Internationale des Semences - foi fundada em 1924 quando um congresso de associações de produtores e comerciantes de sementes foi realizado em Londres. O motivo daquele congresso foi discutir e propor soluções para apoiar o comércio internacional de sementes: As regras para o comércio foram elaboradas e então adotadas em 1929. As Regras Comerciais da ISF (https://www.worldseed.org/our-work/trade-rules/) são, portanto, vistas como uma base crítica de nossa associação.
   Todos os anos existem milhares de contratos assinados entre as partes para o comércio e para a produção de sementes. As regras da ISF são projetadas não apenas para transações de venda internacional, mas também para contratos de produção de sementes entre obtentor e produtor de sementes. As empresas membras da ISF devem aplicar as regras em todos os seus acordos comerciais, como uma forma de trabalhar dentro de uma estrutura comum e reconhecida. O setor de sementes pode se orgulhar de ser um dos únicos setores da indústria com seu próprio processo de arbitragem.


   SN - O Congresso Mundial de Sementes da ISF. 
   MK - O Congresso Mundial de Sementes de 2021 será em Barcelona com previsão para ser um evento híbrido, com componentes locais e virtuais. Juntamente com o nosso Comitê Organizador Nacional na Espanha, estamos trabalhando em estreita colaboração e acompanhando as atualizações das autoridades locais na Catalunha para preparar o caminho para este evento.
   Desnecessário dizer que este congresso será diferente dos outros. Priorizaremos a necessidade de nossos delegados e parceiros para um evento centrado nos negócios. Hoje estamos trabalhando em um formato de congresso híbrido que permitirá aos participantes negociar no local, fazer networking e participar de discussões importantes sobre tópicos relacionados à indústria de sementes - em um ambiente físico e virtual. Nem é preciso dizer que está em preparação um plano sanitário completo para o local do congresso, incluindo o ambiente de negócios, o salão de exposições, as áreas de reunião e outros para garantir um evento seguro e tranquilo.
   Além do evento físico, montaremos uma plataforma virtual onde partes selecionadas do congresso serão transmitidas ao vivo. Teremos uma transmissão ao vivo do Channel World Seed, tanto de conteúdo temático quanto de marketing.
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   SN - Quem pode participar?
   MK - Como nos anos anteriores, damos as boas-vindas aos delegados membros da ISF. Pode-se registrar se ele/ela é um representante de um membro da ISF (Ordinário, Associado ou Afiliado); como também se for funcionário de uma empresa membra da Associação Nacional de Sementes em seu país de residência. Esta associação deve ser um Membro Ordinário da ISF.
   Claro, sabemos que as restrições de viagens neste ano dificultarão a vinda de alguns de nossos membros. Aceitamos isso como um fato da vida; portanto, também criaremos maneiras para que eles se conectem virtualmente a reuniões abertas e fechadas e às discussões em mesa redonda.


   SN - Quantos participantes?
   MK - Estimamos que este ano seja um congresso menor do que o normal. O número esperado de delegados é 1.000. Este é o número que nos permitirá manter os requisitos de distanciamento social necessários face ao espaço do local do congresso. Quanto ao número de países, dependerá das restrições de viagem vigentes tanto pelo país receptor (Espanha) como pelos países de procedência de nossos delegados.
   Continuamos cautelosamente otimistas de que poderemos nos encontrar novamente e estamos fazendo todos os esforços possíveis. Podem ter certeza de que o faremos de forma segura e eficiente.

   SN - Existe um local especial para os participantes fazerem negócios?
   MK - Absolutamente. O plano para o evento no local é ter um salão com mesas (+200), salão de exposições e áreas de reunião privadas.  O layout dessas áreas contempla garantir que poderemos manter a distância necessária e os cuidados de saúde.


   SN - Existe uma estimativa quanto ao montante envolvido nas negociações durante o evento?
   MK - É difícil colocar um número, mas o que sabemos é que o Congresso Mundial de Sementes da ISF é visto por nossos membros como uma plataforma de negócios importante devido à crescente diversidade de atores e ao número crescente de países participantes a cada ano, representando uma grande parte dos envolvidos no comércio de sementes. Durante nossa revisão dos principais objetivos estratégicos colocamos ênfase em apoiar nossos membros e ser uma plataforma global para intercâmbio e colaboração.    Continuaremos trabalhando para ampliar o alcance do Congresso Mundial de Sementes da ISF e permitir que mais pessoas participem.


