Quanto vale a semente?

Edição XXV | 04 - Jul . 2021
Jean Carlo Possenti-jpossenti@utfpr.edu.br
    Todos os anos são publicados relatórios de acompanhamento de safras, intenções de plantio e toda uma série de estatísticas que ajudam a nortear as decisões dos atores no agronegócio brasileiro.
   
    Dificilmente se tem um ano ou ano-safra igual ao outro, quer seja por questões climáticas, econômicas, oferta, demanda, enfim. As águas por vezes são turbulentas e a navegação nos mares da produção agrícola nem sempre é tranquila. Entretanto, uma das preocupações dos agricultores sempre se repete: o custo da implantação da sua lavoura na safra seguinte.

    O agricultor brasileiro aprendeu a fazer contas. Mesmo que, tendo em vista as nossas dimensões territoriais, ainda se encontra agricultura sendo praticada para subsistência, a maioria das áreas agrícolas em nosso território são exploradas com a finalidade de geração de riquezas. E para isto, torna-se necessário contabilizar, mesmo que de forma simples, custos e receitas.

    Dentre os custos de implantação de uma lavoura, por exemplo, o valor das sementes é para onde a maioria dos holofotes apontam.
O setor sementeiro é um importante elo na cadeia do agronegócio brasileiro. Tanto por sua importância antes da porteira como fornecedor de produtos de qualidade (sementes e serviços agregados), tanto pelo papel estratégico que exerce, atrelado ao setor de melhoramento vegetal, na garantia da manutenção das inovações genéticas obtidas durante as gerações seguintes.

    Esta importância, atualmente, é amplamente reconhecida por todos os envolvidos no agronegócio. Obtentores, indústria de processamento, órgãos governamentais, agentes financeiros, revendedores, também pelos atores principais e, literalmente, os consumidores das sementes, os agricultores. Estes, pelo fato de serem exigentes com relação ao desempenho das cultivares que utilizam, bem como das sementes que consomem, norteiam através das suas preferências e escolhas todo o setor de melhoramento vegetal, que por sua vez relaciona-se com o setor sementeiro. Assim, os elos do agronegócio se conectam, fazendo a cadeia funcionar.


" Nas últimas duas décadas, nossa agricultura apresentou ganho líquido de produtividade (variável entre as culturas) em torno de 2% a 5% por ano"


 
    São muitas as inovações tecnológicas que estão à disposição dos agricultores através das sementes das novas cultivares. Quer sejam derivadas do próprio melhoramento vegetal, quer sejam derivadas de investimentos realizados pelos sementeiros.

    Acaso o leitor goste de estatísticas ou mesmo simplesmente de olhar para dados históricos, uma variável que chama atenção e pode ser facilmente acessada em relatórios oficiais de acompanhamento de safras é a produtividade média dos cultivos. Nas últimas duas décadas, nossa agricultura apresentou ganho líquido de produtividade (variável entre as culturas) em torno de 2% a 5% por ano. 
    Este valor, que num primeiro momento pode parecer pouco, agiganta-se ao compararmos produtividades médias de milho, soja, trigo e feijão lá de meados ou final dos anos 90 com atualmente. E, ao se fazer uma simples projeção gráfica, é possível perceber que a produtividade não estabilizou, estando a cada safra colhida e computada conquistando novos patamares. Basicamente dois fatores foram preponderantes, mas não os únicos, para este feito, sendo responsáveis talvez por 80% destes ganhos em produtividade: melhoramento vegetal, com germoplasmas de alto valor, e qualidade de sementes. 

   Frutos de pesados investimentos privados no setor, proporcionados pela Lei de Proteção de Cultivares promulgada em 1997, os programas de melhoramento vegetal no Brasil são exemplos no mundo.  Mas o melhoramento vegetal não consegue ser efetivo sozinho, necessitando a complementação da parte de produção de sementes de qualidade.

