Sucessão familiar: é a emoção que define o futuro

Edição XXIX | 04 - Jul . 2025
   Na maioria das empresas, esse é um assunto indigesto, desconfortável, e frequentemente é motivo de atrito apenas por ser ventilado. Tenho acompanhado muitos gestores através das mentorias executivas e muitas vezes esse desconforto se manifesta de forma velada ou por meio de um desabafo com frases como “Estamos falando de gestão, mas lá em casa ninguém quer falar do que realmente importa” ou ainda “Meu pai diz que o assunto é prematuro, mas ele já tem 72 anos”.

   Antes de tudo, precisamos entender que falar de sucessão não é uma opção, até porque é um processo inevitável que algum dia chegará.

   Aspectos técnicos e emocionais
   Os grandes problemas nos processos de sucessão não são as tratativas técnicas, como contratos, papéis e patrimônio. Antes de tudo, a questão central está no aspecto emocional, essencialmente pelo grau de parentesco e a passionalidade entre os membros interessados. Por isso, precisamos entender que quanto mais esse assunto é adiado, mais claro fica que a conta emocional e financeira chegarão na sequência e, normalmente, com juros altos.

   Mas, antes de tudo, não podemos confundir “transferir o negócio” com “transferir o comando emocional da empresa”. O primeiro é um processo técnico que envolve documentos, contratos, holdings, planejamentos tributários e um conjunto de ações que formalizam a transição patrimonial e societária. É essencial, claro, mas insuficiente. 

   A ilusão de que a sucessão está resolvida porque a parte legal foi organizada é uma das maiores armadilhas que vejo nesse tipo de organização. O que mantém a empresa saudável não são apenas as cláusulas de algum contrato. São a qualidade das relações e a clareza emocional de quem conduz, de quem entrega e de quem recebe o bastão.

   Por isso, transferir o comando emocional da empresa é um processo profundamente humano. Significa trabalhar valores, crenças, desapegos, medos, orgulho e o desejo legítimo de proteger um legado. Significa preparar o sucessor não só para decidir tecnicamente, mas para ocupar emocionalmente seu respectivo espaço.

   Isso muitas vezes exige conversas difíceis, alinhamentos familiares e, principalmente, uma transição genuína de autoridade e confiança. Enquanto essa camada não for tratada, o CNPJ (quando for o caso) até pode mudar de mãos, mas o verdadeiro poder e a fluidez do sistema continuarão travados.

   É sabido que boa parte das empresas ainda gira em torno do CPF do fundador e, por isso, a identidade, o estilo de liderança, o capital relacional e o próprio legado estão profundamente vinculados à figura da geração que construiu o patrimônio.

   A sucessão formal até pode acontecer no papel, mas não se sustenta na prática sem trabalhar a dimensão emocional. O processo trava. É como lei que não pega.
Armadilhas comportamentais comuns

   Há diferentes razões para isso, mas algumas armadilhas são perceptíveis no dia-dia e tendem a se repetir:
  •    Crenças limitantes dos fundadores
Frases como "Ninguém faz como eu", "Se eu sair, o negócio não se sustenta" ou "Ainda não estão prontos" limitam o avanço e o engajamento dos sucessores no processo. 

  • Medos e dilemas dos sucessores
Falta de preparo emocional para ocupar as cadeiras, medo de confrontar o fundador e dificuldade de equilibrar respeito pela história com necessidade de inovação são os principais.

  • Falta de conversas reais
Assuntos como dinheiro, controle real, papéis pós-transição e conflitos velados não são tratados abertamente. Assim, a família segue em uma bolha de ilusão ou silêncio, até que o dia fatídico aconteça.

   Pontos críticos a cuidar
   Não existe manual, mas existe um caminho, alguns entendimentos e pontos críticos que, se observados e tomados como norteadores, poderão amenizar essa realidade desconfortável.

   1. A sucessão precisa começar pelo fundador.
   Sem consciência e abertura do líder atual, nada avança. A liderança de transição é um papel ativo, não passivo.

   2. Criar legitimidade para os sucessores
   O respeito não vem por decreto e não é registrado em cartório. É preciso construir espaços reais para que os sucessores provem competência, estabeleçam sua liderança e conquistem confiança. Experenciar e vivenciar é o que solidifica o processo.

   3. Compreender que papéis mudam, mas são as relações que sustentam.
   Transitar da geração do comando para a geração de suporte é um desafio emocional para os fundadores. Trabalhar isso é essencial.

   Autoconhecimento - o aspecto central
   Por tudo isso, o aspecto mais crítico da sucessão, e por onde todos deveriam começar, é o autoconhecimento e o conhecimento emocional de todos os envolvidos, sejam eles fundadores, sucessores, cônjuges, irmãos ou demais familiares envolvidos.

   Tem-se clareza de que quem não gerencia suas emoções adequadamente gera conflitos e quem não gerencia conflitos de modo fluído normalmente destrói valor familiar, emocional e, obviamente, financeiro.

   Se você lidera um processo de sucessão ou participará dele, comece pelo autoconhecimen-  to. Antes do protocolo, da holding ou do acordo de acionistas, invista em preparar as pessoas, conhecendo seu perfil, gaps e ativos comportamentais, dentre outros.

   Porque no final das contas, o futuro do negócio depende menos de planilhas e mais de relações maduras e saudáveis.

   Até a próxima.
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