Microrganismos modificados geneticamente poderão substituir os fertilizantes químicos?

Edição XXVIII | 06 - Nov . 2024
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   O nitrogênio é um nutriente essencial para o crescimento e desenvolvimento das plantas. Porém, não é segredo que o uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos não é ambientalmente sustentável. Em função disso e diante das novas ferramentas biotecnológicas que surgiram nos últimos anos, cientistas vêm discutindo estratégias de engenharia genética para facilitar as relações de mutualismo entre plantas e microrganismos fixadores de nitrogênio, chamados diazotróficos. Diazotróficos são espécies de bactérias do solo que naturalmente fixam o nitrogênio atmosférico em amônio, uma fonte que as plantas podem usar. 

   Alguns desses microrganismos formam relações mutualísticas com as plantas, por meio das quais as plantas lhes fornecem uma fonte de carbono e um lar seguro e com baixo teor de oxigênio e, em troca, fornecem nitrogênio às plantas. Por exemplo, as leguminosas abrigam bactérias fixadoras de nitrogênio em pequenos nódulos nas raízes. A soja é caso de maior sucesso, no qual a fixação biológica do nitrogênio ocorre por meio da simbiose entre a soja e as bactérias do gênero Rhizobium, suprindo totalmente as necessidades de nitrogênio à cultura e dispensando o uso de adubos nitrogenados. No entanto, esses mutualismos ocorrem apenas em poucas de culturas. Se mais plantas fossem capazes de formar associações com fixadores de nitrogênio, diminuiria a necessidade de fertilizantes nitrogenados sintéticos. Entretanto, essas relações levam eras para evoluir naturalmente.

   A inserção de modificações genéticas nesses microrganismos ajudaria as culturas a assimilarem nitrogênio atmosférico, semelhante à simbiose que ocorre entre leguminosas e bactérias fixadoras de nitrogênio. Segundo os autores do trabalho publicado na revista Trends in Microbiology*, “a engenharia de microrganismos diazotróficos associativos para fornecer nitrogênio às culturas é uma solução promissora e de realização relativamente rápida para os problemas de alto custo e sustentabilidade associados ao uso de fertilizantes de nitrogenados sintéticos. Melhorar a fixação de nitrogênio em culturas não leguminosas é um desafio constante na agricultura. Vários métodos diferentes foram propostos, incluindo a modificação genética de plantas, para que elas próprias produzam a nitrogenase, a enzima que os fixadores de nitrogênio usam para converter o nitrogênio atmosférico em amônio, ou a engenharia de plantas não leguminosas para produzir nódulos radiculares.

   No artigo, os autores propõem um método alternativo que envolve tanto a engenharia de plantas como a de microrganismos fixadores de nitrogênio, para facilitar associações mutualísticas. As plantas seriam modificadas para serem melhores hospedeiras, e os microrganismos, para liberar nitrogênio fixado mais prontamente quando encontrassem moléculas que são secretadas pelas plantas hospedeiras. 

   A abordagem dependeria de sinalização bidirecional entre plantas e microrganismos, algo que já ocorre naturalmente. Os microrganismos têm quimiorreceptores que lhes permitem detectar metabólitos que as plantas secretam no solo, enquanto as plantas são capazes de detectar padrões moleculares e hormônios vegetais secretados por microrganismos. Estas vias de sinalização poderiam ser ajustadas por meios da engenharia genética para tornar a comunicação mais específica entre plantas e microrganismos modificados. 

   Os autores ponderam, porém, que essas modificações genéticas não são simples e que a sua utilização em larga escala na agricultura exigiria a aceitação pública. Há também a questão da biocontenção, dado que os microrganismos trocam facilmente material genético dentro e entre espécies, sendo necessárias medidas para evitar a propagação desses microrganismos em microrganismos nativos nos ecossistemas circundantes. Vários desses métodos de biocontenção já foram desenvolvidos em laboratório. Um exemplo é a engenharia dos microrganismos para que dependam de moléculas que não estão naturalmente disponíveis, o que significa que serão restritos aos campos em que as plantas hospedeiras modificadas estão presentes.

   Embora ainda haja muito trabalho ser realizado, o desenvolvimento dessas tecnologias não está em um futuro tão distante. Um exemplo é um inoculante a base de Klebsiella variicola voltado à fixação biológica de nitrogênio no milho. A empresa Pivot Bio já obteve parecer da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para essa tecnologia, que foi gerada por meio de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMPs).
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