Na produção de soja, nos últimos tempos, sobretudo em algumas cultivares, têm sido verificadas sementes com cotilédones e tegumentos com rachaduras que variam no alongamento da ruptura. Isso confunde muito técnicos de produção de campos de sementes, que consideram o fenômeno como danificação mecânica, assim como analistas de sementes, que não sabem definir do que se trata. No entanto, quando consultada, nunca considerei como dano mecânico. E, preocupada com o problema, que tem sido recorrente, segui no caminho técnico de buscas que trouxessem mais entendimentos. Agradeço à Sheila B. Teixeira que me colocou em contato com uma das referências que me levaram à melhor compreensão do assunto.
Com as investigações em literaturas bastante complexas, chegamos em hipóteses de mecanismos de como e porque ocorre a rachadura. Para elucidar bem o fato, vamos adentrar por explicações, de acordo com vários autores consultados, sendo o carro-chefe o pesquisador japonês Mineo Senda e colaboradores, que detalharam o conteúdo em questão.
Na soja, a pigmentação do tegumento da semente é controlada principalmente por três loci genéticos independentes: I, R e T. Várias cores de tegumento de sementes de soja são determinadas por loci R e T, a saber, preto (R, T), marrom (r, T), preto imperfeito (R, t) e amarelo (r, t). Essas cores de tegumento de semente refletem a combinação de produtos de antocianina e proantocianidina .
Foi verificado que um mutante (rrtt) de uma cultivar de soja amarela produziu sementes pigmentadas que, de forma frequente, apresentavam divisão defeituosa do tegumento. Uma análise quantitativa revelou que os teores de proantocianidina e lignina do tegumento foram significativamente maiores no mutante do que na cultivar normal. Com base nessas descobertas, foi desenvolvida a hipótese de que o acúmulo de proantocianidina e/ou a deposição de lignina no tegumento da semente do mutante altera suas propriedades físicas e leva à divisão. Foi também evidenciado que as proantocianidinas se acumulam na camada paliçádica e parênquima da região hilo e na camada paliçádica das regiões média e dorsal do tegumento pigmentado do genótipo mutante.
Em contraste com os loci R e T, o locus I determina a distribuição espacial de antocianinas e proantocianidina no tegumento e no hilo. Independentemente dos genótipos R e T, o alelo I inibe a produção e o acúmulo de antocianinas e proantocianidinas em todo o tegumento e hilo, resultando em sementes de soja amarelas. Essa inibição do tegumento e da pigmentação do hilo pelo alelo I é causada pelo silenciamento natural do RNA de genes que codificam a chalcona sintase (CHS), que foi denominado de silenciamento de CHS. O silenciamento de RNA é suprimido em baixas temperaturas.
Na soja, dois tipos de danos, a descoloração da semente e a rachadura (quebra) de semente, ocorrem em dias mais frios após a floração (Figura 1). Experimento foi realizado para averiguação em fitotrons: a partir de 10 dias após a abertura da primeira flor, os tratamentos foram com 0, 14 e 21 dias, nas temperaturas dia de 18 °C e noite de 13 °C e, após o tratamento em baixa temperatura, seguindo em condições consideradas normais – dia em 25 °C e noite 20 °C. A hipótese é de que o primeiro dano (descoloração da semente) é provavelmente causado pela supressão do silenciamento de CHS em condições de baixa temperatura, enquanto o mecanismo que regula o segundo dano (rachadura) permanece obscuro. Foi aventada a possibilidade de que essa rachadura seja causada por propriedades do tegumento da semente e não pelo crescimento do cotilédone.
Nos diversos experimentos realizados pela equipe, descobriu-se que a rachadura resulta de um tegumento reto dividido no lado dorsal das sementes em desenvolvimento no estádio de semente R6 (Figura 2). A deposição de lignina foi repetidamente observada nas bordas divididas do tegumento, sugerindo que a deposição de lignina nas paredes celulares do tegumento da semente pode causar a divisão e levar à rachadura (Figura 3). Simultaneamente, as proantocianidinas se acumulam do hilo para a região dorsal sob os 21 dias sob em baixa temperatura, tempo esse necessário para a ocorrência da quebra ou rachadura.
