Como podemos garantir que as variedades melhoradas e resistentes às mudanças climáticas, desenvolvidas pelo CGIAR e seus parceiros, cheguem aos pequenos agricultores que mais precisam delas? Essa questão está no cerne da Entrega Inclusiva do programa Melhoramento Genético para o Amanhã do CGIAR (anteriormente Sementes Iguais). Conversamos com Christopher Ojiewo, Líder da Entrega Inclusiva, para explicar o que significa “entrega inclusiva” e como ela pode transformar a vida dos pequenos agricultores.
O que é Entrega Inclusiva e por que ela é tão importante agora?
Chris Ojiewo: A Entrega Inclusiva, como parte do programa Melhoramento Genético para o Amanhã do CGIAR, visa garantir que os benefícios da pesquisa de melhoramento genético do CGIAR e seus parceiros – variedades melhoradas, resistentes às mudanças climáticas, nutritivas e preferidas pelo mercado – cheguem aos campos dos agricultores. O CGIAR e seus parceiros desenvolvem continuamente inovações notáveis, mas um desafio pode ser a entrega: garantir que sementes de qualidade cheguem às mãos dos agricultores, incluindo mulheres e grupos marginalizados que frequentemente são excluídos dos sistemas formais de sementes. A semente é o veículo que leva a genética aprimorada às mãos dos agricultores, posteriormente expressa em características como maturação precoce, maior produtividade, tolerância ao estresse, bom aroma e sabor, entre outras.
Muitos agricultores ainda dependem de variedades mais antigas e menos produtivas, algumas das quais são vulneráveis a secas, pragas e doenças. Além disso, muitos agricultores usam sementes de baixa qualidade, com pureza genética, germinação e vigor abaixo da média, bem como uma carga de doenças transmitidas por sementes.
O programa Inclusive Delivery concentra-se na construção de sistemas de sementes robustos, equitativos e dinâmicos que preencham essa lacuna, para que os agricultores possam acessar e se beneficiar de sementes de qualidade adequada, de variedades melhoradas, projetadas para suas condições e mercados. Trabalhamos em estreita colaboração com os Institutos Nacionais de Pesquisa Agrícola (INAAs) e associações regionais, como a Associação Africana de Melhoristas de Plantas (APBA) e o Fórum Regional de Universidades (RUFORUM), para contextualizar a distribuição de variedades às necessidades locais.
Como essa abordagem difere dos esforços tradicionais de disseminação de sementes?
Chris Ojiewo: Ao contrário da distribuição linear tradicional, em que os melhoristas desenvolvem variedades e os serviços de extensão as distribuem, a Distribuição Inclusiva trata os sistemas de sementes como ecossistemas complexos que envolvem agricultores, produtores de sementes, comerciantes, reguladores, ONGs e empresas privadas.
Trabalhamos em todos esses ecossistemas para cocriar soluções com parceiros, garantindo que a distribuição de sementes seja orientada pela demanda, sensível às questões de gênero e alinhada ao mercado. Nossa pesquisa não se limita a perguntar como produzir mais sementes, mas como garantir que todos os grupos-alvo façam parte do sistema.
Pesquisamos para posicionar as variedades nos segmentos de mercado corretos, demonstrando sua proposta de valor em relação aos padrões atuais e desenvolvendo casos de negócios convincentes, comprovados por dados robustos, para apoiar as decisões de investimento.
Quais são as principais áreas de intervenção do Inclusive Delivery?
Chris Ojiewo: O Inclusive Delivery está organizado em torno de quatro componentes principais, que chamamos de nossos “Resultados de Alto Nível”:
• POSICIONAMENTO concentra-se na compreensão da demanda: quais características e variedades são necessárias, onde e por quem. Co-criamos estratégias inclusivas para o setor de sementes e modelos de criação de demanda para alinhar os resultados do melhoramento genético com as necessidades reais do mercado.
• IMPLANTAÇÃO lida com o lado da oferta, ajudando os parceiros a produzir e fornecer sementes de qualidade de variedades melhoradas de forma eficiente e em escala, em resposta aos sinais de demanda.
• RASTREAMENTO gera evidências. Desenvolvemos ferramentas de baixo custo para monitorar a adoção de variedades, a rotatividade de sementes e o uso de sementes de qualidade, ajudando os parceiros a entender o que funciona e ajustar as estratégias de acordo.
• PODER conecta a inovação com políticas e parcerias. Colaboramos com governos e atores privados para aprimorar os marcos regulatórios e criar espaço para mulheres e jovens no empreendedorismo de sementes.
Juntos, esses componentes garantem que as inovações agrícolas do CGIAR não parem na estação de pesquisa, mas cheguem aos agricultores e consumidores por meio de sistemas eficientes, inclusivos e sustentáveis.
