Deterioração e vigor da semente

Edição XXV | 01 - Jan . 2021
Francisco Carlos Krzyzanowski-francisco.krzyzanowski@embrapa.br
Denise Cunha F. S. Dias-dcdias@ufv.br
José de Barros França Neto-jose.franca@embrapa.br
   Deterioração e vigor são processos fisiológicos relacionados, pois quando a deterioração progride há uma correspondente redução no vigor. As sementes não conseguem ter suas funções vitais preservadas indefinidamente, uma vez que estão sujeitas à deterioração e, inevitavelmente, envelhecem e morrem.

    O pioneiro a conceituar o processo de deterioração na semente foi Delouche, professor da Universidade Estadual do Mississippi–EUA, que caracterizou a deterioração da semente como um processo inexorável, irreversível e mínimo no ponto de maturidade fisiológica, quando o máximo conteúdo de matéria seca foi acumulado. Inexorável porque não pode ser evitado, sendo possível reduzir a sua velocidade e intensidade de modo a retardá-lo, mas não o parar totalmente. Irreversível porque uma vez iniciado não é possível revertê-lo, trazendo a qualidade da semente ao ponto inicial. 

   Delouche também caracterizou a deterioração como um processo complexo, resultante de uma série de reações degenerativas que interferem na sobrevivência das sementes. São alterações de ordem bioquímica, citológica, fisiológica e física, que se iniciam após a maturidade fisiológica e que vão acarretando redução gradativa do potencial fisiológico das sementes, até culminar com a sua morte. Apesar de ser considerado um processo natural, sua intensidade e velocidade dependem do genótipo, da composição química, do grau de umidade das sementes e das condições a que estas são submetidas no período compreendido entre a pós-maturidade e a pré-semeadura em campo.

   Vale ressaltar que a intensidade e a velocidade da deterioração variam com a espécie, com a variedade, entre lotes de sementes de uma mesma variedade, entre sementes de um mesmo lote ou até de uma mesma embalagem e entre as diferentes estruturas das sementes. Por exemplo, em gramíneas, geralmente a deterioração se inicia nas células da extremidade da radícula e progride em direção ao escutelo e demais regiões do eixo embrionário. Já em sementes de leguminosas (Fabaceae), as regiões mais sensíveis são os pontos de crescimento do embrião, como epicótilo e radícula.     
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   Outro aspecto relevante a ser considerado é que lotes de sementes de uma mesma variedade e com a mesma idade cronológica podem ter desempenho fisiológico distintos, por apresentarem diferentes níveis de deterioração. Ou seja, a idade cronológica das sementes não pode ser tão associada à deterioração como em animais, uma vez que, conforme já comentado, nas sementes, as condições de ambiente são determinantes para a velocidade do processo de deterioração. Assim, lotes de sementes com a mesma idade cronológica podem exibir desempenhos totalmente distintos por apresentarem níveis de deterioração diferentes. 

   Deste modo, lotes de sementes já armazenados por algum tempo podem apresentar desempenho superior aos de lotes recém-colhidos, indicando que o processo de deterioração nestes pode ter sido mais intenso devido às condições específicas de ambiente ou de manejo.

   Bases fisiológicas e bioquímicas da deterioração
   A redução da qualidade de sementes deterioradas é desencadeada por várias reações bioquímicas que danificam biomoléculas. Dentre estas reações, a peroxidação de lipídios tem sido apontada como a principal causa da deterioração. Os lipídios na semente são os triglicerídeos (lipídios de reserva nas oleaginosas) e os fosfolipídios das membranas, com destaque para as membranas das mitocôndrias, que são o centro de produção de energia das células. Portanto o colapso das mitocôndrias nas regiões de crescimento da plântula resultam no baixo desempenho fisiológico da semente.

   A mitocôndria tem ampla superfície de membranas (cristas), com predomínio de lipídios insaturados (mais instáveis). Elas são sítios da respiração (transporte de elétrons x cristas) e o avanço do processo de deterioração compromete a produção de ATP. Elas contêm o seu próprio DNA (mtDNA) que é mais suscetível aos radicais livres que o DNA nuclear.

