Consequências do La Niña em campos de sementes

Edição XXVI | 03 - Mai . 2022
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
    A agricultura é uma belíssima indústria, mas sem telhados. Portanto, sujeita às condições ambientais vigentes durante a condução das lavouras dos diferentes cultivos. No Brasil, mais de 40,7 milhões de hectares são cultivados com soja, espécie muito responsiva aos fatores ambientais. Dentre esses, os bióticos que incluem as bioformas que consistem nos insetos, microrganismos e invasoras, e ainda os abióticos, os quais incluem temperatura, pluviosidade, altitude, pH, salinidade, correntes marítimas.  

    Na natureza, fenômenos climáticos como El Niño e La Niña acontecem de tempos em tempos e se caracterizam pelo aumento ou resfriamento das águas do oceano Pacífico, além de alterações na circulação atmosférica, gerando transformações no clima no Brasil e no mundo. Ambos afetam o regime de chuvas de diferentes formas e a agricultura está envolvida.

    Na safra brasileira 2021/22, fez eco o evento El Niña, considerado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), como sendo um “evento climático natural oceânico-atmosférico caracterizado pelo resfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical”. No entanto, o La Niña não é, por si só, determinante. Ele potencializa os fenômenos, mas com outros fatores, como a temperatura do Oceano Atlântico, que pode influenciar o clima em direção oposta, aponta o Instituto de Meteorologia (Inmet).

   No Brasil, em anos de La Niña, desencadeia uma sucessão de efeitos climáticos nas diferentes regiões. No Norte e Nordeste apresenta aumento na frequência e volume das chuvas durante o verão. Já nas regiões Sudeste e Sul, faz o contrário, diminuição de chuvas com as temperaturas elevadas e o clima seco (Inmet).  

   Entender o que é o fenômeno e como atua torna-se uma necessidade para todos e de forma importantíssima para os envolvidos no meio agrícola, especialmente, produtores de sementes.

   Literaturas expõem que efeitos ambientais durante o desenvolvimento das sementes têm grande potencial para causar alterações bioquímicas na composição da semente madura. Estudos recentes comprovam que muitos problemas que encontramos em sementes, inclusive anormalidades, se deve a ocorrência de estresses ambientais na fase lag (fase I).  As condições adversas que ficam expostas as plantas no campo podem determinar a variação e desuniformidade da maturação da semente, com agravamento do processo de deterioração decorrente de bloqueios metabólicos impeditivos das transformações bioquímicas que ocorrem normalmente no final do processo de maturação. 

   Temperatura e a umidade relativa do ar são fatores influenciadores no processo de maturação, época em que as clorofilas são degradadas. Se o estresse com elevada temperatura e/ou déficit hídrico ocorrer no início ou no meio da fase de enchimento de grãos, a coloração verde se distribuirá por todo o grão e não desaparecerá, mesmo com um longo período de armazenamento. Mas, caso o estresse ocorra no final da fase de enchimento de grãos, a coloração verde poderá diminuir durante o período de armazenamento (na presença de aeração). Não em todas as situações, uma vez que existem muitas para o residual de clorofila na semente, dentre algumas como: estádio de maturação, condições de secagem, condições climáticas, produtos químicos dessecantes, maturação desuniforme, manejo inadequado, distribuição inadequada de calcário ou fertilizante, ataque de insetos (percevejos sugadores - haste verde), doenças de raiz (fusariose), do colmo (cancro da haste), de folhas (ferrugem asiática). As consequências para o potencial fisiológico são preocupantes e variam dependendo de intensidade de cor, quanto mais verde estiver maior o problema detectado.

   O estresse térmico, ainda, faz com que muitas proteínas, que funcionam como enzimas ou componentes estruturais, tornem-se estendidas ou mal-dobradas, levando, assim, à perda da estrutura e da atividade enzimática. Em respostas a elevações de temperatura, as plantas produzem as Proteínas de Choque Térmico (HSPs – Heat Shock Proteins). A maior parte das proteínas de choque térmico, que auxiliam as células a suportar o estresse térmico, atuam como chaperonas moleculares, impedindo dobramentos incorretos e evitando deformação de proteínas. Isso tem dependência genética e em alguns genótipos observa-se nos cotilédones da semente depressões e enrugamentos, os quais chamam a atenção.

    Por outro lado, quando o ambiente é de excesso hídrico, perdas também ocorrem e, com agravante de ser a deterioração por umidade, um dano evolutivo. Após o ponto de maturidade fisiológica, alterações degenerativas começam a ocorrer na semente. A ocorrência de chuvas ou oscilações diárias de umidade relativa do ar, quando associadas a altas temperaturas, e pode resultar na deterioração, diminuindo vigor e viabilidade da semente. Uma característica da deterioração por umidade na semente de soja, evidenciada nos cotilédones, é a presença de rugas na região oposta ao hilo ou sobre o eixo embrionário, ou ainda microfissuras do tegumento e que são relacionados à perda da qualidade fisiológica. Um trabalho aplicando técnica de raio X foi pioneiro em demonstrar que o incremento do dano por umidade propiciou uma tendência na redução da densidade tecidual das sementes e que enrugamento pode apresentar diferentes intensidades e, quanto mais expressivo é o nível deste enrugamento ao longo da semente, maior a chance de redução de sua qualidade. Verificou também os efeitos deletérios do peróxido de hidrogênio que foram expressos ainda na vagem e causaram atenuação do vigor das sementes, sobretudo nas cultivares onde houve maior absorção de água pelas sementes.

   Outros fatores como a presença de patógenos, a exemplo de Fusarium spp., Phomopsis sp., Cercospora kikushii, entre outros, além de ataque de insetos, pela permanência em campo, podem contribuir para elevados níveis de deterioração.  

   Diante das abordagens, podemos concluir que alterações climáticas que propiciam mudanças profundas nos padrões de ventos, afetando os regimes de chuvas e temperaturas em diversas regiões produtoras de sementes, têm força e carreiam consequências negativas, provocando prejuízos ao setor.
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