Os recentes impactos das tecnologias no negócio de sementes

Edição XXV | 03 - Mai . 2021
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
   A semente, dentro do agronegócio, é considerada como matéria-prima, pois sem ela o agricultor não estabelece seu campo de produção. Entretanto, principalmente nas duas últimas décadas, a semente, além da necessidade de estar viva, também deverá ter força (vigor), estar protegida e ser de uma variedade com atributos agronômicos superiores.

   Os avanços que impactaram no negócio de sementes vieram tanto do setor privado como do público, em que alguns foram passíveis de proteção, seja pela lei de proteção de cultivares ou pela lei de patentes, enquanto outros, por sua natureza científica ou tecnológica, são de domínio público.

   A seguir serão apresentados alguns impactos por sua importância ou facilidade de adoção.

   Produção
  A obtenção de materiais GM, veiculados através das sementes, foi um dos maiores avanços, em que no Brasil, como nos países em que o agronegócio é importante, são adotados massivamente. Em soja, milho e algodão, os materiais GM são responsáveis por mais de 90% da produção.  Neste sentido, as novas ferramentas da biotecnologia estão possibilitando que se mantenha materiais de reconhecido valor (sabor, nutrição, produtividade), isto devido a precisão em que atuam para introduzir determinada característica (resistência a doenças etc.)  A proteção dos GM no Brasil é através de patente em que obtentor recebe uma taxa tecnológica (TT) toda vez que seu material é utilizado.

   A semente necessita ser produzida em quantidade e com qualidade. Estudos realizados evidenciaram que a maturação de sementes é desuniforme, podendo alcançar mais de 40 pp entre os extremos de umidade das sementes em uma planta (soja). Assim, com os conhecimentos do processo de deterioração de sementes, pode-se afirmar que caso todas as sementes apresentem 12%-13% de umidade, algumas estarão deterioradas de tanto esperar para serem colhidas.
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   Este conhecimento científico evidenciou a necessidade da colheita antecipada (mais de 13% de umidade) com a respectiva secagem artificial das sementes. Em soja, recomenda-se a colheita quando a umidade está ao redor de 18%. No milho em espiga entre 30%-35%, arroz 20%-24% e azevém 30%. Enfatiza-se que, no caso do milho, a colheita em espiga é adotada há várias décadas, pela dificuldade de as sementes secarem na espiga devido o ar não ter facilidade de passar entre as sementes para retirar a umidade. No caso do arroz, inclusive para grãos, é recomendável a colheita com alta umidade para evitar a fissura das sementes pelo processo de absorção e perda de umidade. No caso do azevém, além da qualidade fisiológica das sementes, a colheita com alta umidade é recomendada para minimizar o degrane natural.

   Qualidade de Sementes
   A avalição da qualidade fisiológica das sementes quanto a germinação é realizada há mais de 140 anos. Em relação ao vigor, os testes são realizados há mais de 50 anos, mesmo que os estudos mais significativos quanto ao efeito do vigor na produtividade dos cultivos, com a percepção do benefício pelo agricultor, sejam mais recentes. As feiras agropecuárias de Não-Me-Toque/RS e Cascavel/PR tiveram uma grande contribuição neste sentido, em que as parcelas demonstrativas foram consideradas como a cereja do bolo da visita. Os efeitos do vigor na produtividade foram ratificados em parcelas comparativas de mais de 50 hectares na propriedade do agricultor.

   A constatação do efeito no vigor fez com que vários produtores de sementes colocassem no mercado uma marca de semente especial de soja, em que a germinação mínima é de 90% ou inclusive 95%. Neste sentido, há reivindicação por parte de associações de agricultores de que as sementes de soja sejam comercializadas com um mínimo de vigor.

   Entretanto, enquanto isto não ocorre, há uma instrução normativa contemplando que os laboratórios de sementes possam realizar o teste de vigor, colocando os resultados no boletim de análise de sementes desde que coloque um resumo da metodologia utilizada. O agricultor está demandando sementes de alta qualidade fisiológica.

   A grandeza do beneficio do uso de sementes de alto vigor varia entre as espécies e proporção das sementes dentro do lote. Na comparação entre todas as sementes de alto vigor com todas de baixo vigor a diferença é superior a 30%. Num lote comercial de sementes uma proporção comum é de 70-30, o que propicia uma diferença de 20%. Isto considerando estandes de plantas sem falhas, o que não é comum num campo de produção. Assim, a diferença de produtividade de lotes de alto e baixo vigor é alta.

   Beneficiamento de sementes
   As sementes, uma vez colhidas, devem ser limpas para facilitar a semeadura, sendo normal um descarte de até 30%. Isto significa que, junto com o material indesejável, muita semente “boa” também é removida.

   A produção de sementes de alta qualidade em quantidade envolve a adoção de alta tecnologia, não sendo justificável “perder” semente na UBS. Neste sentido, nos últimos anos foram aperfeiçoadas duas máquinas com direito de proteção via patente que minimizam a “perda” de semente boa, sendo elas o separador de espiral rotativo, que permite ajustes, e a mesa de gravidade, que não necessita de repasse e nem fixação no piso.

