As ameaças do percevejo na produção de sementes de soja

Pequeno em escala, grande em prejuízo

Edição XXVI | 06 - Nov . 2022
Thiago Bergmann Araújo-redacao@seednews.inf.br
    Uma ameaça que tem a capacidade de poder comprometer até 30% de uma lavoura de soja pode até passar despercebida a olhos destreinados. Apesar de diminuto em seu tamanho, o grupo de insetos conhecidos como percevejos é um grande desafio para os produtores rurais. Considerados uma das principais pragas da cultura da soja, se não a maior, os malefícios causados por esses animais também podem chegar à produção de sementes.

    Segundo o entomologista pesquisador da Embrapa Soja Samuel Roggia, o que se conhece como percevejos é, na verdade, um complexo de espécies; no entanto, algumas delas são mais dominantes que outras. Uma grande característica comum entre elas, como ele explica, é que todas são insetos sugadores, ou seja, alimentam-se das plantas ao sugarem suas vagens e grãos. O padrão de ataque é semelhante em diversas culturas, como a soja, o feijão, o milho, o trigo, o girassol, o algodão e os cereais de inverno.

    E é justamente essa característica alimentar que faz dos percevejos uma grande ameaça para os agricultores: por buscarem sua nutrição diretamente nas vagens, acabam atingindo diretamente as sementes daquela planta. Sugando seus líquidos, afetam seriamente seus processos de formação e crescimento, acarretando em perdas no rendimento e na qualidade fisiológica e sanitária dos elementos em formação.

    Dessa forma, um desequilíbrio no controle das populações acaba tornando-se um problema sério durante o ciclo da cultura da soja, podendo acarretar em populações resistentes e aplicações indiscriminadas de defensivos, com o perigo de causar um efeito até mesmo contrário ao desejado, com a ressurgência mais rápida dos insetos.
Por isso, a atenção ao percevejo é de fundamental importância para o negócio da multiplicação de sementes, merecendo cuidado durante todo o ciclo da cultura.

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    Conhecendo o inimigo
    No Brasil, são os percevejos da família Pentatomidae aqueles que mais vem oferecendo desafios aos produtores de sementes. Pertencem a esse grupo as quatro espécies mais encontradas nas lavouras brasileiras: o percevejo-marrom (Euschistus heros), o percevejo-verde-pequeno (Piezodorus guildinii), o percevejo-verde (Nezara viridula) e o percevejo-barriga-verde (Dichelops melacanthus – Dallas - e D. furcatus - Fabricius).

   Seu tamanho realmente permite que passe despercebido: as menores espécies possuem uma média de 7 mm, enquanto as maiores podem chegar a cerca de 13 mm, tais dados sendo relacionados à fase adulta, sendo as fêmeas, em geral, maiores que os machos. Durante o desenvolvimento, os percevejos passam pelas fases de ovo, de ninfa, composta de cinco estádios, também chamados ínstares, e fase adulta. As ninfas apresentam coloração variada com manchas distribuídas pelo corpo, completando seu desenvolvimento em cerca de 25 dias.

    Os adultos iniciam a cópula em dez dias, e as primeiras oviposições ocorrem após 13 dias. Apresentam longevidade média que varia de 50 a 120 dias – podendo chegar, no entanto, a mais de 300 – e número de gerações anuais de três a seis, dependendo da região. A fecundidade média varia de 120 a 170 ovos por fêmea, dependendo da espécie, sendo que o ritmo de postura diminui à medida que as fêmeas envelhecem. Esses parâmetros biológicos são diretamente influenciados pelo regime alimentar e pela temperatura da região onde a população está instalada.

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    A ocorrência dos percevejos se dá em praticamente todo o Brasil. As espécies acabaram alterando seus hábitos e se adaptando às condições encontradas no país. O percevejo-marrom, por exemplo, tomou o lugar do percevejo-verde como o mais comum; no entanto, este é o que causa mais estragos, em comparação aos demais. A severidade dos ataques, porém, costuma ser associada a determinadas condições climáticas, sendo as regiões mais quentes as mais perigosas, pois o calor proporciona que haja mais ciclos de reprodução. O oeste do Paraná e o sul do Mato Grosso do Sul são as áreas mais atingidas; condições intermediárias são encontradas em locais como o centro paranaense, o norte do MS, Goiás e algumas regiões de São Paulo.

