Tecnologia, gente e o QI em queda

Edição XXVII | 02 - Mar . 2023
   Como profissional da área de desenvolvimento de pessoas e organizações, com frequência, sou instado a discutir temas que levam às estratégias para o sucesso pessoal e profissional ou, mesmo, setorial.

   Sabemos, de antemão, que não há um modelo capaz de ser seguido ou que, tendo dado certo para alguém, possa ser simplesmente replicado. Mas sempre podemos reunir pontos importantes, que genéricos, possam servir de orientação.

   Duas questões me vêm à mente para colocar em discussão. A primeira diz respeito a uma visão objetiva dos principais motivadores da evolução do agronegócio, e a segunda, sobre o alerta e as evidências na queda da inteligência individual a partir do início desse século.

   Tecnologia e Gente
   Nesse sentido, vale dizer que já faz ao menos cinco décadas que o agronegócio brasileiro vive fases contínuas de crescimento e desenvolvimento sustentável. Essa realidade tem sido apoiada nos avanços contundentes em pesquisa e tecnologia.

   Como um dos efeitos imediatos e indeléveis, melhoramos todos os indicadores de produtividade e de mercado e, por consequência, reduzimos e, em alguns casos, até revertemos o processo de abandono dos filhos e o total desinteresse deles pelo agro, migrando para a cidade, fugindo do atraso e da imagem nada atraente de homem/mulher da roça.

   Muitas vezes, tendo sucesso na busca por outras atividades e apoiados, inclusive, pela estrutura produtiva da agricultura, os filhos acabaram se distanciando do berço familiar enveredando por profissões afastadas da origem. E outras tantas, principalmente aqueles oriundos dos minifúndios, servem de mão de obra barata, aceitando a inserção precarizada e de baixa qualificação.

   Temos de imediato um primeiro ponto importante que pode ser balizador para qualquer organização que atua no setor e que queira manter-se competitivo no mercado: investir em tecnologia e inovação sempre se revelou um excelente investimento.

  Por conseguinte, essa realidade social mudou diante do novo cenário tecnológico e a inserção comercial que o agro brasileiro protagonizou, e, desde então, a conhecida expressão com a qual os pais ameaçavam os filhos - “se você não estudar, vai trabalhar na roça” - foi substituída por outra que serve de alerta e de oportunidade: “se quiser trabalhar na agricultura, vá estudar”.

   Logo, surge o segundo ponto, que é investir em pessoas nas organizações e que muitas vezes ainda tem sido preterido, sejam elas membros da estrutura familiar e preocupadas com a sucessão e a continuidade dos negócios ou simplesmente fazem parte do ambiente laboral em qualquer nível. O segredo parece ser o de que a velocidade de inovação deve ser proporcional à velocidade de qualificação de gente e gestão.

   O alerta do QI em queda
   Embora não tenha notícias de pesquisas referentes ao tema no Brasil, as evidências potencialmente preocupantes nas áreas da inteligência e capacidade intelectual nos chamam atenção.

   Testes de Quociente de Inteligência (QI) têm apresentado evidências de que as novas gerações podem ser menos inteligentes que as anteriores. Essa constatação foi percebida a partir do início do século 21, e é a primeira vez na história da humanidade em que esse fenômeno parece acontecer.

   Mas, como eu sempre afianço, saber de algo não significa muito, mas o que fazemos com aquilo que sabemos, entender as razões e nuances, é o que faz toda a diferença.
Para entender, ‘efeito Flinn’ é o nome do fenômeno que demonstra a melhora de QI de geração em geração, sendo perceptível durante todo o século 20. O QI global aumentou muito durante todo o século 20, mas não de modo equilibrado.

   Em áreas do conhecimento, como aritmética e vocabulário, esse aumento não foi tão sensível quanto no que chamamos de Matrizes Progressivas de Raven, as quais envolvem testes de associações, compreender símbolos e fazer conexões que não têm uma relação imediata com a realidade. Os símbolos das telas dos nossos smartphones são um exemplo dessa aplicação.

   É óbvio que o QI não é o único modo de medir a inteligência e pode ser afetado por fatores externos, mas serve como balizador, quando a análise dos resultados dos testes é padronizada ao longo de várias décadas.

   E essa eventual queda tem chamado a atenção justamente pelo fato de que há evidências que o 'efeito Flynn' começou a diminuir exatamente nos países onde os fatores socioeconômicos se mostram estáveis por décadas como Noruega, EUA, Dinamarca, França, dentre outros.

   Em síntese, sabemos que melhores condições de vida, o acesso à educação e a vida em ambientes coletivos e estimulantes têm influenciado no aumento da inteligência. Mas quando ocorre o inverso, há motivos de sobra para nos preocuparmos e identificar potenciais alternativas.

   Potenciais Motivos
   Especulam-se muitas razões para essa eventual queda, mas um dos principais parece ser a diminuição do uso lexical e o empobrecimento da linguagem, como as sutilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos (o uso iveterado de eletrônicos colabora nesse sentido). 

   Esse empobrecimento influencia diretamente na capacidade de se expressar com precisão e diversidade, além de pensar e analisar criticamente cenários.

   Complementarmente, a utilização mais intensa de novas tecnologias no nosso dia-dia contribui para a diminuição das competências quantitativas e verbais, especialmente em função da pouca leitura regular, reduzindo também os estimuladores do pensamento analítico, crítico e a reflexão. Isso diminuindo, por fim, nossas capacidades cognitivas.

   Em testes com crianças inglesas o próprio Flynn, no final da primeira década do século 21, sugere que as demandas cognitivas e o ambiente culturalmente tecnológico dos adolescentes têm contribuído para essa nova realidade de piora nos testes de QI.

   O assunto é complexo, mas temos indicativos de como atuar sobre a capacidade intelectual de nossos jovens, especialmente melhorando ou até reduzindo o uso de eletrônicos e na composição dos estímulos intelectuais.
 
  Até a próxima.
Compartilhar