Faz muito tempo que o setor de sementes de soja, - e diga-se que não apenas de soja, mas também de outras espécies, a exemplo do feijão - tem apresentado sementes desidratadas, fato que ocasiona anormalidades no teste de germinação nos laboratórios, em razão do processo de embebição muito rápida. A literatura é vasta no assunto, e vários autores como França-Neto e colaboradores, Palagi, Krzyzanowski e colaboradores, Bewley e Black, Marcos-Filho, Toledo e Filho, Toledo e Cavariani, Labouriau, Pereira, Zucarelli, entre outros, estarão com suas contribuições aqui relatadas na abordagem do assunto.
O dano de embebição é um dos principais fatores que comprometem a qualidade fisiológica das sementes de soja, especialmente quando estas submetidas a processos intensos de desidratação durante a secagem ou armazenamento. Esse tipo de dano está diretamente relacionado à absorção rápida de água por sementes com membranas celulares fragilizadas, resultando na redução do potencial de germinação, em plântulas anormais e até mesmo provocando a morte da semente.
Este artigo aborda os mecanismos fisiológicos envolvidos no dano de embebição, os fatores que favorecem sua ocorrência e as estratégias práticas para minimizá-lo, com foco na melhoria do desempenho das sementes em campo.
Na agricultura pujante e responsiva, após a adesão em massa dos sojicultores ao uso de cultivares com tipo de crescimento indeterminado, têm-se verificado sementes mais desidratadas, uma vez que o crescimento indeterminado propicia dispersão do grau de umidade das sementes distintos na planta, além de outros fatores como característica de folhas e o impacto das condições climáticas vigente nas diferentes regiões produtoras.
O grau de umidade das sementes superior a 25% é considerado fundamental para a manutenção da integridade do sistema de membranas. Quando inferior a este valor, ocorre redistribuição das moléculas, formando espécies de canais e, assim, a rápida embebição acarreta a liberação de exsudados. No entanto, semente com baixo conteúdo de água apresenta atividade metabólica reduzida, e, à medida que ocorre a reabsorção de água, o metabolismo é reativado. O processo de rápida embebição pela semente pode causar danos durante a transição de membranas da fase gel para a fase líquido cristalina, ocorrendo liberação de soluto para o meio.
Os danos incluem a quebra na fita de DNA devido a ação de espécies reativas de oxigênio (ERO), mudanças nos pares de bases e fragmentação do DNA. O processo de embebição abrupta pode ocasionar a desorganização da membrana celular, desencadeando processos como respiração anaeróbica, que geram prejuízos decorrentes da carência de oxigênio por aeração insuficiente.
Um dos fatores que mais influencia a germinação é a água, devido à absorção inicial, ocorrendo a reidratação dos tecidos e, com isso, aumentando a respiração e outras atividades metabólicas, que vão fornecer nutrientes e energia para o crescimento do eixo embrionário. A velocidade de entrada da água nos tecidos das sementes é decisiva para o sucesso da germinação. Deve ser compreendido que diferentes partes da semente não absorvem água com velocidade semelhante.
O tegumento se reidrata com velocidade menor que as demais partes da semente e, após a sua completa hidratação, desempenha apenas a função transportador de água do ambiente para o interior da semente. A espessura reduzida do tegumento em alguns genótipos contribui para a maior permeabilidade. Assim, a absorção rápida de água pela semente também provoca a rápida hidratação das estruturas cotiledonares, havendo, com isso, hidratação diferenciada de componentes da proteína, provocando estresses e até rupturas de cotilédones.
As sementes com baixo teor de água podem ocasionar uma diminuição da germinação e do vigor durante o processo de embebição, porque apresentam conformação hexagonal dos fosfolipídios que compõem as membranas, o que permite a perda indiscriminada de substâncias do interior das células. O processo de hidratação de maneira acelerada provoca aumento na anormalidade das plântulas. Em laboratórios de análise de sementes, é possível adequar o teor de água com a utilização do pré-condicionamento.
Num contexto histórico, França-Neto e colaboradores (1991; 1993; 1997; 1998; 2007) foram os primeiros pesquisadores brasileiros que verificaram que os altos índices de plântulas com anormalidade na radícula resultavam em baixas porcentagens de germinação e, consequentemente, na reprovação do lote. As anormalidades radiculares observadas no teste podem ser, à primeira vista, confundidas com dano mecânico, fato que não se confirmava em outros testes. Foi então que desenvolveram a metodologia alternativa para o teste de germinação de sementes de soja, que inclui a colocação das sementes em caixas plásticas “gerbox” sobre a tela de aço inox, contendo 40 mL de água, por período de 16 e 24 horas em temperatura de 25 °C, para elevar o teor de água, antes da instalação do teste de germinação padrão.
A elevação do teor de água das sementes propicia a redução da velocidade de hidratação, possibilitando a reorganização metabólica a nível celular. E, após o estudo na Embrapa Soja, a pré-embebição das sementes foi recomendada para o Brasil. O trabalho foi chancelado pelo Ministério da Agricultura e da Pecuária (MAPA), que inseriu o método nas Regras para Análises de Sementes (Brasil, 2009), utilizadas em todos os laboratórios.
Diante disso, fica evidente que os laboratórios dispõem de ferramenta que auxilia para adequar o teor de água da semente ou seu grau de umidade. Entretanto, existem alguns laboratórios que não realizam esta determinação e podem prejudicar os resultados da germinação de lotes de sementes. Muitos apontam a não realização pois acreditam que o procedimento vai mascarar resultados de campo. Não é bem assim: precisamos ter em mente que, no solo, os coloides agem diferente e, sim, vai haver o mesmo problema de anormalidades do laboratório caso tenha água disponível, como, por exemplo, chuva mais intensa após semeadura ou liberação do pivô agrícola para irrigar a área que foi semeada. Então, a compreensão dos mecanismos fisiológicos e das condições que favorecem a ocorrência de danos de embebição é fundamental para adotar medidas eficazes que minimizem problemas.
Uma ressalva que precisa ser observada é de que a metodologia se aplica ao teste de germinação e ao tetrazólio que é considerado germinação bioquímica. Jamais aplicar o mesmo período para adequar umidade de sementes para submetê-las ao teste de envelhecimento acelerado. Caso seja feito o pré-condicionamento no mesmo tempo que a germinação (16 a 24 horas), os resultados podem ficar totalmente comprometidos, hidratando muito as proteínas ao nível que predispõe as sementes ao ataque de microrganismos, à desnaturação de proteínas em sementes de mais baixo vigor e ao ataque de espécies reativas de oxigênio (ERO), sobretudo, do peróxido de hidrogênio que atua ocasionando estresse oxidativo no ambiente de elevada temperatura e umidade relativa do ar. Portanto, juízo, moçada!