Plantas mais resistentes à crise climática e com absorção eficiente de nutrientes são a nova tendência no desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (OGM, na sigla em inglês). Um artigo publicado em 14 de outubro na revista Frontiers in Plant Science, por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica para Mudanças Climáticas (GCCRC), aborda as diferentes técnicas utilizadas para desenvolver novas variedades e as tendências para a geração de transgênicos, sobretudo de plantas geneticamente editadas.
O trabalho “Maize Transformation: From Plant Material to the Release of Genetically Modified and Edited Varieties” (Transformação do milho: do material vegetal à liberação de variedades geneticamente modificadas e editadas) faz uma revisão sobre os avanços da transformação genética em milho. Da primeira geração de transgênicos à técnica de edição gênica CRISPR-Cas, o artigo mapeia os avanços técnicos para a criação de variedades agrícolas.
A publicação do GCCRC – uma iniciativa da Embrapa e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – traz informações de grande interesse, especialmente para profissionais da área de biotecnologia, estudantes e a comunidade científica.
Além de apresentar os avanços significativos nos protocolos, tecnologias e aplicações para a transformação do milho, a revisão reúne os processos mais atuais para desenvolvimento de novos cultivares e mapeia as características de maior interesse buscadas pelos cientistas, incluindo os pipelines (espécie de mapa de etapas dos processos) que existem para produzir plantas geneticamente modificadas ou editadas, até chegar ao mercado.
De acordo com os autores, atualmente, pesquisadores e empresas têm buscado um novo desafio com relação aos OGMs: o desenvolvimento de plantas com características mais complexas, que tolerem condições adversas decorrentes da crise climática, como seca e altas temperaturas, por exemplo, além de apresentarem eficiência no uso de nutrientes e na produtividade.
A manifestação dessas características de forma substancial, diferentemente da resistência a insetos e herbicidas que são mais usuais, depende simultaneamente da interação entre diferentes genes e com o ambiente. Essa complexidade tem feito com que empresas e instituições de pesquisa invistam em novas técnicas, processos de descoberta de genes e programas de avaliação em larga escala.
É o que apontam os pesquisadores Juliana Erika de Carvalho Teixeira Yassitepe, da Embrapa Informática Agropecuária e do GCCRC, Viviane Cristina Heinzen da Silva, do GCCRC e do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, José Hernandes-Lopes, Ricardo Augusto Dante, Isabel Rodrigues Gerhardt e Fernanda Rausch Fernandes, da Embrapa Informática Agropecuária, do GCCRC e do CBMEG, Priscila Alves da Silva, Leticia Rios Vieira, Vanessa Bonatti, do GCCRC e do CBMEG, e Paulo Arruda, coordenador do GCCRC e professor do CBMEG e do Instituto de Biologia da Unicamp.
Edição gênica
A edição gênica pelo sistema CRISPR-Cas, que possibilita editar o DNA de forma mais precisa, é a grande promessa da biotecnologia de plantas, sobretudo para países em desenvolvimento como o Brasil. A técnica divulgada em 2012, que rendeu o Prêmio Nobel de Química de 2020 às pesquisadoras Emmanuelle Charpentier, do Instituto Max Planck, e Jennifer A. Doudna, da Universidade de Berkeley (EUA), tem sido rapidamente aprimorada nos últimos anos e estimulado o investimento em pesquisa visando obter cultivares agrícolas geneticamente editados.
Essa técnica consiste em, literalmente, editar a sequência de DNA, ou seja, inserir, deletar ou substituir nucleotídeos – as letras que compõem a sequência de DNA – para que resulte numa característica desejável, como resistência à seca, por exemplo. Além de se mostrar uma técnica de modificação genética mais barata e acessível, as tendências de regulamentação apontam para uma simplificação do processo, considerando que não haveria DNA de outras espécies inserido no genoma dessas variedades.
“Cada país segue sua própria legislação com certas peculiaridades. Diferentemente da União Europeia, por exemplo, o Brasil tomou uma posição mais aberta em relação à edição genômica”, diz José Hernandes, pesquisador do GCCRC e um dos autores do artigo. De acordo com Hernandes, o maior desafio para a regulamentação da tecnologia está nas chamadas mutações off-target, em que alterações não previstas podem ser realizadas em um genoma a partir da edição genômica; entretanto, tais mudanças são muito raras em plantas.
Apesar de ainda ser necessária uma estrutura de descoberta de genes para que seja possível desenvolver uma planta editada, as tendências apontam para uma ampliação do acesso à tecnologia. Já existem produtos editados disponíveis comercialmente em alguns países, ou em processo avançado de aprovação, tais como variedades de milho, soja, camélia e citrus, apresentando desde melhora nos nutrientes até resistência a doenças.
“A edição de genomas poderá contribuir para o aumento de laboratórios capazes de desenvolver e comercializar novas variedades. Por simular mudanças genéticas que também aparecem espontaneamente por meio de processos naturais, alguns países já consideram alguns casos como sendo plantas livres de transgenia”, complementa Viviane Heinzen, coautora da publicação.
OGMs representam 30% da área mundial de milho
Embora as plantas OGMs já façam parte da agricultura há algumas décadas, a maioria delas apresenta basicamente duas vantagens: resistência a herbicidas e a insetos. A cultura do milho é um exemplo que conta com variedades comerciais transgênicas amplamente utilizadas. É o caso do milho BT que, ao receber genes da bactéria Bacillus thuringiensis, expressa uma proteína capaz de matar lagartas que afetam as lavouras.
Esses cultivares são prevalentes no mercado por apresentarem características de relativa facilidade para avaliação pelos pesquisadores durante o processo de desenvolvimento. “São características qualitativas; o efeito de um gene é mais fácil de medir, indicando se a planta é resistente ou não”, explica Juliana Yassitepe.
Os avanços na biotecnologia vegetal, nos últimos anos, permitiram o desenvolvimento de variedades de milho geneticamente modificado que impactaram significativamente o manejo agrícola e melhoraram o rendimento de grãos. Os novos OGMs incorporam características como herbicida, resistência a insetos e doenças, tolerância ao estresse abiótico, alto rendimento e melhor qualidade nutricional.
Adotadas em 29 países, as variedades OGMs abrangem 190 milhões de hectares e, no caso do milho, representam cerca de 30% das áreas cultivadas ao redor do globo. Essa também é a cultura agrícola com mais eventos OGMs aprovados por órgãos regulatórios: são 148 em 35 países diferentes, a maioria combinando resistência a insetos e tolerância a herbicidas, de acordo com um relatório de 2019 do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês).
Se os primeiros OGMs comerciais de milho eram desenvolvidos usando a técnica de bombardeamento do DNA, cujo controle da transformação é mais impreciso, hoje o que prevalece é o uso da bactéria Agrobacterium tumefaciens para a entrega dos genes de interesse de forma mais acertada. Tal mudança de metodologia ajudou a simplificar os processos de regulamentação de transgênicos, considerando as incertezas da técnica de bombardeamento, que poderia incluir fragmentos do gene e pedaços do vetor além do planejado, explica a pesquisadora da Embrapa Juliana Yassitepe.
Livro
No final de 2020, a Embrapa também lançou o livro “Tecnologia CRISPR na edição genômica de plantas: biotecnologia aplicada à agricultura”, que está disponível gratuitamente para download através do link: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/handle/doc/1126157.
Os editores técnicos são o pesquisador da Embrapa Agroenergia Hugo Molinari e os bolsistas Letícia Rios Vieira, Nathalia Volpi e Silvia, Guilherme Souza Prado e José Hernandes Lopes Filho.