Série Análise de Riscos: Produção de Sementes de Hortaliças

Edição XXVI | 05 - Set . 2022
Lilian Madruga de Tunes-lilianmtunes@yahoo.com.br
Ariele Paula Nadal-arielenadal@hotmail.com
Jessica Mengue Rolim-eng.jessicarolim@gmail.com
Letícia Medeiros-lbaraomedeiros@gmail.com
    A produção de hortaliças no Brasil tem grande importância para o agronegócio do país. O setor apresenta uma variada oferta de produtos, com mais de 400 opções que se adaptam aos diferentes tipos de consumidores. O cultivo dessas espécies através de sementes apresenta uma área considerável, chegando a aproximadamente 800 mil hectares, envolvendo um montante de 200 milhões de dólares por ano para o setor sementeiro, sendo em torno de 40% com sementes importadas.

    O mercado da horticultura apresenta alguns desafios, entre eles a necessidade de produtos registrados para o tratamento de sementes dessas culturas. A melhoria desse aspecto para o cenário produtivo no Brasil poderia trazer grandes ganhos para a nossa agricultura, principalmente visando produtividade e a segurança alimentar.

    Embora existam dificuldades, é um setor que tem espaço para crescimento. De maneira geral, a população apresenta uma consciência cada vez maior da necessidade de uma alimentação saudável, conectando esse assunto com a qualidade de vida. Entre as espécies de hortaliças mais consumidas pela população brasileira, a batata merece destaque, por formar, juntamente com a cebola e o tomate, o trio de maior demanda pelos consumidores.

    Dessa forma, é importante para o país direcionar sua atenção também para a cadeia produtiva das hortaliças, a fim de se obter uma produção capaz de suprir as demandas da população por esses alimentos, tanto em termos qualitativos, quanto quantitativos. Nesse contexto, a indústria de sementes de hortaliças é considerada como um dos pilares fundamentais para a cadeia produtiva, compondo a base do setor e sendo essencial para garantia desses alimentos.

    A produção de sementes de hortaliças é considerada uma prática bastante especializada, comumente realizada por empresas que dispõem de alta tecnologia e infraestrutura. Nesse caso, a semente é considerada como um dos insumos de maior relevância para a produção, haja vista que sementes de alta qualidade contribuem para a obtenção de altos rendimentos.

    Este setor sementeiro caracteriza-se pela atuação de empresas transnacionais, as quais contribuem de forma significativa para importação de cultivares, especialmente híbridos F1. Assim, um dos grandes marcos no setor de sementes de hortaliças no país, implementado por estes atores estrangeiros, foi a introdução de cultivares híbridas em vista das sementes de polinização aberta para algumas culturas em específico. No entanto, vale destacar que sementes de polinização aberta são ainda exploradas por empresas nacionais, além da utilização de parte das plantas como propágulos ou mudas no lugar de sementes botanicamente verdadeiras.

    A batata, por exemplo, geralmente é propagada vegetativamente através dos tubérculos, caules modificados que se caracterizam por acumular nutrientes e amido. Este método de propagação que gera a batata-semente permite que sejam produzidos indivíduos idênticos de determinada cultivar, obtendo uma lavoura bastante uniforme, em que os riscos de redução da qualidade genética são praticamente nulos.

    Na produção, a utilização de tubérculos sadios é o principal cuidado que deve ser tomado para a implementação de uma lavoura de alta produtividade. Desta maneira é necessário conhecer a procedência e a qualidade sanitária da batata-semente para evitar a propagação de pragas e doenças que podem ser transmitidas ou transportadas por tubérculos contaminados. No Brasil, a produção de batata-semente é regulamentada por meio de normativa específica que garante a qualidade do produto. Sendo assim, com a utilização de material de qualidade, a probabilidade de que ocorram problemas com a qualidade sanitária na semeadura da batata-semente é baixa, No entanto, caso isso ocorra, a severidade de tais condições é muito alta.

    A colheita das batatas é normalmente realizada após 90 a 120 dias, sendo a época adequada muito importante para conservação do estado fisiológicos das batatas-sementes. Nesse caso, preza-se por batatas-sementes turgidas e firmes, evitando tubérculos murchos, os quais indicam um estádio fisiológico avançado, sendo mais suscetíveis a patógenos. Dessa forma, desde que priorizada principalmente a manutenção da sanidade das batatas, o risco de perda da qualidade no processo de colheita é baixo, assim como sua severidade, conforme podemos ver no gráfico.

