RNAi: O futuro dos biodefensivos

Edição XXV | 01 - Jan . 2021
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    A ciência traz constantemente para o nosso dia a dia tecnologias que alteram nossa forma de solucionar os problemas. O mecanismo de RNA de interferência (ou RNAi, como costuma ser abreviado) foi uma das mais importantes descobertas científicas dos últimos 20 anos. Os cientistas responsáveis pela descoberta da tecnologia, Andrew Z. Fire e Craig Mello, receberam o Prêmio Nobel de medicina em 2006. A técnica que permite “desligar” genes de forma precisa pode ter aplicações nas mais diversas áreas. O silenciamento dos genes de interesse é baseado em um sistema de defesa natural, o qual ocorre devido ao pareamento de uma pequena sequência de RNA ao RNAm e a posterior degradação dessa sequência por enzimas presentes nas células de diversos organismos vivos como plantas, insetos, fungos entre outros.

    O potencial da técnica na área da saúde para o tratamento de doenças foi imediatamente reconhecido após a sua descoberta. Tecnologias a base de RNA se fazem presentes nas vacinas que estão sendo desenvolvidas contra o SARS-CoV-2 (Covid-19). A vacina da Universidade de Oxford, no Reino Unido, produzida pela farmacêutica AstraZeneca, AZD 1222, é baseada no RNAm de um outro vírus respiratório, um adenovírus (que infecta chimpanzés), para inativá-lo com procedimentos de engenharia genética. O vírus inativado, ou “vetor viral”, entra nas células humanas e não consegue se replicar, levando apenas o código para a produção de antígenos pelo corpo humano, código esse que pode ser útil para combater a Covid-19. Outra vacina, que também utiliza tecnologia com RNA antiviral, é a norte-americana BNT 162, da empresa Pfizer-Wyeth. Outro caso de sucesso é a tecnologia que vem sendo testada pela multinacional Forrest Innovations, que utiliza a técnica de RNAi para estabelecer uma estratégia de controle do mosquito Aedes aegypti. A tecnologia foi testada a campo em Jacarezinho (Brasil) e mostrou resultados animadores. 

    Os investimentos em ciência na área da saúde sempre foram muito maiores do que na área agrícola, o que faz com que as inovações cheguem primeiro nessa área.  Porém, o setor agrícola também será em breve um dos grandes beneficiários dessa tecnologia. Uma alternativa que pode fortalecer a pesquisa agrícola no País e contribuir para que as informações geradas pela pesquisa básica em Universidades e Instituições de Pesquisa cheguem até o produtor são as parcerias público-privadas. Um exemplo recente é a parceria estabelecida entre a empresa Sempre Sementes, a Embrapa e a Emprapii, que iniciaram pesquisas para o desenvolvimento de biodefensivos a base de RNAi paras as principais culturas brasileiras: soja, milho e algodão.

    Desde a sua descoberta, o mecanismo de RNAi tem sido apontado como uma nova estratégia para a proteção de plantas e supressão de resistência, principalmente no caso de insetos-praga e de plantas invasoras. Academia e indústria têm colocado esforços para que essas tecnologias saiam da pesquisa básica e cheguem ao consumidor final, que é o agricultor. Diversos estudos científicos já comprovaram o potencial da técnica para o controle de insetos-praga que atacam inúmeras espécies de importância agrícola. O potencial da técnica em suprimir genes em plantas invasoras com problemas de resistência a herbicidas também já foi comprovado.

    O mecanismo de RNAi pode ser utilizado de diferentes formas, a primeira gerando plantas transgênicas para expressar o mecanismo de RNAi, e a segunda por meio da pulverização de pequenas partículas de RNA, o que deve ser o futuro dos biodefensivos. O feijão transgênico, aprovado desde 2011 pela CTNBio, desenvolvido pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia para o controle do vírus do mosaico dourado, é baseado na técnica de RNAi.  Da mesma forma, a multinacional norte-americana Monsanto, atualmente Bayer, desenvolveu uma tecnologia transgênica com efeito inseticida a base de RNAi, criada para controlar a larva-alfinete americana (Diabrotica virgifera), fase larval de um besouro que é a principal ameaça às plantações de milho nos EUA. 

    Porém, o desenvolvimento de plantas transgênicas é algo que exige tempo e custo, além das inúmeras exigências para o processo de regulamentação e aprovação comercial. Assim, a frente que vem ganhando destaque nos últimos anos é a indução de silenciamento gênico por meio de aplicação tópica de moléculas de RNA dupla fita. Não é de hoje que se fala no potencial da técnica de RNAi para uso na agricultura como biopesticida. Entretanto, toda nova tecnologia leva um tempo considerável para que saia da pesquisa básica e chegue ao campo.

    Desde a descoberta do mecanismo de RNAi até o momento, muitos avanços foram obtidos fazendo com que esse futuro esteja cada vez mais próximo.
 
    Um dos desafios era a produção dessas moléculas de RNA em larga escala, o que já foi vencido. Outro desafio é melhorar a absorção dessas moléculas de RNA e estabiliza-las para que possam ser aplicadas no campo, onde as condições ambientais na maioria das vezes são adversas, tendo em vista que essas são altamente sensíveis a degradação. Esse ainda pode ser considerado o principal gargalo para disponibilização da tecnologia no mercado. Entretanto, avanços significativos estão sendo feitos por meio da utilização de diversas nanopartículas que revestem esses RNAs e aumentam consideravelmente a sua absorção e também estabilidade. 

    Isso nos leva a crer que em um futuro próximo o agricultor poderá optar por essa tecnologia que não polui e é atóxica ao ser humano e a outras espécies que não são o alvo do produto.
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