As projeções da agricultura mundial nesta década

Edição XXV | 01 - Jan . 2021
Jessé Xavier Kruguer-redacao@seednews.inf.br
    O início de cada década sempre nos leva a pensar sobre como será o cenário social, econômico, sustentável e alimentar nos próximos dez anos. Quais as tendências de crescimento e declínio, áreas onde é necessário atenção e mudança, possíveis dificuldades e desafios a serem superados, enfim, questões que rodeiam o pensamento futuro de cada setor.

    Em relação a agricultura, as projeções ficam responsáveis a vários órgãos e organizações mundiais ou regionais. Uma destas é de autoria da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) em conjunto da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD). 

   Denominado “OECD-FAO Agricultural Outlook”, o documento apresenta uma perspectiva completa do cenário agrícola nesta década (até 2029), contando com panoramas globais em relação a consumo, produção, comércio, preços e riscos, assim como projeções regionalizadas e acerca de grandes culturas, produções na parte pecuária, biocombustíveis e peixes.

   Considerando a grande importância do trabalho realizado pelas duas organizações, a Revista SEEDnews se propõe a trazer algumas das principais informações e dados contidos no relatório, com panoramas gerais sobre as produções agrícolas e o comércio. Pensando na maior relevância aos nossos leitores, se dará um foco nas informações relacionadas ao Brasil e à América Latina, assim como nas culturas de milho e soja.

   Perspectivas em produção
   Como já esperado, um aumento na produção agrícola deve ser experimentado até 2029. A demanda crescente, o aumento populacional e a necessidade alimentar devem ser a força motriz da elevação, embora em ritmo mais lento do que visto entre os anos 2009 e 2019. No geral, a projeção indica que a produção global em 2029 estará na casa das 582 milhões de toneladas, aumento de 15% em relação à 2019. Os cereais devem ver salto gigantesco, aumentando em incríveis 375 milhões de toneladas produzidas, com as oleaginosas crescendo sua produção em 80 mi/t.

   Segundo a estimativa da FAO e da OECD, o aumento produtivo se dará, principalmente, através de melhores rendimentos nas lavouras, ganhos em produtividade, com uma pequena parcela relegada ao aumento na área cultivada em si. Embora seja o contexto geral, regiões específicas podem apresentar divergências. Um exemplo é o Brasil, que junto da Argentina deve ver um crescimento na sua área de produção de perto de 19 milhões de hectares, liderado pela expansão do cultivo duplo de milho/trigo e soja. Porém, ainda assim, 88% do aumento no número total relacionado a produção deve ser obtido através de melhor utilização de insumos, novas técnicas de manejo e gestão, e melhoramento genético.

    A América Latina aparece como uma das regiões proeminentes para liderar a expansão produtiva, com sua produção total crescendo em 15% até 2029 (ver gráfico no texto). A região se coloca numa posição particular, com as possibilidades de expansão de área e desenvolvimento de novas tecnologias trabalhando juntas para o aumento. A América Latina já está em um patamar avançado e de protagonismo no agronegócio global, e a evolução deve consolidar ainda mais o papel latino-americano como fornecedor de alimentos.

    Esse aumento na produção da região latino-americana seguirá na base de buscar melhores rendimentos sem tanta expansão de terra, sendo este um fator secundário na evolução produtiva, crescendo em apenas 3%. A subida da régua de produtividade será responsável por 75% da crescente na produção de milho e 50% na de soja, e a região se manterá como a líder na produção da oleaginosa, totalizando 54% do total global até 2029. 

   Se este é o resultado esperado, muito dele se deve ao Brasil. Chamado de “celeiro do mundo” justamente por ser um dos grandes players no agronegócio mundial desde já, a produção em terras brasileiras deve ver crescimento considerável. Segundo estimativa do Governo Federal, até 2029 a produção de grãos deve crescer cerca de 27%, com a área cultivada aumentando em 16%, um salto dos 250 milhões de toneladas de grãos produzidos em 2019/20 para 318 milhões de toneladas em 2029.
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   Ao mesmo tempo que é animador ver números que denotam uma expectativa de crescimento, a agricultura sofre pressões globais para alcançar estes resultados de uma maneira sustentável. De largada, a taxa menor no crescimento da área de cultivo e o foco em desenvolver resultados melhores através da produtividade é um indicativo deste reflexo. O setor agrícola é responsável por um quinto das emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE), cerca de 11%, e é parte fundamental na diminuição das mudanças climáticas. 