    A conservação dos tubérculos durante o armazenamento também é importante, haja vista que o emprego de tubérculos malconservados e com características indesejadas pode resultar em plantas pouco vigorosas e mais suscetíveis a incidência de doenças, comprometendo altamente a produção. Por essa razão, as condições de armazenamento devem ser propícias à manutenção da qualidade das sementes, com o uso de locais arejados e com controle de temperatura, como câmaras frias, por exemplo. Assim, pode-se considerar o processo de armazenamento uma das etapas cruciais para a qualidade, uma vez que as batatas são bastantes sensíveis a esse período de repouso em razão da sua composição química. Dessa forma, o risco para redução da qualidade nesta etapa da produção é alto, assim como sua severidade.

   Outra hortaliça de relevância nacional é a cebola, a qual pode ser produzida via semente ou, quando a produção se refere a categorias para multiplicação, emprega-se o método de propagação vegetativa por meio de bulbilhos. Para a produção de sementes, são necessários cuidados especiais no momento da semeadura, como isolamento dos campos, histórico da área, entre outros. Caso esses fatores sejam levados em consideração, a probabilidade de que ocorra mistura genética na semeadura é baixa.

   Na multiplicação da cebola por meio de bulbilho-semente, bulbilhos médios são selecionados, examinados e armazenados para utilização na safra seguinte, com atenção para a sanidade do material vegetativo, visando a qualidade sanitária. Além disso, este método de propagação costuma ser empregado quando a alta pureza genética é requerida, como no caso de sementes nucleares e reprodutoras. Nesse caso, assim como a batata, a probabilidade de perda de qualidade genética é muito baixa.

   O método de produção via semente é utilizado em regiões que propiciam vernalização natural das plantas para indução da floração, diferente do método citado anteriormente, em que é necessário a vernalização artificial dos bulbos. Na semeadura através de semente, caso as condições do clima não sejam favoráveis à determinada cultivar, podem ocorrer problemas na floração, que acarretarão deriva genética da população. Nesse método, como os bulbos não ficam visíveis, a retirada dos bulbos doentes e estranhos através do rouguing não é possível, o que pode gerar problemas na qualidade sanitária. Por esse motivo, a semeadura via semente é utilizada somente para produção de sementes certificadas, a partir de sementes básicas de qualidade. Em lavouras de produção de sementes de cebola a probabilidade de ocorram problemas com a qualidade sanitária dos bulbos é baixa, porém, se ocorrerem, sua severidade pode ser considerada alta.

    Dependendo do local de produção e da cultivar, a colheita das sementes de cebola pode variar em torno de 95 a 180 dias após a semeadura; é necessário conhecer bem o material para colher as sementes o mais próximo possível do ponto de maturidade fisiológica, pois umbelas com cápsulas muito imaturas podem afetar a qualidade das sementes, e o retardamento da colheita pode favorecer a deiscência, afetando a produtividade. Além disso, as hastes florais nem sempre são emitidas ao mesmo tempo, necessitando, em alguns casos, colheita em mais de uma etapa. Como a colheita é realizada de maneira geral manualmente, a probabilidade de mistura genética é baixa; porém, caso ocorra, sua severidade é alta.

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    Após a colheita, umbelas e hastes florais devem ser secas para evitar, principalmente, a perda de qualidade sanitária com a incidência de fungos, os quais são favorecidos pela alta umidade. Na sequência, realiza-se a pré-limpeza, secagem, limpeza e classificação das sementes, para posterior armazenamento em embalagens herméticas. Nesse sentido, o teor de água adequado para o armazenamento das sementes é em torno de 6%, podendo a secagem ser realizada de maneira natural ou através de secadores estacionários, com aumento gradativo da temperatura para não ocasionar danos as sementes.

    Devido a sua forma irregular, as sementes de cebola podem ser submetidas ao incrustamento ou a peletização, com o objetivo de uniformizar os lotes e facilitar a plantabilidade no campo. Durante a fase de beneficiamento, a passagem pelas diferentes máquinas pode causar danos as sementes, prejudicando sua qualidade. Nesse processo, a probabilidade que ocorram danos, principalmente de cunho fisiológico, é média, porém sua severidade pode ser considerada alta.

