Estamos preparados para a transição de UBS para IBS?

Edição XXVI | 03 - Mai . 2022
Fabricio Becker Peske-fabricio@seednews.inf.br
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
    O termo UBS - Unidade de Beneficiamento de Sementes - vem sendo utilizado globalmente para descrever o processo desde o início da padronização da atividade no século XIX. Porém, com o grande salto tecnológico observado no século XXI, há cada vez mais presença de sistemas computacionais, inteligência artificial, automação e até mesmo robôs envolvidos nas atividades de muitas empresas atuantes no setor. Com isto, o termo IBS - Indústria de Beneficiamento de Sementes - está cada vez mais difundido, em que o termo tratamento de sementes na indústria (TSI), passa a ser utilizado corriqueiramente.

    Há tempos que o investimento necessário para implementarmos um sistema de equipamentos para o processamento de pós-colheita de sementes custa, no mínimo, mais de 8 dígitos para a grande maioria das espécies, ultrapassando facilmente a marca de R$100.000.000 caso se trate de culturas de grande valor comercial como a soja, milho, arroz, trigo e algodão em atividades comerciais de larga escala.

    No entanto, a mesma evolução tecnológica sempre enfrentou barreiras e entraves pelo caminho. Enquanto grandes somas de capital têm sido necessárias para o estabelecimento de tais estruturas, a capacitação humana, incluindo a atração, captação e manutenção de talentos, permanece sendo um desafio para muitas empresas, principalmente em algumas regiões mais isoladas.

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    Uma das alternativas diretas para amenizar este problema é o treinamento e capacitação da mão-de-obra, cujo conceito se resume no ditado popular: “se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância”. É incoerente investir em tecnologia e não preparar os respectivos operadores para lidar com as ferramentas, pois certamente ocasionará em perdas de eficiência, falhas e, até mesmo, depreciação dos equipamentos.

    Estando o Brasil ainda em desenvolvimento em muitos aspectos, incluindo a facilidade para negócios, o país está atrás em acesso e desenvolvimento de muitas tecnologias Com isto, temos visto produtores de sementes importarem equipamentos do exterior para atender suas demandas, mas sendo ainda a agricultura o carro chefe da economia nacional, o custo-benefício têm geralmente se pagado rapidamente.

    Este foi o caso das empresas Sementes Bom Futuro, Girassol Agrícola, Sementes Petrovina e Sementes Oilema, entre outras, que investiram em equipamentos e “softwares” para melhorar a eficácia e eficiência das operações em uma IBS. A tradicional perda de 30-35% de material no processo de beneficiamento de sementes de soja, atualmente, com a utilização dos novos equipamentos e processos, foi reduzida para apenas 15-20%.

    É possível observar-se em UBS de última geração a realização de ajustes de equipamentos via internet por acesso e acompanhamento remoto. Isto facilita o trabalho do operador da UBS, pois, por exemplo, na mesa densimétrica, em que há ajustes de inclinação lateral, longitudinal, vibração da mesa e velocidade do ar, isto pode ser realizado com toque de dedo a distância em vez de acionar manivelas com a mão, tendo pleno controle de cada ajuste na eficiência do equipamento.

    "(...)  investiram em equipamentos e “softwares” para melhorar a eficácia e eficiência das operações em uma UBS. A tradicional perda de 30-35% de material no processo de beneficiamento de sementes de soja, atualmente, com a utilização dos novos equipamentos e processos, foi reduzida para apenas 15-20%"

    Outro avanço tecnológico é o tratamento industrial de sementes, em que empresas como a LS e a Momesso, entre outras, disponibilizam um equipamento sofisticado de alta capacidade, que consegue agregar à semente doses precisas de agroquímicos revestindo uniformemente a semente sem liberação de pó. Isto veio para ajudar o produtor de sementes em termos de qualidade da operação, segurança no trabalho e ambiental.   

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    Equipamentos como a mesa densimétrica para o beneficiamento de sementes sempre exigiram conhecimento técnico para que o processo oferecesse o mínimo de desperdício de sementes de qualidade ao mesmo tempo que retira materiais indesejados. Porém, mesmo com quantias substanciais de capital investido em equipamentos de ponta, funcionários despreparados podem “colocar muito a perder”. Assim, a automação do processo através da computação e inteligência artificial vem reduzindo significativamente a dependência do processo em frente ao “fator humano”, trazendo resultados significativos aos empreendimentos do ramo sementeiro.

    No entanto, enquanto alguns processos se tornam automatizados e eliminam a interferência humana, a necessidade de mão-de-obra para o ajuste e controle digital de muitas atividades, exige ainda mais qualificação do pessoal envolvido. Pessoas com conhecimento adequado para operar os atuais equipamentos com alta tecnologia para beneficiamento, secagem e tratamento de sementes são cruciais para o sucesso econômico de cada safra.

    Porém, tecnologias disruptivas podem demorar a se estabelecer no mercado, pois necessitam, primeiramente, ser atrativas economicamente, trazendo benefícios financeiros claros aos investidores em termos de custo-benefício.

