Biotecnologia no desenvolvimento de cultivares de soja

Edição XXVI | 05 - Set . 2022
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    As variedades transgênicas correspondem a aproximadamente 95% da soja cultivada no país. Quando pensamos em plantas transgênicas, a primeira coisa que vem a cabeça é a soja RR da Monsanto. O RR vem de Roundup Ready®, que significa soja pronta para o glifosato. A tecnologia foi obtida através da introdução do gene CP4 EPSPS, proveniente de uma bactéria de solo do gênero Agrobacterium. A soja RR foi cultivada pela primeira vez em 1996, nos EUA. No Brasil, a liberação foi dada pela CTNBio em 1998, mas, devido a uma medida judicial, o produtor brasileiro ficou proibido de utilizar a tecnologia por quase sete anos, sendo o plantio totalmente liberado apenas em 2005.

    Já no fim da década de 90 surgiram as plantas Bt, que vem de Bacillus thurigiensis, bactéria que já se usava há décadas na agricultura para controle de insetos e, a partir da qual,  com o advento da engenharia genética, foi possível isolar o gene responsável pela toxina que mata os insetos e os inserir em plantas, que tornaram-se resistentes. Na soja, a tecnologia passou a ser comercializada no Brasil na safra 2013/14, conhecida como Intacta RR2 PRO™, oferecendo proteção contra as principais lagartas da soja combinada à tolerância ao herbicida glifosato. A proteção contra lagartas é conferida pela proteína Bt (Cry1Ac), enquanto a tolerância ao herbicida da tecnologia RR 2 é conferida pelo mesmo gene CP4 EPSPS da primeira versão da soja RR, porém, com algumas alterações nas sequencias de DNA.

    A adoção massiva dessas tecnologias deve-se aos benefícios proporcionados ao produtor rural e ao meio ambiente, destacando-se a facilidade de manejo conferida pela tolerância ao herbicida e a redução considerável no uso de inseticidas em função da característica de resistência a insetos. 

    Atualmente, o produtor pode contar com novas tecnologias transgênicas, como a soja Intacta 2 Xtend®, desenvolvida pela Bayer, que combina a genética de resistência a lagartas com a tolerância aos herbicidas glifosato e dicamba. Para a resistência a lagarta,s foram adicionadas duas novas proteínas Bt (Cry1A.105 e Cry2Ab2), além da proteína Cry1Ac, resultando em proteção adicional contra outras lagartas que atacam a soja. 

    Outra opção é o Sistema Enlist™/Conkesta™, da Corteva. Na soja, a tecnologia chamada Conkesta E3®, combina a tecnologia Enlist™, que confere tolerância a três herbicidas (2,4-D, glifosato e glufosinato de amônio), com as proteínas Bt (Cry1F e Cry1Ac), que conferem proteção contra as principais lagartas que atacam a cultura da soja.

    Além das tecnologias que oferecem tolerância a herbicidas e resistência a insetos, em 2019, a CTNBio aprovou uma soja tolerante à seca, característica conferida pelo gene HB4, isolado do girassol, desenvolvida pela empresa Verdeca, joint venture entre a Arcadia Biosciences e Bioceres Crop Solutions. No Brasil, essa tecnologia está sendo desenvolvida e comercializada pela Tropical Melhoramento e Genética (TMG), que também foi a responsável pela desregulamentação da tecnologia no País. 

    Cultivares transgênicas já são utilizadas na agricultura há mais de 20 anos, e nenhum impacto considerável foi observado na saúde humana, animal ou ao meio ambiente decorrente do uso dessas tecnologias. Porém, infelizmente, a polêmica em cima dos transgênicos fez com que vários países acabassem criando legislações excessivamente rigorosas para os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), aumentando consideravelmente o custo e o tempo para a regulamentação dessas tecnologias. Em função disso, as características inseridas pela transgenia ainda são restritas e concentram-se na mão de poucas empresas. 

    Felizmente, a engenharia gênica evoluiu rapidamente, sendo que, nos últimos 10 anos, ocorreram descobertas significativas, que permitiram o desenvolvimento de novos métodos capazes de editar de maneira ainda mais precisa o DNA. Assim, no cenário atual, transitamos para uma nova era tecnológica, a qual engloba as Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), do inglês Precision Breeding Innovation (PBI), também chamadas de New Breeding Technologies (NBTs). Entre essas novas tecnologias, atenção especial tem sido voltada ao sistema CRISPR, uma ferramenta de edição de genomas que permite identificar genes de interesse no DNA de qualquer espécie, para modificá-los sem necessariamente envolver a inclusão de genes exógenos. O potencial da técnica é algo sem precedentes, permitindo realizar desde o nocaute/silenciamento até inserções e substituições de genes com precisão cirúrgica.

     O sistema CRISPR pode ser usado para induzir mutações específicas, de forma a gerar ou modificar alelos selvagens ou mutados, envolvendo apenas a modificação de sequências já existentes na própria espécie. Dependendo da alteração genética realizada, as plantas desenvolvidas por meio dessas ferramentas de edição gênica podem em nada diferir de plantas convencionais que sofreram mutações naturais e, portanto, não podem ser considerados como organismos geneticamente modificados. O Brasil possui legislação que regulamenta o uso seguro de técnicas de edição gênica, através da Resolução Normativa N° 16 da CTNBio, de 15 de janeiro de 2018. Duas cultivares de soja editadas desenvolvidas pela GDM já passaram pela avaliação da CTNBio e foram consideradas como não-OGMs, sendo uma cultivar com baixo teor de rafinose, visando a melhoria da qualidade na alimentação animal, e outra tolerante à seca. A Embrapa também está apresentando submissões a CTNBio de plantas editadas para tolerância à seca, e redução de fatores antinutricionais em soja.

    A soja possui variabilidade genética para diversas características de interesse agronômico, muitas vezes difíceis de serem transmitidas por melhoramento genético clássico. Por meio de CRISPR, será possível explorar essa variabilidade genética para introduzir essas características nas variedades modernas de forma mais rápida e precisa. Entretanto, o nível de investimento nestas tecnologias no Brasil é mínimo. Ou o setor empresarial agrícola entende que é necessário tirar parte dos ganhos do Agro para reinvestir em Pesquisa e Desenvolvimento ou sempre as tecnologia de ponta na genética virão de fora do Brasil. Com isso, boa parte do ganho do nosso produtor vai embora na forma de royalties pagos a empresas de capital externo ao nosso país. Não seria a hora de mudar isso, e pararmos de trocar “ouro” por “espelhinhos”?

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