    O setor sementeiro tem feito sua parte, seguindo ou atropelado pelos avanços obtidos no melhoramento vegetal. Atualmente, existem maciços investimentos dos multiplicadores em produção de sementes de alta qualidade. Felizmente, o setor e o mercado se deram conta que semente não é um grão que germina, mas muito mais do que isso, devendo ser o veículo para levar as inovações tecnológicas da pesquisa para o campo. A semente deve ser de qualidade, aparentar ter qualidade, e entregar qualidade em todos os seus atributos para o agricultor.

    Justiça seja feita, o setor sementeiro, nas duas últimas décadas, se modernizou muito no Brasil. Modernização que passou pela adoção das mais diversas inovações tecnológicas no parque fabril de sementes em todas as etapas e impactou positivamente na sua qualidade e nos custos de produção do produto final.
Desta forma, ao fazer a correta apropriação e rateio destes custos, o sementeiro a fim de permanecer na atividade e também continuar investindo em novas tecnologias, repassa estes valores ao produto final. Bem como, também, aproveita a oportunidade para melhorar a margem de contribuição deste sobre os custos totais e a receita líquida obtida na atividade. 

    É possível notar, nas cultivares das principais culturas produtoras de grãos, grande número de inovações tecnológicas produzidas pela indústria do melhoramento vegetal (se podemos assim chamar). Estas inovações têm chegado às mãos dos agricultores, graças aos sistemas de licenciamento e verticalização adotados na produção e comercialização das sementes, de uma forma muito mais rápida do que tínhamos nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Acredita-se que nos próximos anos essa velocidade será ainda maior.

    Entretanto, é de se esperar (e é lógico que aconteça) que ambos os setores, o de melhoramento vegetal e o sementeiro, necessitem participar das receitas geradas com a venda da produção agrícola, isto para permanecerem e evoluírem nas suas atividades. Dessa forma, o mercado que navega em águas turbulentas testa permanentemente a que preços o agricultor (consumidor) está disposto a pagar para ter disponíveis as inovações tecnológicas produzidas e embutidas nas sementes das novas cultivares. O preço das sementes, mais do que a remuneração ao capital investido na sua produção, reflete o seu valor. Este que, por vezes, parece não ser devidamente conhecido ou reconhecido pelo consumidor de sementes.

    Este fato se deve, por vezes, (e aqui cabe uma reflexão ao setor) do quanto o consumidor é realmente informado acerca das inovações ou atributos de qualidade das sementes que está comprando. Nota-se que muitas empresas de sementes, das mais diversas culturas, se deram conta disso, e desde então já vem se aproveitado dos conceitos básicos de marketing e colocando em prática nas suas empresas de forma correta. Não por acaso são expressões nacionais no setor. O consumidor (e o agricultor não é diferente, pois é um consumidor) está disposto a aceitar o valor de um produto ou serviço quando de fato sabe das qualidades que este produto ou serviço lhe garante e lhe proporciona. De outra forma não irá pagar e parte em procura de alternativas, pois o mercado é concorrido e repleto das mais diversas ofertas.

    Efetivamente, o setor de sementes do Brasil, nas últimas duas décadas, aprimorou a sua produção e o seu produto final. Uma série de inovações têm sido adotadas em todas as etapas da produção de sementes, não só cumprindo as boas práticas exigidas pela legislação, mas, principalmente, para diferenciação do produto semente ao ser colocado no mercado frente à concorrência. Investimentos em vigor das sementes, tanto na obtenção em campo com o devido acompanhamento da maturação e colheita, tanto na sua manutenção durante o armazenamento e sua determinação, são comuns dentre as empresas multiplicadoras que se destacam neste setor. 

   Da mesma forma, se pode citar inovações em plantabilidade de lotes, rastreabilidade de origem, contaminações de OGM, bem como o significativo avanço nas tecnologias sobre o tratamento de sementes. Acerca deste último, pode-se escrever um capítulo à parte. Em duas décadas a agricultura brasileira evoluiu da mistura das sementes com os defensivos usando-se pás e enxadas sobre uma lona no chão ou em uma caixa para o tratamento industrial (TSI), com efetivo controle e acompanhamento da deposição e cobertura dos ativos. 

