A soja cultivada é um dos pilares da agricultura mundial, desempenhando papel fundamental na alimentação humana e animal, além de ser matéria-prima para biocombustíveis e produtos industriais. Diante dos desafios globais, como o crescimento populacional, mudanças climáticas e a necessidade de práticas agrícolas mais sustentáveis, será cada vez mais importante explorar ao máximo o potencial da biodiversidade genética existente nesta espécie, além de olhar outras possibilidades em espécies próximas ou até mesmo distantes. É nesta visão que a biotecnologia surge cada vez mais como uma aliada estratégica ao melhoramento na cultura da soja. Com o apoio revolucionário do sequenciamento de DNA e RNA de alta performance, a edição gênica se alia à tecnologia dos transgênicos para trazer cada vez mais soluções e agregação de valor à produção de soja e a diversas outras espécies de importância econômica e social.
Por meio da edição gênica, principalmente pela técnica CRISPR, por sua simplicidade relativa, custos menores e maior eficiência, estamos conseguindo modificar sequências específicas do DNA de um organismo de forma precisa e direcionada, diferentemente da transgenia, que envolve a inserção de genes de outras espécies. A tecnologia CRISPR funciona como uma “tesoura molecular", permitindo alterar, deletar ou inserir segmentos genéticos em pontos específicos do genoma. Trocas alélicas, trocas de códons e mesmo trocas de bases nitrogenadas individuais, que alteram aminoácidos específicos e, consequentemente, a funcionalidade de proteínas têm permitido modificar características de interesse sem introduzir material genético exógeno, tornando o processo mais próximo ao melhoramento tradicional, porém muito mais rápido e eficiente.
O que tem sido visto com o uso desta técnica na cultura da soja é uma mudança de paradigma. Na transgenia, limitou-se o seu uso basicamente para resistência a insetos e resistência a herbicidas. Com a edição gênica, a alteração da composição do grão é uma das principais características que vem sendo trabalhada, no Brasil e no mundo.
Diversos trabalhos já foram desenvolvidos para melhorar a qualidade da proteína, por meio da modificação de genes relacionados à síntese e ao armazenamento de proteínas, aumentando potencialmente o conteúdo proteico e melhorando o equilíbrio de aminoácidos essenciais. Outra característica estudada é a eliminação de fatores antinutricionais, visando melhorar a qualidade da soja especialmente para ração animal. Já existem cultivares com redução nos níveis de lectina, redução de inibidores de tripsina e, também, de frutoligossarídeos, como a rafinose. Algumas proteínas da soja, como a β-conglicinina, podem ser alergênicas para indivíduos que apresentam essa sensibilidade; a edição genômica também tem sido usada para reduzir ou eliminar a expressão desses alergênicos.
Outra aplicação da edição gênica é para melhoria da qualidade do óleo de soja, por meio da modificação na composição de ácidos graxos, aumentando a proporção de gorduras benéficas, como o caso do óleo alto oleico que já vem sendo cultivado nos EUA, com área de cultivo ampliada ano após ano. As alterações na composição do óleo não são benéficas apenas para a saúde, mas também para uso na indústria de biocombustíves e da química fina. O óleo de soja já é utilizado em mais de 80% do biodiesel no Brasil e certamente será uma das portas de entrada dos óleos vegetais na transição energética no Brasil e no mundo. A capacidade de alterar características bioquímicas da soja, tanto do óleo como de outros componentes através da técnica de edição genética, já é uma realidade. Tanto no Estados Unidos como na China, variedades de soja com maior teor de ácido oleico obtidas por esta tecnologia já estão sendo comercializadas. Estudos recentes demonstram que um óleo de soja com altos níveis de ácido oleico emite aproximadamente 70% menos gases de efeito estufa (oxido nitroso, principalmente) quando utilizado no biodiesel, além de ser um óleo mais saudável para alimentação humana e para uso na indústria de química fina.
Estas e outras inovações nos próximos anos representarão um passo decisivo na transição energética global e da química verde, demonstrando que a genética será, sem dúvida, o vetor principal para uma soja mais “inteligente”, sustentável e competitiva nos próximos anos.