A inteligência artificial e os novos desafios (ou oportunidades?) no mercado de sementes

Edição XXIX | 05 - Set . 2025
Jean Carlo Possenti-jpossenti@utfpr.edu.br
   A ficção científica hollywoodiana que permeava as telas das séries televisivas nas décadas de 1960, 1970 e 1980, em partes, parece estar se tornando realidade concreta atualmente. Praticamente quase todas as áreas do conhecimento humano estão sendo assistidas por uma ou outra tecnologia inovadora, que traz benefícios difíceis de serem mensurados.

   Na produção de sementes de espécies melhoradas, temos experimentado nas últimas décadas ferramentas inovadoras talvez nunca imaginadas. Como exemplo, no melhoramento vegetal e lançamento de cultivares superiores, as novas tecnologias não param de nos surpreender: o desenvolvimento genético vegetal assistido pelas ferramentas computacionais embarcadas com inteligência artificial (IA) está diante de um futuro nas quais os limites parecem não existir. 

   Os algoritmos usados no melhoramento genético permitem acelerar os processos de seleção de genótipos superiores, resultando em combinações promissoras. Isto se torna possível por uma massiva análise de grandes volumes de dados genômicos e ambientais, que seria impossível de ser feita no mesmo tempo de forma manual. As tomadas de decisão automatizadas vêm mostrando que o cruzamento entre biologia, estatística e IA tem sido muito eficiente. Apresenta-se como um casamento aparentemente perfeito.

   Sobre a multiplicação de sementes dos genótipos superiores, a IA vem avançando e ocupando espaços que vão desde processos de rastreabilidade, tomadas de decisões eficazes na implantação e condução dos campos, avaliação da qualidade com a predição e estimativas de resultados, dentre outros. Definitivamente a IA generativa, capaz de organizar novos conteúdos a partir dos dados já pré-existentes, passa a ser uma ferramenta imprescindível na produção de sementes. 

   Na área mercadológica, plataformas baseadas em IA podem predizer flutuações de demandas, inclusive ajudando na melhor estratégia de precificação das sementes. Com base nos modelos existentes e dados disponíveis, eventuais gargalos logísticos (inside and outside) que fazem parte da cadeia podem ser previstos e terem abordagem mais acertada para sua superação.

   O setor regulatório, que já vem adotando meios digitais, poderá também se favorecer em grande escala das ferramentas de IA. Processos fiscalizatórios e de rastreabilidade serão otimizados.

   Não obstante as inúmeras vantagens que podem ser creditadas à IA, ainda restam desafios a serem superados. Precisamos entender que, em alguns sistemas informatizados, nem mesmo seus desenvolvedores conseguem explicar com exatidão ou precisão como a IA consegue apontar uma ou outra tomada de decisão.

   Desta maneira, precisa-se criar fortes pontos de contato com as novas ferramentas de IA e o arcabouço legal sementeiro. Pois, no contexto jurídico, a fim de evitar demandas do setor regulado ou mesmo a provocação do setor regulador, a compreensão do processo decisório que leva a tomadas de decisões precisa ser claramente entendida.

   Sabemos que o Brasil, embora seja avançado no agronegócio como um todo, costuma engatinhar quando se trata de criar marcos legais específicos. Por vezes, dada a demora na criação de tais marcos por quem deveria, ocorre um vácuo e acaba-se judicializando muitos temas. Resulta-se que, com base nos acórdãos e decisões de tribunais superiores, preenchem-se lacunas que deveriam estar ocupadas por leis e normativas técnicas.

   Noticia-se que tramitam no Congresso Nacional algumas propostas que tratam do uso da IA de forma ética, mas aparentemente sem nenhuma maior interface, por enquanto, com atividades do agronegócio. Entende-se que nenhuma destas propostas aborda com profundidade impactos no setor agroindustrial. 

   Por sua vez, em nível internacional, a União Europeia já tem trabalhado com critérios de risco para sistemas de IA. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomenda princípios como explicabilidade, responsabilidade e supervisão humana em tomadas de decisões com o uso da IA.

   Em vista de arestas que possam surgir e necessitem ser aparadas, é importante que o setor regulado, por meio de suas entidades representativas, provoque os entes públicos ligados ao setor de sementes a fim de que vetores conjuntos sejam construídos frente a aplicabilidade legal da IA. 

   É fato que o uso da IA traz ganhos em competitividade, eficiência e eficácia sobretudo no setor empresarial.  Mas não se pode perder do radar que a adoção da IA exige governança, auditorias de sistemas e processos, bem como a adequação e integração com o compliance jurídico das empresas.

   Como já sabemos, a tecnologia, que é fruto da aplicação dos conhecimentos científicos, avança muito rápido. Por sua vez, o direito parece ser muito mais lento e necessita correr atrás, nem sempre conseguindo acompanhar o ritmo necessário que é imposto pelo mercado. Estamos preparados?

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