    É cada vez mais comum, também, a adoção de ferramentas de inteligência artificial para garantir qualidade das sementes produzidas e os seus efeitos benéficos. O mercado conta atualmente com sementeiros garantindo ganhos de produtividade ao agricultor que comprar as suas sementes. Mais do que o uso das tecnologias atuais de georreferenciamento e agricultura de precisão, isso traduz ou reflete o elevado nível de profissionalização das empresas e suas equipes. A visão é, obviamente, entregar aos clientes mais do que um produto e sim a satisfação das suas necessidades com relação ao desempenho das sementes compradas. São empresas que possuem foco no cliente.

    A evolução tem sido fantástica. Mas é preciso que o agricultor tome conhecimento destas inovações ao comparar a semente salva com aquela produzida pelo sementeiro.
Ainda neste ensaio, é importante ressaltar que ao sementeiro cabe fazer outra reflexão. O quanto as boas práticas (previstas inclusive na legislação) são adotadas na produção das suas sementes? Isto é importante trazer à tona e ser discutido dentro da empresa. Pois se em um primeiro momento a busca somente por volume produzido e receita bruta de vendas for perseguido pela empresa, pode-se estar negligenciando muitos dos atributos de qualidade no produto final e com isto impactando a receita líquida final da empresa. 

    A empresa que adota o pensamento que o sucesso está unicamente ligado ao seu produto e ao seu lucro, sem se importar com as preferências ou necessidades dos clientes, é cega para o mercado. Seu departamento financeiro vive constantemente às voltas com o equilíbrio entre receitas e despesas e, por vezes, as contas não fecham. 

    As cultivares das diferentes culturas possuem também características inerentes que lhes conferem dificuldades na obtenção de sementes com elevados atributos de qualidade. Mesmo sendo produzidas dentro de todo o rigor que os controles interno e externo de qualidade exigem. 
Então, se etapas durante o processo produtivo são alteradas, quer seja em campo ou pós-colheita, na busca de volume a ser produzido, por exemplo, é provável que a qualidade final seja afetada. Este fato se torna ainda mais grave quando o agricultor (consumidor) descobre ou tem ciência disso, sendo pelo uso do produto ou pela sua própria proximidade da indústria de sementes enquanto cooperante e fornecedor de matéria-prima. 
     Estas informações não formais vazam, chegam ao mercado e contaminam a marca da empresa, que está diretamente ligada à sua idoneidade. A marca de uma empresa permite que o consumidor estabeleça uma espécie de “contrato” entre ela e a sua mente. Todos nós indivíduos somos, em maior ou menor grau, afetos à determinadas marcas dos mais variados produtos. Com a semente não é diferente, pois o seu consumidor tem uma particularidade talvez um pouco distinta dos demais, ao ser mais “tradicionalista” quando se trata de consumir insumos para seus cultivos. 

    Empresas sementeiras que são destaque no setor também possuem ciência que a sua marca vale tanto quanto ou até mais do que o seu patrimônio físico, pois é fruto de um longo e árduo caminho que foi implacavelmente percorrido até se firmar no mercado. E sabem, igualmente, que por mais sólida que seja a sua marca, sempre existe o risco de ser manchada ou desgastada. Por isso, a manutenção da marca da empresa junto ao mercado com auxílio das ferramentas de marketing deve ser permanente.

     De forma conclusiva, podemos ressaltar que a qualidade das sementes produzidas e que é testada pelo agricultor está em elevado grau atrelada a marca de cada uma. E, ainda, para se evitar que o agricultor faça a multiplicação de suas próprias sementes, ele deve notar, sentir, medir e ter de fato a percepção de que a semente produzida pelo sementeiro é melhor do que a sua. Somente assim estará realmente disposto a pagar o valor que lhe custa uma semente de qualidade.

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