   O separador de espiral rotativo possibilita que se ajuste a velocidade das sementes, fazendo com que praticamente apenas as sementes de menor velocidade permaneçam no interior da espiral, isto independente do seu tamanho. Nas espirais em que o ajuste não é possível, o descarte pode alcançar 8%, enquanto na espiral rotativa, em que o ajuste é possível, este descarte fica entre 2-3%. Numa UBS que beneficia 200.000 sacas de sementes, a “economia” pode alcançar 10.000 sacas.
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   A mesa de gravidade é essencial para todas as espécies de sementes, separando os materiais principalmente com base na diferença de peso específico. É uma máquina que na parte terminal apresenta uma região em que não há uma separação nítida entre os materiais “leves e pesados”, sendo recomendável fazer um repasse. Com a nova mesa de gravidade (patenteada) a separação entre “leve e pesado” é nítida, não havendo necessidade de repasse e menor perda de semente “boa”. Esta máquina também traz um avanço quanto a fixação no piso, que praticamente não necessita.

   Armazenamento

   A qualidade das sementes deve ser obtida, mantida e avaliada. Neste sentido, o grande impacto na manutenção da qualidade foi o desenvolvimento do frio dinâmico das sementes, conseguindo-se esfriar várias toneladas de sementes em menos de duas horas de forma contínua.

   O efeito do frio no armazenamento das sementes é conhecido por mais de um século, sendo adotado no comércio de sementes como em bancos de germoplasma para armazenamento por décadas. A inovação tecnológica, com proteção por patente de invenção, está em que a semente é esfriada a granel e em movimento, num dispositivo acima da balança de ensaque. A semente vai para o armazenamento em pilha já fria.

  O Brasil, como um país tropical e que normalmente as sementes são colhidas com temperatura acima de 25oC e permanecem armazenadas, em geral, por mais de 5 meses, pode-se inferir os benefícios obtidos com o processo do frio dinâmico. A patente é de empresa brasileira.

   Gestão
   As cultivares são posicionadas, entre outros parâmetros, em sementes/m, diferente do que era visto até poucos anos, quando as sementes eram comercializadas em kg/ha. Felizmente os produtores de sementes evoluíram e atualmente os materiais de soja são comercializados em número de sementes por embalagem que pode ser de 150.000, 220.000 ou de 1.000.000 de sementes, no caso de big bags. 

   Sementes de milho são comercializadas por número há muitos anos, o que em soja ainda é recente e para trigo e arroz este procedimento está apenas começando. Na sojicultura houve necessidade de classificar as sementes em grandes, médias e pequenas para melhor estimar o número de sementes por grama e aí extrapolar para kg. No caso de arroz e trigo a amplitude do tamanho dentro de um lote é bem menor do que em soja e milho, assim não havendo necessidade de classificação das sementes.

   Outro grande avanço veio com a informática, em que é possível verificar a história do lote de sementes que está sendo comercializado, utilizando a ferramenta do QR code. No atestado de garantia do lote de sementes vão poucas informações, como germinação, variedade e peso.  Com o QR code é possível ter muitas outras informações, entre elas o vigor das sementes, quando o teste de germinação e vigor forem realizados. O local onde foi produzido, dados de colheita (umidade, danos mecânicos, colhedora), entre outros, também podem estar disponíveis.

   A forma de comercializar as sementes também tem evoluído bastante em vários aspectos, como acesso ao mercado, crédito, assistência técnica, e outros diversos. Merece destaque o uso de plataformas digitais em que é possível comprar sementes por “pontos” obtidos em transações. O conhecimento, transparência e a possibilidade de verificações à distância, aprimoraram o negócio.
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   Tratamento de sementes
   As sementes, mesmo viáveis e com alto vigor, necessitam estar protegidas em relação às adversidades do solo para germinarem e emergirem. Esta proteção consiste em tratar sementes com produtos químicos ou biológicos, que necessitam revestir os materiais na dosagem certa e de forma uniforme, assim como serem aplicados observando a segurança humana e do ambiente. Este processo chama-se tratamento industrial de sementes (TIS), pela profissionalização que envolve.
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   Na atualidade, mais de 90% das sementes de soja, milho e algodão, utilizadas pelos agricultores, são com TIS, enquanto para sementes de trigo e arroz o TIS é mais de 50%.
O TIS envolve equipamento, que evoluiu bastante nos últimos anos, possibilitando aplicação de vários produtos de forma simultânea e com alta capacidade para acompanhar as demandas de logística do produtor de sementes. Outro componente do TIS são os produtos em que a novidade são os biológicos.



   Comentário final
   O negócio de sementes é dinâmico, envolvendo principalmente as inovações tecnológicas que muito auxiliam o produtor de sementes no sentido de disponibilizar aos agricultores materiais de alta qualidade em quantidade. Neste artigo foram apresentadas as principais tecnologias que impactaram no negócio, desde a criação e produção de sementes, passando pela análise, beneficiamento, armazenamento, tratamento e comercialização.   

   Registra-se que há inovações tecnológicas possíveis de serem protegidas para fins comerciais, como as novas cultivares (lei de proteção de cultivares), eventos biotecnológicos (lei de patente), equipamentos e processos (lei de patente). Por outro lado, há inovações tecnológicas de grande impacto que, por sua natureza, não são passíveis de proteção, como é o caso do efeito do vigor na produtividade e a desuniformidade de maturação das sementes.   

Este artigo é um resumo da palestra apresentada no curso internacional sobre gestão do agronegócio em sementes, promovido pela AgroAvanti em abril de 2021.
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