Desde as épocas de colônia portuguesa, nossa nação já seguia normas, regulamentações e leis, conhecidas por Ordenações Reais. Tal aparato regulatório abrangia todos os aspectos relevantes de serem controlados, fiscalizados ou administrados pela coroa portuguesa. Séculos depois, o Brasil, como país, começou a escrever sua legislação, separando-se o clero do estado, com uma Constituição própria, o que dava condições de que os mais diferentes setores da sociedade estivessem submetidos a leis, normativas e regulamentos.
Na agricultura, não foi diferente. Tal atividade, que teria tido seu embrião no período das capitanias hereditárias, cresceu a ponto de ser considerada como importante propulsora de nossa economia. Na década de 1950, o país passou a se preocupar em regulamentar a atividade agrícola, com a criação da Comissão Nacional de Política Agrária.
A produção de sementes também seguiu a mesma esteira de regulamentação, muito embora esta tenha se dado de forma inicial em nível estadual. O estado de São Paulo, em 1934, foi pioneiro, seguido do Rio Grande do Sul, em 1951. Entretanto, uma legislação nacional só viria a surgir em 1965, quando foi instituída a primeira lei de sementes para regulamentar a fiscalização do seu comércio.
Em 1967, com a elaboração do Plano Nacional de Sementes (PLANASEM), permitiu-se vislumbrar no horizonte uma pujante indústria sementeira como temos hoje, pois foi criada a Política Nacional de Sementes. A década de 1970 trouxe a criação das entidades certificadoras e fiscalizadoras.
Nota-se, então, neste breve histórico, a importância da regulamentação das atividades produtivas e, em especial, no setor sementeiro, bem como as suas revisões.
Atualmente, a Lei de Sementes, como é conhecida a Lei 10.711 de 2003, teve uma completa revisão de seu decreto regulamentador publicada em 2020. Este decreto trouxe a necessidade de revisões de tópicos pontuais da referida lei, publicadas na forma de portarias.
Neste aspecto, merecem destaque três recentes portarias: 501, 502 e 538 de 2022. Estas portarias detalham normas para a inscrição e o credenciamento no Registro Nacional de Sementes e Mudas, normas para a inscrição de cultivares e de espécies no Registro Nacional de Cultivares e uma revisão das normas para a produção, a certificação, a responsabilidade técnica, o beneficiamento, a reembalagem, o armazenamento, a amostragem, a análise, a comercialização e a utilização de sementes.
Assim, torna-se imperativo chamar a atenção de que a legislação sementeira brasileira é moderna e busca estar em linha com as necessidades dos produtores e consumidores de sementes do país. Em que pese, contudo, possam existir pontos a serem melhorados, este trabalho entre o setor público que regula e a sociedade que produz, não pode parar, e os canais de diálogo devem estar permanentemente abertos.
Mas o título deste ensaio, “Sementes Legais: da produção ao consumo. Vale a pena?”, visa justamente fazer uma provocação aos leitores. Provocação esta dirigida principalmente aos produtores e consumidores de sementes.
Aos produtores de sementes, costumo afirmar, que seu maior concorrente não é o produtor instalado no outro lado da rodovia, com uma marca comercial diferente da sua. Este é seu parceiro de negócios. Sim, um parceiro de atividade comercial! Os maiores concorrentes para os sementeiros são aqueles que fazem a sua produção fora do sistema legal.
Temos, no Brasil, diferentes e importantes associações nos níveis regionais, estaduais e nacional que tratam da política setorial, fundamental para o setor sementeiro. São inúmeros os artigos publicados e manifestações já realizadas em prol da semente legal, desde a sua produção ao consumo.
Mas quero chamar a atenção que as recentes revisões na legislação permitem deixar mais claro à fiscalização, à produção e ao usuário das sementes o que se pode ou não realizar. Isto é importante quando se pensa em tornar a legislação justa e inclusiva.
Aos que atuam na responsabilidade técnica ligada a todas as fases da produção de sementes, é necessária a atualização também no espectro da legislação, pois a observância das normativas irá definir a legalidade da semente produzida. Não podem estes profissionais esquecerem que a legislação confere à produção de sementes legais que esta faça o “autocontrole” de todas as etapas, aumentando-lhes ainda mais sua responsabilidade.
Em algumas situações podem surgir questionamentos de que o cumprimento do arcabouço legal poderia encarecer os custos de produção das sementes. Esta é uma visão equivocada, pois é justamente ao contrário. Quando se seguem todos os preceitos legais, os gastos relativos à produção e comercialização das sementes são minimizados.
E ao consumidor? O que lhe cabe neste contexto todo? Aqueles que consomem sementes produzidas dentro do sistema legal como sua principal aliada a segurança de qualidade do produto a ser adquirido.
Como consumidores, somos instigados, na maioria das vezes, na busca da melhor qualidade e preço. O agricultor ao comprar sementes faz também este raciocínio: alguns preocupam-se mais com a qualidade, outros com os preços. Isto faz o mercado girar. Aqueles agricultores para os quais a preocupação com o preço a pagar por este importante insumo, que lhes representa custo na sua atividade, são inclinados a produzirem as suas próprias sementes. A Portaria 538, de 2022, deixou esta atividade mais fácil de entender, uma vez que define melhor direitos e deveres dos agricultores neste aspecto.
Por fim, vale chamar atenção que em uma sociedade moderna, entretanto, a legislação, principalmente quando ligada ao setor produtivo, nunca pode ser considerada como perfeita e irretocável. A tecnologia atual, que nos apresenta novidades praticamente na velocidade da luz, como resultado do avanço do conhecimento científico, faz necessário que o Estado e a sociedade estejam em permanente sintonia na discussão e regulamentação da atividade produtiva.