" Uma das primeiras manifestações da deterioração está relacionada à desestruturação das membranas celulares, que é decorrente da peroxidação dos fosfolipídios presentes em sua constituição."

   Os triglicerídeos são moléculas quimicamente instáveis devido às ligações duplas ou triplas entre as moléculas de carbono dos ácidos graxos. Reagem facilmente com o oxigênio, gerando radicais livres (RL), podendo doar ou receber um elétron, sendo altamente instáveis e reativos de modo a provocar danos às moléculas vizinhas e afetar diversas atividades celulares. 

   Na verdade, radical livre não é o termo ideal para designar os agentes reativos gerados pela peroxidação, pois alguns destes agentes, mesmo sendo altamente reativos, não apresentam elétrons desemparelhados em sua última camada. Como em sua maioria, são derivados do metabolismo do O2. O termo mais indicado para estes compostos seria “espécies reativas de oxigênio” (EROs), que são subprodutos naturais do metabolismo celular, formados a partir da redução incompleta ou parcial do oxigênio. 

   As EROs são produzidas constantemente dentro das células e estão envolvidas em diversos processos como sinalização celular, proteção contra patógenos, estresses abióticos, mas, quando produzidas em grande quantidade, geram estresse oxidativo nas células que leva à deterioração. As mais conhecidas são: ânion superóxido (O2-); peróxido de hidrogênio (H2O2); radical hidroxil (OH); e oxigênio singleto (1O2). Portanto, pode-se afirmar que o acúmulo de EROs decorrentes do estresse oxidativo leva a uma série de alterações metabólicas, como desestruturação das membranas celulares, inativação de enzimas, degradação de proteínas e lipídios, perda de integridade das moléculas de DNA, comprometendo suas funções biológicas e culminando com a morte celular. Embora todos os componentes celulares sejam suscetíveis à ação das EROs, deve-se destacar que as membranas celulares, por serem constituídas principalmente por fosfolipídios, são o sítio principal da peroxidação e formação das EROs, de modo que as alterações no sistema de membranas são relatadas como uma das primeiras manifestações da deterioração.

   Pode-se concluir, portanto, que o processo de deterioração que resulta na redução do potencial fisiológico das sementes é devido, principalmente, ao acúmulo progressivo de EROs, de modo que para a manutenção da viabilidade e do vigor é importante que os sistemas antioxidantes estejam atuando em nível satisfatório. Por exemplo, em sementes armazenadas sob condições inadequadas, submetidas a elevadas temperaturas e umidade relativa, o acúmulo progressivo de danos oxidativos às células refletirá em redução na germinação e no vigor.
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    Evolução da deterioração
    Uma sequência de eventos que caracterizam a evolução do processo de deterioração na semente foi formulada por Delouche e Baskin em 1973, com base no desempenho fisiológico da semente durante a sua vida ativa, ou seja, a partir da maturidade fisiológica até a sua completa deterioração (morte).

    Uma das primeiras manifestações da deterioração está relacionada à desestruturação das membranas celulares, que é decorrente da peroxidação dos fosfolipídios presentes em sua constituição. Em seguida, as atividades de biossíntese de moléculas essenciais ao metabolismo celular ficam comprometidas, ocorrendo redução na velocidade de germinação; as sementes se tornam mais sensíveis às condições de armazenamento, aos estresses, comprometendo também o desempenho das plântulas em campo. 

    Nos estágios finais da deterioração já ocorrem mutações, gerando anormalidades nas plântulas, geralmente atribuídas à morte de tecidos meristemáticos, culminando finalmente com a morte das sementes. Em resumo, a partir da maturidade fisiológica, passa a atuar um conjunto de reações degenerativas, que aumentam a vulnerabilidade das sementes às condições do ambiente e diminuem a capacidade de sobreviverem. 