   O tomate também é considerado uma das hortaliças de grande importância. Porém tem método de multiplicação diferente da batata e cebola. Para o tomate, geralmente é empregada a produção de híbridos.  Nesse caso, a probabilidade de mistura genética no campo de produção pode ser considerada baixa, considerando a realização de medidas preventivas que auxiliam na manutenção da qualidade; porém, caso ocorra mistura, há alta severidade. Nesse contexto, medidas como realizar a semeadura do progenitor masculino antes do feminino, emasculação das flores do progenitor feminino e controle da polinização por meio do isolamento dos campos contribuem para evitar a contaminação genética.

   Para a colheita, a determinação do ponto de maturidade fisiológica das sementes é de suma relevância para obtenção de alta qualidade. Deve ser considerada a redução de danos nos frutos, que podem ocorrer se estes estiverem demasiadamente maduros. Além disso, é necessária a utilização de um local adequado para os frutos após colhidos caso precisem permanecer em repouso para amadurecimento. Frutos defeituosos e que apresentem sintomas da incidência de pragas ou doenças devem ser descartados pelo alto risco de apresentarem baixa qualidade. Assim, quando empregadas as medidas citadas para manutenção da qualidade das sementes, no processo de colheita o risco de perda da qualidade possui probabilidade baixa e severidade média, caso ocorra.

    Após a colheita, os frutos passam pelo processo de extração das sementes, remoção da mucilagem, separação das sementes, lavagem e secagem. Uma das máquinas comumente empregadas na extração de sementes de tomate é a peneira rotativa. Nesse equipamento, as sementes, o suco e resíduos passam pela peneira, enquanto a polpa é extraída. Para a remoção da mucilagem, geralmente emprega-se a fermentação natural seguida de lavagem em água. Executado este processo, é realizada a pré-secagem e secagem das sementes. Nesse caso, a secagem costuma ser realizada em estufas de ventilação forçada até que as sementes atinjam por volta de 6% de umidade.

    Na sequência, são retirados os tricomas das sementes do tomate e realizada a separação de resíduos, utilizando para isso um desaristador e a mesa de gravidade ou coluna de ar para seleção das sementes e eliminação de resíduos. Por último, as sementes são armazenadas em embalagens herméticas. Cabe ressaltar que esta etapa de beneficiamento das sementes de tomate é bastante complexa, uma vez que envolve uma série de processos e equipamentos específicos; por isso, se não tomadas precauções, como limpeza e regulagem das máquinas, atenção à temperatura de secagem e ao tempo de exposição das sementes a cada processo, o risco de redução da qualidade, particularmente a fisiológica, pode ser médio a alto, e sua severidade bastante alta.

    A produção de hortaliças através de sementes ou propágulos vegetativos é muito específica de acordo com cada espécie cultivada. Contudo, a obtenção de materiais com procedência conhecida e que apresentem os atributos de qualidade genética, física, fisiológica e sanitária são de extrema importância para manter o setor em alta e cada vez mais crescente, sendo este um dos maiores desafios da produção. Além disso, pela especificidade de cada cultura, diversos aspectos relacionados a produção de sementes de hortaliças são desafiadores para a cadeia produtiva, como exigências nutricionais, hídricas, climáticas, controle de pragas e doenças, bem como características de maturação, período ideal e métodos de colheita, secagem até o percentual de umidade adequado, beneficiamento, o qual requer muitas vezes equipamentos específicos para o armazenamento, que, em sua grande maioria, é realizado em embalagens herméticas, o que requer maior investimento, além da padronização de testes para verificar e comprovar a qualidade das sementes.

    O aperfeiçoamento e desenvolvimento de tecnologias voltadas à produção de sementes hibridas também é um desafio a ser superado, uma vez que grande parte das sementes hibridas de hortaliças é importada. Isso contribui para ocorrência de problemas, como o menor aporte de tecnologia nessa área em nível nacional e maior risco de introdução de novas pragas, por exemplo. Nesse contexto, vale salientar que a utilização de sementes hibridas proporciona maior produtividade e qualidade dos produtos, sendo esta uma lacuna na produção brasileira de sementes de hortaliças a qual requer atenção, a fim de proporcionar maior visibilidade ao setor. Portanto, para obtenção de sementes de qualidade, estratégias como maior investimento em pesquisa e tecnologias, a fim de superar os obstáculos ainda existentes, são fundamentais para obtenção do sucesso do mercado brasileiro de sementes de hortaliças.
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