O agronegócio em família - uma experiência inspiradora (I/II)

Edição XXV | 05 - Set . 2021
    Para não ser traumática, a sucessão precisa ser entendida e operacionalizada como um processo. Não deve ser abrupta e tampouco desordenada. Precisa de critérios, tempo e amadurecimento. Mas apenas a experiência empresta a tranquilidade, o discernimento e o preparo necessários para essa situação.

    Por isso, neste e no próximo artigo sobre a Semana da Governança Corporativa – O Agronegócio em Família, da qual fui um dos  mediadores, vou revelar a experiência emocionante sobre os desafios da sucessão familiar de um dos mais importantes grupos empresariais de máquinas e implementos agrícolas do país, o Grupo Jacto, contada na primeira pessoa, por seu ex-CEO Jorge Nishimura, o filho mais novo de Shunji Nishimura, o fundador.

    O grupo Jacto foi fundado em 1948, pelo imigrante japonês Shunji Nishimura. Um jovem mecânico que veio ao Brasil em 1932, com 22 anos, em busca de trabalho. Depois de trabalhar em fazendas paulistas, trabalhou de garçom no Rio de Janeiro e, em seguida, ao retornar a São Paulo, como torneador e soldador.

    Inquieto e inventor, se estabeleceu em Pompéia, interior de São Paulo, com uma oficina cuja placa na porta via-se a seguinte inscrição: “Conserta-se tudo”. Depois de adaptar e inventar muitas máquinas, desenvolveu aquela que seria a primeira polvilhadeira nacional. Hoje a Jacto está presente em mais de 100 países, com fábricas no Brasil, na Argentina e na Tailândia, além do escritório comercial no México.

    A crise como um ponto de partida
    Esse tema, empresa familiar, apenas apareceu no nosso radar em 1992, motivado por uma crise que o Brasil atravessou, iniciada em 1986 com o plano cruzado. Por sete anos consecutivos tivemos hiperinflação, e a manutenção da crise econômica fez com que a Jacto ficasse muito debilitada, assim como de resto o setor industrial brasileiro.

    É necessário abrir um parêntese para destacar que muitas vezes se olha a crise como algo muito ruim, que ninguém quer passar. Mas crise é algo que ocorre de ciclo em ciclo e todo mundo passa por uma.

    E o que eu posso dizer olhando para essa experiência é de que ela não foi ruim para nós. Foi dolorosa e machucou bastante a todos, mas saímos dela fortalecidos, sobretudo interiormente, criando os fundamentos daquilo que está dentro da gente.

   Esse período de crise deteriorou a situação financeira da empresa e quando uma situação dessas se estabelece, sofrendo pressão, aparece uma palavra chamada medo. E esse sentimento de perder uma empresa construída com muito trabalho e dedicação começou a surgir ocupando nossos pensamentos.

"Para essa transição criamos 3 pilares de sustentação: em primeiro lugar a Governança Corporativa, em segundo a Preparação da 3ª geração e em terceiro lugar a Profissionalização"


    Demitindo os filhos
    Nesse momento, meu pai tomou uma decisão difícil e obviamente dolorosa para o momento na empresa: meu irmão que era o presidente da empresa e eu o diretor industrial, fomos demitidos. Ou seja, não fomos demitidos por qualquer um. Foi nosso pai que nos demitiu e com o endosso dos nossos irmãos. Isso tomou uma dimensão muito grande, porque é muito diferente do que ser demitido por qualquer profissional em alguma empresa.

    Essa crise de 1992 nos afetou muito e depois dela estávamos todos muito machucados. Eu e meu irmão, que também tinha sido demitido, estávamos com o coração muito machucado. Na família também, as pessoas já não se comunicavam mais e isso foi ecoando dentro da empresa obviamente.

    Com a ajuda de um japonês que nosso pai trouxe com o papel de intermediar a conversa entre os irmãos nós assumimos um compromisso. Estabelecemos um pacto de aliança naquele momento de que queríamos continuar juntos. Esse pacto de unidade foi muito importante, porque não estávamos nada confortáveis, e ao final do processo acabamos celebrando esse acordo.

    A propósito, do tema crise, ele é para mim um ‘acumulador de energia’. Ela vai acumulando energia e mais energia. Até o ponto que ela permite você fazer mudanças. Inclusive acho que a gente não faz mudanças radicais sem crise ou sem acúmulo de energia.

   Ocorre que aquela era uma época que tinha pouca gente (consultorias e a própria academia) para apoiar as empresas nesse assunto da sucessão familiar. À medida que começamos a estudar isso, percebemos que apenas 10% delas conseguiam chegar na 3ª  Geração, dando a dimensão do desafio. Corroborando com o ditado popular do pai rico, filho nobre e neto pobre.