Foi descoberto ainda que o acúmulo de proantocianidina e/ou deposição de lignina pode afetar as propriedades físicas do tegumento e aumentar a divisão do tegumento. Com base em resultados obtidos foi proposto um modelo para explicar a quebra (rachadura) da semente de soja: (1) aos 21 dias de tratamento em baixa temperatura, os proantocianidinas se acumulam na região dorsal do tegumento; (2) o acúmulo de proantocianidinas é acompanhado por deposição de lignina na região dorsal do tegumento; (3) a deposição de lignina modifica as propriedades da parede celular, resultando em alterações nas propriedades físicas do tegumento; (4) o tegumento, que envolve um embrião grande, composto principalmente por dois cotilédones, geralmente é capaz de aumentar para acomodar o embrião em desenvolvimento; no entanto, mudanças nas propriedades físicas do tegumento afetam sua capacidade de expansão, resultando em uma divisão reta do tegumento no lado dorsal no estádio R6; (5) durante a maturação e dessecação das sementes, as sementes com as rachaduras são formadas.
O mecanismo subjacente à síntese simultânea de proantocianidina e lignina permanece obscuro. Análises de textura sugeriram que o acúmulo de proantocianidina e/ou a deposição de lignina resultam em alterações nas propriedades físicas do tegumento. A carga de ruptura foi significativamente menor no tegumento de genótipo sensível a rachaduras em dias normais do que em baixas temperatura. A carga de ruptura é um índice de dureza do tegumento. As cargas de ruptura mais baixas dos tegumentos do mutante e genótipo sensível à baixa temperatura indicaram que o acúmulo de proantocianidinas e a subsequente deposição de lignina podem reduzir a dureza do tegumento.
As análises histoquímicas de uma linhagem tolerante à rachadura indicaram que o Ic (um alelo de tolerância à descoloração do tegumento que suprime a pigmentação sob baixas temperaturas) suprime o acúmulo de proantocianidina, não apenas dentro e ao redor do hilo, mas também em todo o tegumento. A carga de ruptura não diferiu entre os tegumentos do genótipo em condições de baixa temperatura e o mesmo genótipo em condições normais.
O alongamento de ruptura é um índice de flexibilidade. Resultados sugeriram que o tegumento de um genótipo é mais flexível do que o outro em condições de baixa temperatura.
Com esta descoberta foi proposto o seguinte: 1) o acúmulo de proantocianidinas no tegumento é suprimido pelo alelo Ic, mesmo sob um tratamento de baixa temperatura de 21 dias, e a subsequente deposição de lignina no tegumento é suprimida; consequentemente, a dureza do tegumento não é afetada pela baixa temperatura; (2) o tegumento da semente de um genótipo é mais flexível do que o de outro em condições de baixa temperatura; (3) no estádio R6, uma divisão reta do tegumento ocorre no lado dorsal; (4) muito pouca rachadura (quebra) ocorre durante a maturação e dessecação das sementes.
Nas análises de textura do tegumento, as diferenças detectadas nos dois parâmetros físicos (dureza e flexibilidade) não foram muito grandes, embora essas diferenças tenham sido estatisticamente significativas. Embora a dureza e a flexibilidade sejam fatores mutuamente dependentes relacionados, eles podem não ser suficientes para explicar a tolerância a rachadura de determinadas cultivares.
Diante do contexto, os pesquisadores sugeriram que, na soja, a ocorrência ou tolerância à quebra de sementes sob baixas temperaturas podem estar relacionadas à presença ou ausência, respectivamente, de acúmulo de proantocianidina na região dorsal do tegumento. As sementes de soja às vezes sofrem rachaduras durante as baixas temperaturas no verão. Na soja amarela, a pigmentação do tegumento é inibida, levando a baixos níveis de proantocianidina no tegumento. As proantocianidinas se acumularam no lado dorsal do tegumento em determinada cultivar sob o tratamento de baixa temperatura de 21 dias. Além disso, ocorreu uma divisão reta do tegumento da semente no lado dorsal no estágio de semente de tamanho normal, resultando em rachaduras nas sementes na cultivar.
Sendo assim, um resumo geral proposto para o mecanismo de quebra de sementes foi: o acúmulo de proantocianidina e a subsequente deposição de lignina sob baixas temperaturas afetam as propriedades físicas do tegumento, tornando-o mais propenso à quebra.
Observem que na redução de temperatura do experimento, a amplitude foi de 7 °C, o suficiente para ocasionar o fenômeno. Seriam as oscilações, mesmo no Brasil, que tem maior temperatura durante as fases fenológicas da soja, o fato contributivo que têm levado a rachaduras defeituosas detectadas nos últimos tempos? Requer reflexão porque existem sim as oscilações da temperatura.