   O Acordo de Paris (2015) colocou 2020 como data de início das iniciativas visando a diminuição dos prejuízos climáticos, e o setor da agricultura está disposto a trabalhar em prol deste objetivo, afinal de contas é totalmente dependente do clima, podendo experimentar quedas vertiginosas em produtividade caso nada seja feito. Além disso, a Comissão Europeia divulgou em 2019 diversas diretrizes focadas em garantir, até 2030, um setor produtivo mais sustentável e a manutenção da biodiversidade. Apesar de oferecer caráter regulatório apenas no território da União Europeia (UE), todo o setor produtivo global deverá se adequar de alguma maneira às propostas, visto a grande importância da região como importador para vários países.

   Agricultura digital, georreferenciamento, agricultura de precisão, entre outros, são alguns dos tópicos quentes no setor agrícola, e uma nova realidade que deve moldar a produção nos próximos anos. Além de oferecerem ganhos comprovados em produtividade, Agricultura 4.0, automação e robotização podem ser grandes aliados na luta contra emissão de gases e mudanças climáticas, trazendo maneiras mais seguras e objetivas na parte de utilização de herbicidas, fungicidas e insumos em geral, podendo diminuir o impacto destes artifícios no meio ambiente.

   No Brasil, a melhor utilização dos insumos tem sido parte importante da gestão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), explicitado na formulação do Programa Nacional de Bioinsumos, ofertando matriz natural para os produtores e diminuindo a dependência em relação a herbicidas e fungicidas importados. Além desta iniciativa pública, o setor privado também deve contribuir bastante por uma agricultura mais sustentável. A Iniciativa Carbono Bayer é um exemplo disso em território nacional, recompensando o agricultor que faz sequestro de carbono, visando diminuir a emissão durante o processo agrícola.

    Com estes pontos relacionados à temática de sustentabilidade e para a conta do aumento de produção mesmo sem grande expansão na área de cultivo fechar, talvez seja preciso se abrir a novas técnicas produtivas. Uma opção que surge com destaque são as fazendas verticais. O vertical farming, como é conhecido mundialmente, é uma das tendências mais fortes dos últimos anos, principalmente na parte de hortaliças. Otimizando espaço e insumos importantes, o vertical farming se apresenta como um novo mundo de alternativas e uma opção real para aumentar a produção mesmo com áreas restritas. A Embrapa Hortaliças, junto da empresa 100% Livre, por exemplo, vem desenvolvendo estudo para elaborar sistemas de produção para diversas espécies. As preliminares dos testes são animadoras, com quase 100% de reutilização da água disposta para o cultivo e independência climática para garantia de produção.
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   Perspectivas de comércio
   Semelhante a parte produtiva, o comércio deve crescer em menor escala comparado às últimas duas décadas. Desde os anos 2000, com a diminuição de barreiras tarifárias e regulatórias, assim como o surgimento de mais acordos internacionais, a parte de trade viu grande evolução. O comércio de commodities é estimado para avançar em 1,2% ao ano até 2029, com soja e milho crescendo perto da casa de 2 pontos percentuais a cada 12 meses.

   A facilitação na alocação de insumos e produtos ao redor do mundo é um ponto importante na construção de uma agricultura sustentável. Diferentes regiões encontram diferentes desafios em suas cadeias produtivas e de consumo, com as demandas por insumos variando de acordo com suas necessidades. Sem contar ainda o caráter fundamental para algumas localidades do comércio de alimentos como garantia da segurança alimentar. Novas tecnologias na parte de rastreabilidade e segurança do alimento prometem ser, também, um game changer no cenário das exportações. Facilitando o processo regulatório e garantindo procedência e qualidade das produções, mais mercados tendem a se abrir. Transporte, armazenagem e leitura de dados também devem se beneficiar com Big Data, Inteligência Artificial, Internet of Things (IoT).

   A América Latina é esperada para evoluir no ranking do comércio internacional, garantindo uma grande fatia no bolo dos negócios. Os últimos anos já atentavam para essa mudança, com principalmente o Brasil se aproveitando de tensões nos acordos internacionais entre China e Estados Unidos. Aliado a isso, a alta nos preços dos produtos criou um movimento de busca por materiais de matriz latino-americana.