    Outras regiões, como o Rio Grande do Sul, até registram sua presença, mas devido a períodos mais longos de temperaturas baixas, ocorre uma redução na multiplicação da praga. Dessa forma, a intensidade dos ataques costuma ser mais branda.

    Em alguns casos, especialmente em locais em que as condições não sejam tão propícias para a produção de sementes, mas que ela ocorra mesmo assim, há um agravamento no perigo do ataque por esses insetos. Isso se dá pois tais espaços já estão no limite do seu potencial de qualidade de produção, devido ao clima. Produtores de tais regiões devem, então, reforçar as ações de manejo dos animais, adotando até mesmo uma política de tolerância zero com a praga.

    Modus operandi
    São os hábitos alimentares dos percevejos os principais causadores de problemas para as lavouras. No caso da soja, os insetos começam a colonizar as plantas de meados a finais do período vegetativo da cultura (Vn) ou logo após, durante a floração (R1 a R2). Tal movimento ocorre em seguida que os animais saem do período de diapausa ou migram de hospedeiros alternativos.

    Um momento de alerta acontece no momento do aparecimento das vagens (R3), pois este coincide com o início do período reprodutivo dos percevejos: com o aumento da população, principalmente de ninfas, que pouco a pouco vão trocando de ínstares e, conforme crescem, aumentam também em seu apetite.

     O processo culmina no grande período crítico: o desenvolvimento final das vagens (R4) e o enchimento dos grãos (R5 e R6). “Aí é que o problema é mais sério”, conta Roggia. Ao mesmo tempo em que a soja entra em uma etapa fundamental de seu amadurecimento, a população da praga chega em seu ápice, encontrando como que um banquete para sua voraz necessidade de alimento.

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     O entomologista explica que é nessa fase a grande ameaça à qualidade das sementes. Enquanto no ataque aos estágios iniciais do desenvolvimento, de vagens novas e grãos pequenos, o prejuízo é no sentido do abortamento, é no período de enchimento que ocorrem as piores consequências.

    De acordo com o pesquisador da Embrapa Soja, o resultado, no período inicial de enchimento, é o de grãos irregulares e chochos, menores em dimensões e com uma cor mais escura que a normal. As sementes que, então, tenham sofrido dano dessa fase ainda podem passar por um processo de separação, quando da colheita ou do beneficiamento, por limpeza na peneira ou no ventilador.

     Problema ainda mais grave, no entanto, ocorre quando o ataque acontece no final do estágio de enchimento dos grãos. “Há um dano que é difícil de ser retirado nos processos de limpeza”, afirma Roggia. Isso se dá pelo fato de os grãos possuírem um formato praticamente idêntico ao saudável, porém danificado em seu interior. “Isso pode inviabilizar a semente”, destaca o pesquisador. Por isso, segundo ele, este acaba sendo o período mais perigoso.

    Uma expressiva presença de percevejos em uma lavoura pode trazer, dessa forma, um dano bastante representativo, até mesmo com descarte de lotes, explica o entomologista. Foi o que ocorreu com o produtor de sementes Pedro Basso, da empresa Sementes com Vigor, de Vacaria (RS). Apesar de manter rotineiramente o monitoramento da plantação, com pano de batida para acompanhar a população do inseto, em uma das safras, ele acreditou que a situação estava controlada: “Achamos que era pouco”. Chegado o tempo, a semente foi colhida e vendida. Após um tempo, o comprador entrou em contato, reclamando do material. “Era um produtor de área quente, que exige mais da semente. Tivemos que ressarcir”, conta Basso.

     A experiência de vender um produto com baixa qualidade despertou no produtor a necessidade em reforçar os cuidados com a presença dos percevejos na sua propriedade: “Não tínhamos um padrão, agora já temos”, explica ele. E o grande aliado, segundo Basso, é o monitoramento.