    Conceitos
    A definição formal do termo “vigor de sementes” é fruto da dedicação de centenas de pesquisadores, professores e demais profissionais envolvidos com o controle de qualidade de sementes de diversas instituições nacionais e internacionais durante os últimos 70 anos. A conceituação pioneira de vigor é atribuída ao Dr. Johann Friedrich Nobbe, em 1876, no seu livro “Manual de Estudos de Sementes”, que, ao descrever a germinação de sementes, destacou a diferença de comprimento de raízes, longas e curtas entre as plântulas oriundas de sementes de um mesmo lote. Referindo-se a essa diferença como uma “força motriz”, o que configura a energia de crescimento dessas plântulas.

    A ideia dessa força motriz evoluiu ao longo do tempo, mas o termo “vigor” foi pela primeira vez estabelecido com a formação, em 1950, do Comitê de Bioquímica e Vigor de Plântulas da International Seed Testing Association (ISTA). Isso ocorreu durante o IX Congresso Internacional de Análise de Sementes, ocorrido na cidade de Washington, EUA. Na oportunidade, o Dr. W. J. Franck postulou que os testes conduzidos em solo ou sob condições destinadas a estimar a porcentagem de emergência das plântulas em substrato de terra ou areia deveriam ser chamados de “testes de vigor”.
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    A melhor relação entre a deterioração e o vigor está representada no clássico gráfico de Delouche e Caldwell (1960), onde eles relacionam os declínios da viabilidade e do vigor com o progresso do processo de deterioração, em que a queda do vigor é muito mais acentuada do que a da viabilidade com o progresso da deterioração.                     

    Numa visão ampla de desempenho fisiológico, a ISTA considera que o vigor da semente não é uma propriedade mensurável única, mas um conceito, descrevendo várias características associadas aos seguintes aspectos do desempenho do lote de sementes como: a velocidade e a uniformidade de germinação e de desenvolvimento inicial das plântulas; a capacidade de emergência sob condições ambientais desfavoráveis; e a retenção da capacidade de germinação após o armazenamento. 

    O vigor é conceituado pela Association of Official Seed Analysts (AOSA) como “aquelas propriedades das sementes que determinam o seu potencial para uma emergência rápida e uniforme e o desenvolvimento de plântulas normais sob ampla diversidade de condições de ambiente”. Essa definição contempla diversos parâmetros importantes que merecem destaque:

    Potencial para uma emergência rápida e uniforme das plântulas, o que é fundamental para o bom estabelecimento da lavoura;

    Desenvolvimento de plântulas normais;
    Desempenho das sementes sob condições ideais e sob ampla diversidade de condições de ambiente, incluindo condições ótimas e sob estresses.

    Como estresses, podem ser exemplificados algumas situações como: profundidade excessiva de semeadura; compactação superficial ou assoreamento em consequência da ocorrência de chuvas intensas após a semeadura; semeadura em condições de solo com baixas temperaturas, comuns no sul do país; ataque de fungos de solo à semente; e seca após a semeadura. Sementes de alto vigor sempre apresentam vantagens nessas situações em relação a uma semente de vigor médio ou baixo.

    Sabe-se que sementes de alto vigor resultam na produção de plantas de alto desempenho agronômico, que são vigorosas, com melhor estrutura de parte aérea e com um sistema radicular mais profundo e agressivo, que, consequentemente, apresentam um potencial produtivo maior. Plantas de alto desempenho agronômico aproveitam de maneira mais eficiente os recursos disponíveis para o seu desenvolvimento, como água, luz (fotossíntese) e nutrientes. Essa informação é válida para todas as espécies que se propagam por sementes, incluindo grandes culturas, hortícolas, espécies forrageiras, florestais e florais.

    Desempenho
    É importante ter a consciência da importância do vigor das sementes, pois não basta obter a população ideal de plantas, sem se levar em consideração o nível de vigor das sementes utilizadas. Pode-se citar o exemplo daquele produtor que utiliza sementes de vigor médio ou baixo e ainda acredita que, com o aumento da densidade de semeadura, poderá obter o estande ideal de plantas para aquela cultivar. Isso pode até ser verdadeiro, porém será que as plantas que compõem essa população são de alto desempenho?