   A nossa mãe transcreveu muitas passagens da história da nossa família em forma de tankas (um estilo de poesia japonesa). E umas das mais importantes foi essa: “vejo a determinação do Jiro, igual à do pai. E tenho a sensação de leveza ao saber que o trabalho do pai vai continuar”.
Isso dá uma ideia do espírito no coração dos pais. Nós precisamos entender nossos pais. Essa vontade de continuidade, a que nossa mãe usa uma expressão muito bacana: sensação de leveza. Ela estava leve e feliz percebendo que haveria continuidade.

   "Ocorre que aquela era uma época que tinha pouca gente (consultorias e a própria academia) para apoiar as empresas nesse assunto da sucessão familiar. À medida que começamos a estudar isso, percebemos que apenas 10% delas conseguiam chegar na 3ª Geração, dando a dimensão do desafio. Corroborando com o ditado popular do pai rico, filho nobre e neto pobre"


   O Plano
   Assim, em 2003, depois de muito estudar e perceber as dificuldades de sucessão, elaboramos um plano (escrevemos) para estar dentro dos 10% das empresas que alcançassem a 3ª Geração.

    Apresentamos ele num workshop no Family Business Network, na Suíça, talvez uma das primeiras organizações internacionais que trouxeram o tema para discussão. Especificamente no tema “Bridge in the gap”. Cujo foco era exatamente o de criar uma ponte no vácuo das gerações. O nosso desafio era da 2ª para a 3ª.

    Quando a gente pensa em sucessão é necessário que tenhamos intencionalidade, porque se deixarmos naturalmente o processo acontecer, sem intervenção, preparo ou um plano, a chance de ocorrer diminui muito. E a visão da família Nishimura é chegar na 4ª, na 5ª e assim sucessivamente. Porque há um legado muito interessante a ser passado adiante para as futuras gerações. Alguma coisa que vale a pena.

   Nesse sentido, criamos primeiro (em 2004) um modelo de encontro de idades entre as 2ª e a 3ª geração, onde a 2ª tinha até 67 anos para estar à frente das empresas. A partir daí deveria sair porque era parte do nosso acordo de acionistas. Nessa época a ideia era o foco na sucessão da gestão. Depois é que mudamos isso.

    Em 2007, o primeiro irmão já deveria sair da gestão e em 2011 já teríamos 3 irmãos fora das operações. Até aquele momento, na 2ª geração, todos eram gestores, mas ocorre que no quadro da 3ª eles ainda não tinham chegado ao ponto de maturidade para assumir a liderança da gestão das empresas. E aí houve um gap, um vácuo que não nos permitia fazer a transição.

    Percebemos que precisaríamos criar um plano nessa transição para a 3ª geração. Nesse ponto, já tínhamos alterado a ideia de fazer a sucessão na gestão para um foco mais intenso no conselho societário.

    Para essa transição criamos 3 pilares de sustentação: em primeiro lugar a Governança Corporativa, em segundo a Preparação da 3ª Geração e em terceiro lugar a Profissionalização.

    A experiência de fazer sucessão sozinho
    Depois do pacto de unidade, resolvemos (os cinco irmãos) ir até um resort no Paraná para discutir o futuro conjunto, buscando pontos de concordância. Levamos todos os documentos da empresa, projeção de vendas e demais informações que julgávamos pertinentes. Todos chegaram no domingo, para podermos aproveitar bem a semana toda, já a partir da segunda-feira cedo.

    Ocorre que no início da reunião, um dos irmãos fez algum comentário sobre um outro irmão. Deve ter sido algo banal, até porque nem me lembro o que foi. Mas como os sentimentos estavam sensíveis, esse comentário atingiu em cheio esse membro da família.

    Ele ficou muito aborrecido, saiu da sala irritado, depois de alguns minutos voltou e falou para todos que ele ‘não era moleque’. Saiu novamente, pisando duro, foi para o quarto, fez as malas e foi embora.

    Aquela reunião que era para durar cinco dias, durou cinco minutos. E como estávamos procurando estabelecer a unidade da família, os quatro remanescentes se perguntaram sobre o que iriam fazer. “Vamos embora também”, foi a resposta. Fizemos as malas e fomos para casa.

    Essa foi a primeira experiência de tentarmos resolver os problemas de família por nós mesmos. Chegamos à conclusão de que precisávamos de ajuda porque não seríamos capazes de fazer isso sozinhos.

   Até a próxima.
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