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    O produtor também ressalta a importância do teste de tetrazólio na avaliação das sementes produzidas em espaços atacados pelos percevejos. Ao caracterizar os tecidos vivos da semente, ele também permite identificar os principais agentes causadores de possíveis reduções na sua qualidade fisiológica. Trazendo resultados rápidos e precisos, o ensaio pode apontar os prejuízos trazidos pela praga.

    Buscando aliados

    Sendo o ataque de percevejos uma das maiores pragas na cultura da soja, a atenção do produtor deve ser sempre reforçada, para evitar que maiores prejuízos ocorram em seus negócios.

     Como a presença dos insetos na plantação não causa alterações visíveis na planta, tais como desfolha, como ocorre com as lagartas, não é indicado que a avaliação seja baseada apenas na observação. “Apenas o método visual não é garantido”, reforça o entomologista da Embrapa Soja.

    Roggia orienta que sejam realizadas amostragens sistematizadas de forma semanal, especialmente a partir do momento da formação das vagens. Para tanto, é utilizado o pano de batida, de formato quadrado, com dimensões de um metro. É utilizado nas entrelinhas do plantio, para que, quando as plantas sejam sacudidas e inclinadas, os possíveis percevejos acabem caindo sobre ele. O procedimento deve ser repetido ao mínimo por dez vezes, em diversos pontos do talhão. “Quanto mais e mais bem distribuídos melhor”, explica o pesquisador.

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     Devem ser observados os níveis de controle estabelecidos. “Para lavoura de sementes, ele é de um percevejo por pano”, diz Roggia. A partir do achamento do inseto, deve ser buscada orientação técnica, para análise do contexto e para a prescrição de defensivos, especialmente para instruções do momento correto para realizar a pulverização, pois, conforme esclarece, os inseticidas existentes no mercado não oferecem proteção residual longa, ou seja, maior que uma semana. “Só vale a pena aplicar quando a praga está presente”, pontua o pesquisador.

     A adequação do inseticida à espécie é outro cuidado a ser tomado. “É preciso avaliar qual é o percevejo”, lembra Pedro Basso. Dessa forma, pode ser escolhido um produto mais adequado e a dosagem a ser usada: “Não devemos nos basear apenas em quantidade, mas em especificidade”.

    Entretanto, o pesquisador da Embrapa Soja Roggia salienta que deve ser mantido um acompanhamento mesmo após a pulverização, visto que se tem observado que alguns percevejos têm sido resistentes a determinados produtos. “Sempre que possível, devem ser alternados os grupos químicos”, diz Roggia, pois além dessa resistência, é possível que esteja ocorrendo uma indução ao rechaço ao efeito desejado.

     Outro procedimento que pode ser adotado é o controle biológico com a utilização de inimigos naturais, como os parasitoides de ovos. A orientação é que, de forma ao produtor se familiarizar com o processo, inicie em pequena escala, ampliando à medida em que for encontrando sucesso. Se não houver resultado, deve-se entrar com controle químico.

    A adoção do uso de cultivares precoces é uma alternativa, visto que, em geral, escapam do ciclo reprodutivo do inseto. Elas servem, no entanto, de espaço para que a praga se desenvolva e acabe gerando danos nas cultivares tardias. Por isso, não se aconselha o uso dessa estratégia em locais onde haja maiores concentrações de percevejos. Outra opção é o manejo de palhada, onde o inseto costuma passar o período de diapausa; ao seu constatar a sua presença, recomenda-se que o material seja eliminado, enterrado ou sofra aplicação de inseticida nos focos de infestação.

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    Novas tecnologias têm se apresentado promissoras para o combate à praga. Diferentes instituições, entre elas a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), encontraram na biologia molecular um potencial colaborador no processo. A partir da técnica de RNA interferente (RNAi), a ideia é introduzir na genética do próprio inseto os distúrbios em seu metabolismo, de forma a interferir em etapas críticas de sua sobrevivência. A técnica, dessa forma, não resulta em plantas geneticamente modificadas, pois a alteração é no próprio percevejo. O recurso ainda está em fase de pesquisas, por isso, ainda não há previsão de chegada ao mercado.
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