O Chacrinha e o agro

Edição XXV | 01 - Jan . 2021
    Por definição, o agronegócio não é uma ciência em si e sim um vasto campo de aplicação de praticamente todas as ciências. Por consequência, possui íntima relação, seja explícita ou subliminar, com um emaranhado de áreas e temas. Com isso já é possível perceber a complexidade desse setor e sua particular dificuldade de governança.

   Desdobrar mais e comunicar melhor
    Mesmo assim, é quase senso comum entre os analistas de que o nosso agronegócio avançou a passos largos e relativamente seguros. Contudo, mantém ao menos problemas em dois pontos que precisam urgentemente de enfrentamento: agregação de valor ao longo das principais cadeias (vendemos muito produto com pouco desdobramento) e a comunicação ineficaz com o mercado. Precisamos torná-los estratégicos de uma vez por todas se quisermos manter a nossa matriz econômica efetivamente apoiada no agronegócio.

    De pronto, não tenho dúvidas de que temos ferramentas e, principalmente, conteúdo sobrando para fazer um bom trabalho na melhora do nosso marketing. Mas, infelizmente, em muitos momentos, temos feito papel de bobo e dando mostras de persona não confiável para o resto do mundo.
Mesmo tendo feito muito, parece que fizemos pouco. Como se diz no linguajar popular, ficamos boquejando mídia a fora, ao invés de efetivamente defender nossas qualidades com conteúdo e estratégia, e por outro lado reconhecendo o que é necessário melhorar, ou ainda o que é indefensável.

    As evidências estão a nosso favor, mas não temos sabido usá-las com eficiência. Parece que sempre estamos na defensiva tendo que justificar algo. Passou da hora de partirmos para a ofensiva, mas não com arrogância. Pelo contrário, apenas nos antecipando ao que sabemos que virá, com firmeza, organizadamente, de modo articulado e dando ênfase aos avanços incontestes, que são muitos. Negacionismo não combina com credibilidade.

    Trumbicar e Confundir
     Lembrei-me do Abelardo Barbosa, mais conhecido como Chacrinha, que foi um dos maiores comunicadores do rádio e da televisão brasileira, sendo famoso pelos programas de auditório até meados dos anos 80 do século passado. Seu destaque era tamanho que o aniversário de 70 anos foi comemorado com um jantar oferecido em sua homenagem pelo Presidente do Brasil da época, José Sarney.

    Além de sua trajetória curiosa a partir do agreste pernambucano, o que de fato chamava atenção era sua inteligência, seu dinamismo e suas (apenas aparentes) doideiras. Uma frase simples e célebre da época áurea expressa a sua irreverência: “Na televisão, nada se cria, tudo se copia”. Dita ao vivo e sem cerimônia ou cara de paisagem. É atual até agora, ou talvez mais do que nunca.

    Mas foram dois bordões simples, utilizados a exaustão, que efetivamente nos colocam a pensar sobre a nossa realidade, inclusive no agronegócio. A primeira era “quem não se comunica, se trumbica”, seguida de “Eu vim para confundir, não para explicar!”, dizia o Velho Guerreiro, como também era conhecido.
    Tendo o agro como pano de fundo, alguém efetivamente duvida que a comunicação seja uma habilidade ou uma estratégia inconteste na nossa vida? Ou por outro lado, que muitos players utilizam intempestiva e deliberadamente a desinformação como modo para angariar vantagem, embora travestidos de verdades? As fake news são um exemplo cristalino dessa realidade.
 
    A diferença é que Chacrinha escancarava a realidade da sua condição intencionalmente, já que o propósito era divertir e não convencer. Agora, efetivamente é o contrário: tenta-se convencer, para confundir. O agronegócio brasileiro sofre dessa praga, por não saber se posicionar definitivamente.
Na prática, em tempos de redes sociais, relacionamentos superficiais e interesses não declarados, temos muito a refletir sobre o verbo trumbicar (sim, esse verbo existe) e de quão importante ele é para a nossa feliz ou infeliz existência. Ou para manter nossa capacidade competitiva.

    O Modus Operandi da Espécie Humana
    Costumo afirmar que se há algo de mais importante que uma pessoa ou player faz o tempo todo e todo o tempo, intencionalmente ou não, é se comunicar. Sempre está comunicando algo para alguém. Inclusive quando não faz nada, mesmo que aparentemente. De modo especial quando deveria fazer, na opinião dos demais. 

    Talvez por isso, as narrativas ou a falta delas tem causado tanta confusão, já que as ferramentas digitais têm ajudado a amplificar mensagens e distanciar o que se comunica e também o que se deixa de comunicar. 
 
    E não é de agora. A espécie humana avança justamente pela comunicação, nos obrigando a pensar inclusive. São essas duas características que foram guindadas a grandes diferencias perante as outras estimadas 8,7 milhões de espécies que habitam o planeta conosco. 

    Vale lembrar que os seres humanos só começaram a subir efetivamente no ranking do reino animal por volta de 70.000 anos atrás e tudo por conta da sua capacidade de compartilhar informações. Nossa espécie desenvolveu linguagem capaz de reunir e compartilhar informações de maneira que os outros animais não eram capazes de fazer. A Revolução Cognitiva nos livrou da insignificância terrena. 

    Nesse sentido, pensar tornou-se também um atributo fundamental de sobrevivência da nossa espécie, já que é uma capacidade que transmitimos de pai para filho, é hereditário, possui uma herança ancestral que passa de geração em geração, sendo um dos motivos da evolução dos humanos. 

   O agronegócio, precisa entender de uma vez por todas que somos parte desse modus operandi da humanidade e que nossos negócios dependem de quão bem fazemos uso desses fatores dois aspectos especialmente. Não tenho dúvidas de que Chacrinha tinha razão. Acho que ele já falava para o agro naquela época. 

    Até a próxima. 
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