Como as novas técnicas biotecnológicas podem impactar o agronegócio

Edição XXVI | 06 - Nov . 2022
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    Praticamente, todos nós, hoje, possuímos um telefone celular, algumas pessoas até mais de um. Entretanto, a maioria de nós desconhece que em cada equipamento desses são centenas de tecnologias, a maioria protegidas por patentes. E é esta proteção, dada pelo direito de propriedade intelectual, que garante o investimento feito no desenvolvimento de determinada tecnologia permitindo que tenhamos cada vez mais celulares com tecnologias de ponta chegando ao mercado. 

    O mesmo acontece com tecnologias desenvolvidas para o setor agrícola, em especial no setor de genética de cultivares. A Lei de Proteção de Cultivares do Brasil (Lei Nº 9.456/1997) completou, este ano, 25 anos de existência. Ela foi responsável por assegurar os direitos relativos à propriedade intelectual, apresentando uma regulamentação que permitiu o crescimento do mercado nacional de sementes, garantido ao setor agrícola sementes e mudas de qualidade. 

    Isto impulsionou o investimento em inovação no setor, tornando o agronegócio brasileiro a fortaleza que é para nosso país. Vinte e cinco anos é muito tempo quando se fala em tecnologias de ponta, principalmente quando se observa a revolução que vivemos na área de genética. Praticamente junto com a promulgação da lei, já em 1998, surgia no Brasil a tecnologia da Plantas Geneticamente Modificadas (PGMs), os transgênicos, movimento que ocorreu em 1996 nos Estados Unidos e em 1997 na Argentina. 

    As PGM foram uma grande quebra de paradigma, mudando relações de troca no mercado brasileiro e mundial de sementes. A tecnologia dos transgênicos tornou-se uma importante ferramenta para a produção de alimentos de maneira sustentável, reduzindo a aplicação de inseticidas e viabilizando o uso do plantio direto em larga escala no Brasil.  Por outro lado, a regulamentação pesada que foi criada em diversos países para uso e consumo de PGMs encareceu e prolongou em demasia o processo de liberação comercial. Isto limitou a tecnologia das PGMs a quatro ou cinco empresas que conseguem pagar os custos de uma liberação comercial. Na prática, isso criou uma espécie de “proteção intelectual” da tecnologia das PGMs. Um outro efeito causado por esta regulamentação complexa foi o de limitar o uso das PGMs a culturas de grande retorno econômico como a soja, milho, algodão, cana e eucaliptos. 

    A revolução que vivemos na área da genética, por outro lado, continuou, e, em meados de 2011, surgiu a técnica de edição de genomas chamada Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas Regularmente Interespaçadas (livre tradução para Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats - CRISPR), já apresentada e discutida aqui nesta coluna. CRISPR é uma ferramenta de manipulação de DNA que não necessita de inserção de DNA de outras espécies como ocorre com os transgênicos. É muito precisa, rápida e barata quando comparada com as técnicas anteriores disponíveis de edição gênica. 

    CRISPR possibilita a criação/introdução de variabilidade genética através de mutações sítio dirigidas específicas, basicamente se assemelhando a mutações naturais. O Brasil, alinhado com a legislação de vários outros países grandes produtores de alimentos, através da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), estabeleceu a Resolução Normativa nº 16, que regulamenta a análise caso a caso; dependendo do tipo de edição gênica realizada, a planta em questão poderá ser considerada uma planta convencional. A biossegurança fica preservada, pois há uma pré-análise, e o principal ganho é a possibilidade de agregação de valor e a solução de problemas difíceis ou quase impossíveis de serem resolvidos via melhoramento clássico.

    Entretanto, a Lei de Proteção de Cultivares, quando implementada 25 anos atrás, não previa esta evolução tecnológica na edição de genomas, que, dependendo de como a técnica é utilizada, deixa impossível ser detectado se as mutações introduzidas foram feitas pelo homem ou pela natureza. Neste sentido, a referida lei e também a Lei de Propriedade Intelectual brasileira devem ser modernizadas para que o investimento científico e tecnológico que é feito no desenvolvimento de uma nova variedade comercial, com base nestas tecnologias, seja protegido, seja recompensado. 

    O conhecimento científico por detrás de uma estratégia de edição gênica não é trivial. São anos estudando e conhecendo genes envolvidos em diferentes rotas metabólicas e como pequenas alterações nas sequências de DNA destes genes podem trazer soluções importantes para a agricultura. Também para um país como o Brasil, que tem a genética como base estrutural de seu agronegócio, é estratégico que haja mais investimento dos setores público e privado nesta área. 

    A legislação brasileira de biossegurança é moderna e acompanhou a inovação tecnológica, possibilitando a presença de mais players no mercado. Isto fortalece toda a cadeia produtiva, trazendo novas soluções, que, nos médio e longo prazos, pela presença de mais empresas, tende a baratear os custos de tecnologias importantes para o agronegócio. Estas mudanças, tanto de legislação, quanto do nível de investimento nacional no uso destas tecnologias e proteção intelectual das variedades de plantas obtidas, são estratégicas para que o Brasil continue como um dos líderes mundiais na produção de alimentos, fibras e bioprodutos, num cenário que a maior parte dos retornos financeiros fiquem no nosso país. Isso contribuirá para cada vez mais tecnologias inovadoras estejam ao alcance de todos nós.


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