A diversidade e a complexidade das competências, especialmente as comportamentais (soft skills), é cada vez maior. E não importa a posição que você ocupa, se é dono ou colaborador, as demandas só aumentam.
E, nesse sentido, muita gente se perde. Por onde começar? Em tempos de aceleração digital, escassez de tempo e decisões cada vez mais complexas, é pela curiosidade que tudo começa. Ela deixou de ser uma virtude discreta para se tornar uma competência estratégica.
Não me refiro à mera vontade de saber, mas de um comportamento que abre portas e oportunidades, que alimenta a visão, tende a antecipar riscos e conectar variáveis que a maioria nem percebe. No agronegócio não é diferente: quem pergunta mais e melhor, normalmente, sai na frente.
Curiosa é aquela pessoa que não aceita o "sempre foi assim" ou que não se contenta com respostas ou justificativas rasas, mesmo que convenientes. É aquele que vê um dado, ou mesmo uma informação, e quer saber a origem e os desdobramentos, se aprofunda. É quem ouve algo fora da curva e escolhe investigar e entender, em vez de descartar. É quem se permite mudar de ideia e testar, quando os fatos mostram um caminho melhor.
Cérebro, repertório e portfólio
A curiosidade tem sido assunto de estudo pela neurociência e tem demonstrado de modo robusto que, no momento em que você se abre ao novo, o seu cérebro recompensa. Uma verdadeira dança entre os quatro principais neurotransmissores cerebrais. Quase como um círculo virtuoso.
A dopamina ativa o interesse; a serotonina estabiliza o humor para processar o desconhecido; a endorfina alivia o desconforto da dúvida; e a ocitocina fortalece os laços com quem te ajuda a aprender. Por isso, mudar de ideia não é fraqueza. É fisiologia inteligente.
A curiosidade não é apenas uma janela para o aprendizado. É um sistema interno que, quando ativado com constância, fortalece a flexibilidade mental. Por isso, ele precisa ser intencional e treinado. E essa flexibilidade é o que diferencia o empresário que se adapta daquele que apenas resiste ou continua no ‘mais do mesmo’.
Isso nos dá a oportunidade de usar melhor nossos recursos. A começar diferenciando portfólio de repertório. Embora possam parecer sinônimos, não são. Enquanto portfólio é o que você exibe: área plantada, prêmios, faturamento, cargos, variedades e demais aspectos normalmente tangíveis, o repertório, por sua vez, é o que sustenta tudo isso: vivências processadas, ideias conectadas, leituras profundas, curiosidade aplicada. A experiência em si.
Quem tem só portfólio resolve o que já conhece. Quem tem repertório enxerga o que ninguém está vendo. E é aí que mora o diferencial de quem lidera em ambientes de incerteza. É o que permite ligar tecnologia com gente, agronomia com finanças, biologia com estratégia de mercado. Quando o repertório se amplia, até problemas antigos ganham novas respostas.
Diversiva, empática e epistêmica — qual você está treinando?
Dentre os autores que têm estudado a curiosidade, George Loewenstein em The Psychology of Curiosity, por exemplo, afirma que existem ao menos três formas principais:
- Diversiva, que foca em novidades rápidas. Útil para captar tendências, mas superficial se usada sozinha. O conhecido “o que está acontecendo?”.
- Empática, que busca entender o outro. Essencial para negociar, liderar e formar alianças. Ou dito de outro modo, “com quem está acontecendo?”.
- Epistêmica, que mergulha em causas, processos e fundamentos. Essa é a que muda o jogo e a cultura de uma empresa. O “por que e como as coisas acontecem?”.
De um modo geral e no agro também, estamos bem treinados nas duas primeiras. Mas é a terceira que nos torna pensadores estratégicos e inovadores de verdade. É ela que faz um empresário questionar a lógica dos insumos, rever modelos de gestão ou buscar soluções tecnológicas além do padrão. Ou mesmo antecipar a sucessão antes que ela bata a sua porta.
Importante entender que a curiosidade bem aplicada normalmente vira lucro. Exemplos não faltam. Mas o mais importante é sempre ter a consciência e treinar para criar o hábito. Essas duas práticas precisam andar juntas.
Como treinar a curiosidade no dia a dia de quem decide
Como disse, não é teoria. É hábito. Algo que muitos de nós fomos tolhidos quando éramos crianças e perdemos na vida adulta. Seguem três práticas que podem mudar isso e são fáceis de exercitar:
- Troque perguntas rasas por perguntas profundas. Ao invés de “o que houve?”, pergunte “por que aconteceu?” e “como podemos reagir diferente?”.
- Expanda sua bolha. Leia ou discuta com alguém que não tem nada a ver com seu setor ou que sabidamente defende o oposto daquilo que você acredita. Dê a oportunidade ao cérebro de se exercitar e olhar sob perspectivas diferentes.
- Mude de perspectiva com intenção. Provoque e ouça quem discorda, confronte suas certezas e teste outras rotas mentais. Perca o medo de mudar de opinião.
Além disso, envolva sua equipe em dinâmicas que estimulem a exploração de ideias. Promova encontros interdisciplinares, convide especialistas de fora para compartilhar visões e permita espaço para experimentações controladas. Curiosidade também é cultura organizacional e ela se espalha de cima para baixo.
Então se você é gestor, é sua função criar a cultura da curiosidade na sua empresa. A não ser que, em vez de líder, você seja chefe. Aí vai preferir que ninguém questione nada, para que tudo fique do jeito que está.
Até porque a curiosidade resgata o movimento, faz a pergunta incômoda e normalmente move quem está parado. No agro, quem ficar apenas no “o que” vai trabalhar para quem domina o “por que” e o “como”.
Gosto da tríade: quem lidera, pergunta; quem pergunta, aprende; quem aprende, transforma.
Até a próxima.