   Nos números, essa consolidação deve colocar o valor de exportação por produção da região perto de 40%, bastante acima da média global entre 20% e 25%, superando Europa e América do Norte (veja gráfico). O ritmo da crescente de trade e produção deve se alinhar durante a década, mantendo-as perto uma da outra. O Brasil, sozinho, deve ver o total da participação de sua produção destinada ao comércio chegar aos 34%.

    Milho e soja continuarão dominando como os produtos líderes em exportação para a América Latina. Até 2029 é esperado que 60% das exportações globais de soja e 40% das de milho tenham raízes na região. Um fator decisivo para o futuro é o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, ainda em tratativas, mas que pode sinalizar uma gigantesca injeção na demanda das produções sul-americanas.

    Milho, soja e o Brasil
    Milho e soja são as duas culturas mais importantes para o Brasil, onde o país tem maior parcela na produção e exportação no mundo desde agora, e deve ver ambas evoluírem até 2029.

   A produção de milho deve aumentar em 193 milhões de toneladas, o maior salto entre os cereais. Em 2029, o Brasil é esperado para garantir 9% da produção global, atrás de China e Estados Unidos. Porém, quando o assunto é exportação, a perspectiva da fatia brasileira aumenta consideravelmente, sendo o responsável, segundo a projeção, de 20% de todas as exportações de milho em 2029, galgando mais uma colocação no ranking em relação a produção, ficando em segundo e perdendo somente para os EUA (veja gráfico). 

   Esse resultado expressivo na exportação se deve a uma tendência de preferência do mercado asiático pelo milho sul-americano, evidenciado também pela boa posição da Argentina. Os avanços nos dois países se beneficiarão, além das melhorias de produtividade, manejo e materiais, a partir de políticas públicas favoráveis e a depreciação das moedas nacionais. A demanda por cereais deve ser alta, considerando sua importância nutritiva na alimentação, e este deve ser outro fator importante no crescimento das exportações brasileiras de milho.
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    Na soja, por outro lado, a projeção mostra o Brasil na liderança, tanto em produção como em exportação. Em 2019 os preços da oleaginosa foram os mais baixos dos últimos anos, com todas as questões da disputa comercial China x EUA e uma queda na demanda global sendo as principais causas. A redução na produção americana ocasionou a elevação do Brasil como maior produtor global, o que deve manter-se durante a próxima década.

    Até 2029 o montante produzido em terras brasileiras é esperado a bater 140 milhões de toneladas, garantindo um crescimento de produção de 1,5% ao ano, se descolando dos Estados Unidos, que deve figurar com 120 milhões de toneladas produzidas em 2029. A dominância do mercado é tão grande que brasileiros e estadunidenses provavelmente irão corresponder a dois terços de toda produção global da sojicultura. Na exportação do grão, ninguém baterá o Brasil, totalizando 49% de todo o comércio internacional de soja no ano final da estimativa.



   Comentário final
   A perspectiva da FAO e da OCDE para a próxima década denota diversos pontos essenciais relacionados ao setor agrícola. No que tange produção e comércio, é possível perceber várias das tendências que dominarão o mercado até 2029. 

   A América Latina e, principalmente, o Brasil terá papel essencial nas duas categorias, aumentando sua produção e consequentemente seu potencial de exportação. A possibilidade de expansão de forma sustentável será o que separará a região das demais, diminuindo a emissão de gases GEE na medida que eleva seus números produtivos. 

   Riscos e incertezas são inerentes sempre que se lida com projeções futuras. Somente em 2020 já foi possível experimentar um grande desafio imposto pela pandemia de covid-19, que poderá ainda ser causa de diversos reflexos para a sequência da década. A mitigação das mudanças climáticas também é outro desafio gigantesco e um risco perigosíssimo para a produção global, assim como a crescente demanda por alimentos que necessitará ser atendida. 

   Mas, para combater o que é incerto e o que precisa ser atingido, soluções são criadas. E a pesquisa e o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias estão aí para encontrar estas respostas. Seja por iniciativas públicas ou privadas para garantir a diminuição dos efeitos das mudanças climáticas, seja pelo desenvolvimento de novas variedades com maior potencial produtivo, a criação de novos acordos que facilitem o comércio internacional, ou com a consolidação total de novas tendências como Agricultura 4.0, vertical farming, Big Data, entre tantas outras, as respostas que o setor agrícola precisa serão encontradas a partir destas soluções e muitas outras que surgirão.  
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