Como o programa Inclusive Delivery trabalha com parceiros locais?
Chris Ojiewo: A colaboração é absolutamente fundamental. O CGIAR não distribui sementes diretamente. Nós viabilizamos e apoiamos os sistemas que o fazem. O Inclusive Delivery atua como uma ponte entre programas internacionais de melhoramento genético, parceiros nacionais e o setor privado. Trabalhamos em estreita colaboração com governos, empresas de sementes, cooperativas agrícolas, ONGs e organizações comunitárias para cocriar soluções adequadas ao contexto local.
Em nível global, assinamos um Memorando de Entendimento com a Federação Internacional de Sementes (ISF) para agilizar a transferência de produtos da pesquisa e desenvolvimento para a comercialização pelo setor privado. Regionalmente, trabalhamos em estreita colaboração com empresas de sementes que são membros da Aliança de Sementes da Ásia-Pacífico (APSA), da Associação Africana de Comércio de Sementes (AFSTA) e da Associação Americana de Comércio de Sementes (ASTA).
Na esfera política, a Plataforma de Parceria para Sementes e Biotecnologia da África (ASBPP), o Fórum para Pesquisa Agrícola na África (FARA) e a Aliança para a Revolução Verde na África (AGRA) são alguns de nossos parceiros mais próximos.
Isso pode significar ajudar os produtores informais a atender aos padrões de qualidade ou alinhar o investimento privado com a demanda dos pequenos agricultores. Usamos ferramentas digitais e dados de mercado para combinar oferta e demanda de forma eficiente.
Como a questão de gênero e a inclusão social se encaixam nessa abordagem?
Chris Ojiewo: A inclusão não é uma atividade secundária, está incorporada em tudo o que fazemos. As agricultoras frequentemente enfrentam barreiras sistêmicas de acesso à informação, financiamento e tomada de decisões. Ao combinar intervenções técnicas com inovações sociais, a Entrega Inclusiva ajuda a mudar essa realidade.
Um exemplo é o modelo dos Centros de Qualidade para Jovens e Mulheres (YWQC), que integra estratégias de mudança comportamental com intervenções técnicas para superar as barreiras na produção e comercialização de sementes. Esses Centros capacitam mulheres e jovens a assumirem papéis de liderança em toda a cadeia de valor das sementes, aprimorando suas habilidades, melhorando a garantia da qualidade das sementes e ajudando as comunidades locais a confiar e adotar variedades melhoradas.
Em última análise, os sistemas de sementes inclusivos não apenas distribuem sementes; eles redistribuem oportunidades.
Quais resultados a Inclusive Delivery pretende alcançar nos próximos anos?
Chris Ojiewo: Nosso objetivo principal é aumentar tanto a demanda quanto a oferta de sementes de qualidade de variedades melhoradas entre os pequenos agricultores. Mas, além dos números, buscamos uma mudança sistêmica: setores de sementes sustentáveis, equitativos e resilientes.
Os exemplos de sucesso são inúmeros. Na Zâmbia, o modelo do Sistema de Sementes Orientado pela Demanda (DLSS, na sigla em inglês), desenvolvido pela Aliança Pan-Africana de Pesquisa em Feijão (PABRA, na sigla em inglês) e incorporado pela Inclusive Delivery, transformou o setor de sementes de feijão. A produção de sementes de gerações iniciais aumentou 221%, e a produção de sementes certificadas e com declaração de qualidade aumentou seis vezes entre 2021 e 2023.
No Quênia, lançamos um processo nacional de engajamento político que está elaborando novas diretrizes regulatórias para Culturas de Propagação Vegetativa (CPVs), como mandioca e batata-doce. Regras mais claras para essas culturas fortalecerão a garantia de qualidade e abrirão novas oportunidades de mercado para os pequenos produtores.
Quando todas as peças se encaixam, os agricultores estão mais bem preparados para enfrentar os impactos climáticos, melhorar a nutrição e conectar-se a mercados lucrativos.
Por fim, como o programa Inclusive Delivery se conecta à missão mais ampla do CGIAR?
Chris Ojiewo: O Inclusive Delivery é a “última milha” do processo de melhoramento genético; a ligação entre a descoberta e o impacto. O melhoramento genético do CGIAR gera a próxima geração de variedades resilientes ao clima e preferidas pelo mercado. O Inclusive Delivery garante que essas inovações alcancem seus objetivos, em vez de ficarem paradas nas prateleiras.
Ao construir sistemas de sementes inclusivos, estamos melhorando a produtividade e contribuindo diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: acabar com a fome, empoderar as mulheres, promover a resiliência climática e fortalecer as economias locais.
Como gostamos de dizer: não há segurança alimentar sem segurança de sementes, e sementes melhores significam vidas melhores, mas somente se chegarem a todos. O Inclusive Delivery torna isso possível.