   SN - Como o COVID-19 afetou o comércio internacional?
   MK - A pandemia COVID-19 criou desafios, especialmente no lado logístico das coisas. No entanto, as pessoas que trabalham com sementes em todo o mundo continuaram de forma exemplar com suas tarefas de desenvolver, produzir e comercializar sementes de qualidade para apoiar a agricultura sustentável e a segurança alimentar. Estes tempos nos lembram a importância de nossa contribuição para a produção de alimentos e mostraram a importância do comércio internacional e da interrelação entre todos nós.

"O Congresso Mundial de Sementes da ISF é visto como uma plataforma de negócios importante devido à diversidade de atores e ao número crescente de países participantes a cada ano."


   Uma coisa com a qual precisamos ter cuidado é o aumento das conversas sobre o protecionismo no ambiente comercial. Para o setor de sementes, isso pode influenciar os regulamentos que afetam o movimento de sementes, incluindo requisitos fitossanitários e outros, o que pode resultar em maior complexidade e desafio nas operações de negócios de sementes. Essa tendência protecionista representa riscos para o movimento eficiente de sementes em todo o mundo e, em consequência, pode impedir o acesso dos agricultores a uma ampla gama de sementes de qualidade necessárias para a produção de alimentos.
   A semente é o ponto de partida do sistema alimentar. Os agricultores em todos os lugares dependem do acesso a sementes de qualidade para seus cultivos. O movimento internacional irrestrito de sementes é, portanto, crítico para garantir a produção contínua em todo o mundo e, consequentemente, para alcançar a segurança alimentar. Entretanto, como as sementes são produzidas em diferentes países em que o tratamento, embalagem e vendas acontecem, o setor de sementes frequentemente enfrenta questões de acesso ao mercado, incluindo requisitos fitossanitários e outras barreiras não alfandegárias.
   Isto evidencia a importância do setor em ser proativo no compartilhamento de informações e melhores práticas sobre o caminho a seguir quando se trata de lidar com tais desafios e questões emergentes. Continuamos a nos envolver com nossos membros para compartilhar informações sobre quaisquer questões de acesso ao Mercado, para que possam ser avaliadas e consultadas com os especialistas, e que soluções possam ser alcançadas de forma colaborativa.
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   SN - Qualquer outro assunto que queira comentar.
   MK - Permita-me, no final desta entrevista, compartilhar com seus leitores como estou orgulhoso de fazer parte de um setor de sementes que está se engajando de uma forma única na Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU 2021 por meio da assinatura de uma Declaração do Setor de Sementes. No momento da redação, temos mais de 200 empresas e associações de sementes que assinaram esta Declaração.
   A Cúpula faz parte da Década de Ação para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. Transformar os sistemas alimentares é um importante caminho a seguir. Esta Declaração exemplifica os interesses e compromissos assumidos por pequenas e médias empresas, empresas familiares, cooperativas e empresas multinacionais, bem como associações que representam centenas de empresas da África, Américas, Ásia-Pacífico e Europa.
   Além disso, desejamos destacar que a inovação na indústria de sementes, por parte dos obtentores, é a chave para garantir a segurança alimentar global de maneira sustentável. O sistema de produção de alimentos é inerentemente um sistema sustentável, focado no sucesso geracional. Os agricultores são fundamentais, sendo a principal fonte de soluções para produzir de forma sustentável a segurança alimentar global.
   Para habilitar e liberar o poder dos agricultores e, assim, alcançar sistemas alimentares mais sustentáveis e seguros, devemos buscar políticas harmonizadas, baseadas em ciência e evidências em uma base global, regional e nacional em tópicos como movimentação de sementes e requisitos fitossanitários, direitos de propriedade intelectual e políticas de inovação.
    Ao longo do ano continuaremos a participar ativamente dos diálogos do sistema alimentar e a comunicar amplamente nossos esforços para contribuir com soluções para as ações da Cúpula de Sistemas Alimentares.
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