    A resposta a essa questão depende de diversos fatores, considerando: a espécie cultivada; população de plantas; órgão da planta explorado comercialmente; capacidade de compensação das plantas ou adaptação ao espaço disponível; distribuição espacial das plantas, ou seja, se a avaliação da produção terá como base populações de plantas ou plantas individuais; hábito de crescimento da planta; capacidade de perfilhamento da planta; se haverá o transplante de mudas ou se o estabelecimento das plantas será via semeadura direta; se haverá desbaste, etc.
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    Avaliação do vigor
    Existem diversos procedimentos para a avaliação do vigor. Para grandes culturas, os mais utilizados são os testes de tetrazólio, de envelhecimento acelerado e o de frio. Outras metodologias utilizam a condutividade elétrica da solução de lixiviados, índices de deterioração controlada, de crescimento de plântulas e da velocidade de germinação e de emergência de plântulas. Mais recentemente, os testes de protrusão da raiz primária e a avaliação computadorizada de imagens de plântulas têm proporcionado informações consistentes e merecem atenção.

    O desenvolvimento dos testes de vigor foi fundamentado na sequência de eventos que caracterizam o processo de deterioração descrito anteriormente. Como por exemplo, o teste de condutividade elétrica da solução de embebição da semente, que está relacionado ao estádio de degradação da membrana celular; quanto mais degradada, maior a quantidade de lixiviados, tais como compostos orgânicos (açúcares, aminoácidos, ácidos orgânicos e proteínas) e inorgânicos (fosfatos, potássio, cálcio, magnésio, sódio); os testes de desempenho de plântulas (velocidade de germinação, comprimento de plântulas, emergência de plântulas), os testes de estresse como o de envelhecimento acelerado, a deterioração controlada, os testes de frio e de germinação a baixa temperatura, ao imporem uma condição adversa de alta temperatura e alta umidade na semente por um período de tempo antes de colocá-las para germinar, ou submetê-las para germinarem a baixa temperatura, deslocam os lotes de distintos níveis de vigor na curva de sobrevivência da semente.

    Além de favorecer a obtenção da população de plantas ideal, composta por plantas de alto desempenho agronômico, a utilização de sementes de alto vigor pode proporcionar a obtenção de maiores produtividades em lavouras comerciais. Um vasto acervo de informações está disponível na literatura, comprovando esse fato para diversas culturas, como, por exemplo, para o milho, soja, algodão, arroz e feijão. Para a soja, a Embrapa Soja demonstrou aumentos de até 10% na produtividade, apenas com o uso de sementes de alto vigor.
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    No caso da produção de hortaliças, o alto vigor das sementes influencia positivamente a produção por planta ou na produtividade por área, tanto para culturas com a semeadura direta (beterraba, cebola, cenoura, ervilha, milho doce, feijão vagem, algumas cucurbitáceas), como nas mudas produzidas em viveiro e transplantadas, (alface, beterraba, brássicas, cebola e outras). Também resulta em benefícios quanto ao tamanho, qualidade e uniformidade dos produtos comerciais, sejam frutos (tomate, abóbora, feijão-vagem, milho doce, pimentão, pepino, melão, melancia, quiabo), inflorescências (couve-flor, brócolis), parte vegetativa aérea (alface, repolho, couve, acelga, espinafre), ou subterrânea (cenoura, rabanete, beterraba, nabo, cebola).

    Apesar dos grandes avanços recentes obtidos com a utilização das informações providas pelos diversos testes de vigor em sementes, muito ainda deve ser realizado no sentido de melhor conscientizar os agricultores sobre o significado dos resultados dos diversos testes de vigor e como essa informação pode ser utilizada em seu benefício, visando o constante aprimoramento da produção agrícola nacional. Mas não existe a menor sombra de dúvida de que todo o empreendimento agrícola deve estar embasado na utilização de sementes da mais alta qualidade!

    O vigor está relacionado a uma série de eventos bioquímicos e fisiológicos que determinam respostas diferenciadas da semente durante a germinação e desenvolvimento inicial das plântulas. Assim, na avaliação do vigor, busca-se, mais do que identificar um processo fisiológico específico, identificar manifestações do seu comportamento em campo ou durante o armazenamento. Deve-se salientar, contudo, que o vigor expressa um potencial e sua manifestação depende muito das condições de ambiente. 
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