    Por incrível que pareça, a tecnologia de movimento a vapor, por exemplo, já é conhecida desde os tempos de Alexandria (fundada em 331AC). Porém, a sua real utilidade sempre esteve em dúvida devido à grande massa de trabalhadores escravos e de baixa renda disponível no norte da África para a movimentação de mercadorias, passando a se tornar uma alternativa consideravelmente atrativa junto à revolução industrial, devido à grande necessidade de transporte de mercadorias em maior volume por ainda maiores distâncias.

    "Temos que ter a capacidade de sentir tudo o que o ser humano sentiria dentro do sistema relacionado à qualidade do trabalho, disse Dan Leibfried, diretor de soluções incorporadas do Grupo de Soluções Inteligentes da John Deere "

    Da mesma forma, tratores autônomos sem a necessidade de operadores presentes também já existem desde o final do século XX. Através do uso de GPS (sistema de posicionamento global), a John Deere já possuía o conhecimento necessário para construir tratores que poderiam descer um campo e fazer uma curva por conta própria. Mas, depois de mais de 20 anos, a empresa descobriu que essa abordagem ainda era totalmente insuficiente. Ou seja, para dirigir o trator, você precisa replicar o agricultor. “Temos que ter a capacidade de sentir tudo o que o ser humano sentiria dentro do sistema relacionado à qualidade do trabalho”, disse Dan Leibfried, diretor de soluções incorporadas do Grupo de Soluções Inteligentes da John Deere. “Seja preparando o solo, plantando a semente, manejando a lavoura ou colhendo-a”.

    Há 20 anos, mesmo que completamente desenvolvida, esta tecnologia seria inviável economicamente para qualquer produtor rural no mundo. No entanto, com a evolução e crescimento da indústria de máquinas agrícolas e mercado em geral, tal tecnologia se torna cada vez mais uma realidade dentro das fazendas, assim como muitos outros exemplos tangíveis no nosso dia a dia, como o próprio smartphone.

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    O mesmo vem ocorrendo dentro das UBS. O controle de processos através de planilhas “escritas a mão” já deixou de existir há muito tempo. Aplicativos e sistemas de controle integrados aos equipamentos, seja no campo como dentro das UBS, já são itens que não podemos viver sem. Encontrar um lote de sementes dentro do armazém já não depende mais da ajuda do operador de empilhadeira, pois o rastreamento por GPS e controle digital já reduz falhas de comunicação e retrabalho em praticamente 100% dos casos.

    Exemplificando a importância desta ferramenta para uma empresa que produz 500 mil sacos (40kg) de sementes, salienta-se que será necessário um armazém de 12 mil m2, considerando as pilhas com 4 metros de altura. Isto é uma área que, sem o auxílio de programas especiais de gestão, torna muito difícil a logística de carregamento dos lotes de sementes para distribuição, assim como as tomadas de amostras para controle interno de qualidade. Esta quantidade é aproximadamente 1.000 lotes de sementes, normalmente de mais de 15 cultivares (soja).

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    Empresas como a Agrotis, por exemplo, já possuem sistemas eficientes para o controle e rastreamento do lote e dos processos de produção desde o campo até a expedição final das sementes, o qual pode ser acompanhado com o “simples” smartphone à mão do responsável técnico. Desta forma, o volume de informações disponíveis para a correta tomada de decisão em cada etapa e atividade aumentou muito nos últimos anos, auxiliando na melhoria dos processos.   

    O nível de qualificação da “mão-de-obra” disponível nas diversas regiões agrícolas do Brasil ainda varia muito. Principalmente quando mencionamos municípios considerados atuais “fronteiras agrícolas”, cujo acesso a alguns produtos básicos para as atividades do dia a dia ainda são difíceis ou onerosos. Nesta situação, os avanços tecnológicos minimizam as dificuldades.

    Creio que estamos preparados para esta nova fase industrial das atividades agrícolas, cuja adoção das tecnologias e processos pelo produtor de sementes está sendo rápida, com benefício para todos os atores da cadeia de sementes em especial. 

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    Comentário Final
    Os processos de beneficiamento de sementes realmente evoluíram bastante nas duas últimas décadas com a adoção de equipamentos sofisticados que propiciam um melhor trabalho, quer seja na eficácia e/ou na eficiência da operação. Junto, também, vieram sistemas de controle de qualidade envolvendo a logística de armazenamento e despacho, assim como a qualidade física e fisiológica da semente.

    Salienta-se que a evolução do beneficiamento de sementes trouxe junto a necessidade de pessoal altamente capacitado, sendo comum nas empresas a utilização de pessoal treinado em nível de pós-graduação. O Brasil é um grande exemplo na utilização de sementes de alta qualidade testadas quanto a germinação e vigor que se reflete na produtividade dos cultivos, e isto passa por gente capacitada.

    Terminando, podemos considerar que possuímos e estamos preparados para a IBS por tudo que estamos adotando e conseguindo produzir para disponibilizar ao agricultor sementes de alta qualidade em quantidade. E evoluirão ainda mais nos próximos anos. Estejamos preparados para novas mudanças.
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