Mobilização de reservas em sementes de soja:

a base fisiológica da germinação

Edição XXIX | 05 - Set . 2025
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
   A germinação de uma semente de soja é um processo fascinante, que reflete a complexa interação entre bioquímica, fisiologia e ambiente. No centro desse fenômeno, está a mobilização de reservas, um conjunto de eventos fundamentais que garantem o sucesso do estabelecimento da plântula. Este texto está sustentado por trabalhos científicos a exemplo de Bewley e colaboradores, Marcos Filho e colaboradores, Henning e colaboradores, Lima, Taiz e Zeiger e Moraes, que fazem referências de outros pesquisadores e nos trazem abordagens valiosas ao tema mobilização de reservas.

   A fertilização dupla do óvulo pelo grão de pólen dá origem à semente, que abriga o embrião zigótico que formará a nova planta, bem como um tecido de armazenamento para fornecer nutrientes que vão subsidiar o crescimento das plântulas após a germinação. O tegumento, tecido materno que envolve o embrião e o cotilédone, fornece proteção e atua na distribuição de nutrientes entre os tecidos maternos e o embrião em desenvolvimento. Os compostos de reservas se acumulam principalmente durante os estádios iniciais de maturação. O desenvolvimento da semente compreende sequências de processos metabólicos, enzimáticos, morfológicos e estruturais complexos que ocorrem em diferentes compartimentos da semente.

   Como mencionado, durante a fase de maturação, as sementes acumulam grandes quantidades de compostos de reserva, armazenadas principalmente nos cotilédones, e constituem a principal fonte de energia e de precursores metabólicos para o desenvolvimento inicial da plântula. 

   A mobilização dessas reservas tem início logo após a embebição, quando a semente absorve água e desencadeia reações metabólicas até então inativas no estado seco. Ativam-se então enzimas hidrolíticas que degradam os compostos armazenados em moléculas menores, mais facilmente transportáveis e utilizáveis. 

   O sucesso desse processo está diretamente relacionado à qualidade fisiológica da semente. Sementes com alto vigor apresentam maior eficiência na mobilização de reservas, resultando em plântulas mais uniformes e vigorosas.

   Sob o aspecto bioquímico, o vigor envolve biossíntese de energia e compostos metabólicos, tais como proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos e lipídeos, associados com a atividade celular, integridade das membranas celulares e com transporte e utilização das substâncias de reserva. Tanto o vigor quanto o potencial de armazenamento das sementes são influenciadas pelos teores dos compostos presentes e, de modo geral, quanto maior o teor de reservas nas sementes, maior será o vigor das plântulas originadas. Entretanto, em sementes com menor vigor, há maior variação na sua composição e, consequentemente, maior desuniformidade e menor velocidade na emergência, podendo haver reduções na produção de biomassa seca e nas taxas de crescimento das plantas, o que afeta o estabelecimento da cultura, seu desempenho ao longo do ciclo e produtividade final.

   Conforme enfatizado, durante a germinação as substâncias de reserva são mobilizadas e os produtos do catabolismo são utilizados para geração de energia e produção de matéria-prima para a construção de novas células e tecidos no decorrer do crescimento inicial das plântulas. Nas três fases que marcam os eventos da germinação, a fase I é marcada por uma rápida absorção de água pela semente, junto com o reparo de DNA danificado, além da retomada da via glicolítica e da via oxidativa das pentoses fosfato, compreendendo o período de 0 a 12 horas após a embebição (HAE).  A fase II é marcada pela síntese de mitocôndrias e a tradução de RNAm armazenado. Esta fase também é considerada uma fase ativa do metabolismo, pois é onde se inicia a mobilização de reservas e corresponde ao período entre 12 e 24 HAE. A fase III se caracteriza pela protrusão da radícula, ocorrendo depois das 24 HAE, dando início ao período pós-germinativo. 

   Estudo bastante significativo de Moraes (2019) focou na identificação de eventos moleculares que estão envolvidos com a mobilização de reservas no eixo embrionário da soja durante a germinação; por meio da análise histoquímica, observou uma maior deposição de proteína em 3 HAE em comparação com 24 HAE. Essa abundância de proteínas diminui à medida que a germinação progride para suprir a necessidade energética do embrião em crescimento. O amido foi mais alto acumulado a 24 HAE, mostrando que esse carboidrato é sintetizado tardiamente na germinação. Os grânulos de amido podem estar relacionados à mobilização lipídica controlada pela concentração de açúcares solúveis. 
Por proteômica quantitativa, foram encontradas 141 proteínas acumuladas diferencialmente no eixo embrionário comparando 24 com 3 HAE. A análise da via metabólica revelou papéis importantes de várias proteínas diferencialmente ou exclusivamente acumuladas na comparação 24 HAE/3 HAE na mobilização de reservas que ocorre no eixo embrionário durante a germinação das sementes. As proteínas parecem ser mobilizadas nas primeiras horas de germinação e, juntamente com os carboidratos, são os principais compostos de reserva que atuam para fornecer energia ao eixo embrionário.

   O estudo ainda evidenciou que, embora as proteínas relacionadas ao metabolismo lipídico tenham sido reguladas positivamente nas primeiras horas de embebição, a quebra dos lipídios ocorreu apenas nas últimas horas de germinação. Através de análises bioquímicas, foi mostrado que o teor de proteínas e lipídios diminui durante a germinação, enquanto a quantidade de glicose varia nas horas de embebição. Foi demonstrado que a mobilização de macromoléculas de armazenamento são fonte de energia e carbono para a germinação de sementes e estabelecimento da cultura, uma vez que a mobilização eficiente reflete na formação de plântulas mais vigorosas. Isso corrobora o estudo de Henning e colaboradores (2010), com a conclusão de que sementes de soja de alto vigor possuem maiores teores de proteínas solúveis, amido e açúcares solúveis e maior capacidade de mobilização de reservas na germinação, resultando em plântulas de soja com melhor desempenho inicial.

   Atualmente, esse fato é de extrema importância, principalmente para o tratamento de sementes industrial, que envolve polímeros mais viscosos, provocando a aderência do produto com o tegumento da semente. A qualidade fisiológica das sementes depende da organização celular e da capacidade de mobilização de reserva para a formação de plantas mais vigorosas. As folhas primárias (plúmulas) estão diretamente ligadas ao aumento de massa seca de plântulas, comprometendo o vigor durante o desenvolvimento inicial. Dependendo da condição ambiental, dos tipos de danos nos cotilédones e da mobilização de nutrientes, pode ocorrer o encerramento da plúmula dentro dos cotilédones, o que não expressa a força suficiente para o para impulsionar a abertura desses para desenvolver a plântula e, com isso, frustra a germinação e emergência em campo. Portanto, compreender os mecanismos da mobilização de reservas é essencial para o setor sementeiro.
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