Quem é o tegumento da semente, sua importância e como é formado?

Edição XXVII | 06 - Nov . 2023
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
   Por que escrever sobre um fator que parece não ter tanta significância? Será? 

   Em livros de anatomia de sementes, embriologia, fisiologia de sementes, assim como estudos científicos, é possível encontrar riquíssimas informações a respeito da capa externa da semente. Este texto contou com revisão de literatura de diversos autores, citando alguns como Taiz e Zeiger, Júlio Marcos Filho, Katherine Esau, Bewley e Black, Silmar Teichert Peske, Liliana Mertz Henning, Sheila Bigolin Teixeira, Geri Eduardo Meneghello, entre tantos outros que estudaram e trazem a luz da realidade o entendimento do assunto.

   A primeira pergunta para a qual devemos buscar resposta é qual a origem do tegumento da semente? O tegumento é proveniente dos integumentos do óvulo. O integumento externo ou secundina origina a testa, enquanto o integumento interno ou primina dá origem ao tégmem. 
Algumas vezes, o integumento interno em muitas espécies de Fabaceaes tende a desaparecer. Esse desaparecimento ocorre porque no desenvolvimento das sementes de leguminosa o revestimento da semente e o endosperma desenvolvem-se primeiro, seguido pelo desenvolvimento do embrião, maturação do embrião e do tegumento da semente. Nesse processo, o tegumento atua no metabolismo de transferência de nutrientes da planta mãe para o embrião, e, mais tarde, os tecidos do tegumento de soja fornecem suporte e nutrição para o embrião em desenvolvimento.

   O tegumento da semente de soja foi caracterizado através de microscópio eletrônico e, num corte transversal ao tegumento da superfície abaxial dos cotilédones, quatro camadas puderam ser distinguidas a partir da superfície: cutícula, epiderme da testa, hipoderme da testa e células parenquimatosas. Considerando as quatro camadas da testa, sua espessura pode variar de 70 a 100 micrômetros e tem variação entre as cultivares. Porém, essa característica física é constante dentro de cada cultivar e é controlada geneticamente.

   Conforme o revestimento da semente amadurece, as camadas de células do endosperma, adjacentes ao embrião, degeneram e eventualmente aparecem como materiais de parede comprimida na semente madura. No entanto, a camada mais externa do endosperma permanece intacta e se diferencia como a camada de aleurona, a única porção do endosperma que fica bem visível. A camada de aleurona na soja e em algumas leguminosas é conhecida por seu papel na mobilização enzimática de reservas de semente, como carboidratos, durante a germinação.

   Existe o indicativo do tegumento da semente ser composto, sobretudo, de carboidratos insolúveis, hemicelulose, pectinas e de polímeros fenilpropanóides, a lignina. Ainda está presente no tegumento da semente o tecido de sustentação dos vegetais, o esclerênquima. O acúmulo desse e as paredes celulares contendo lignina e celulose atribuem ao tegumento uma resistência mecânica.

   Objetivamente, o tegumento nada mais é do que uma barreira física existente entre o embrião, bastante frágil, e o meio externo, cuja função é manter unidas as partes internas da semente, proteger o embrião de impactos, de ataques de insetos-praga e patógenos, assim como controlar a velocidade de absorção de água pela semente. Se mantendo íntegro, garante baixo grau de deterioração e contaminação quando comparado com tegumento de semente danificado. O tegumento atua, nas modulações de trocas gasosas entre a parte interna e externa da semente e, pelo controle de hidratação na germinação, interfere nos mecanismos de controle metabólico do desenvolvimento e dormência.

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   Um tegumento intacto é capaz de regular a velocidade de absorção de água pela semente, protegendo o embrião de lesões que poderiam ser ocasionadas pela embebição rápida. No contato da semente com a umidade do substrato, no início, o tegumento retarda a penetração de água e, aos poucos, facilita o movimento da água até o embrião, permitindo que os cotilédones se hidratem de maneira uniforme, protegendo a semente de ruptura celular e perdas de substâncias intracelulares durante a embebição. 

   Há relatos de que a espessura do tegumento também exerce papel importante na regulação do processo de absorção de água pela semente, pois o tegumento mais espesso apresenta maior resistência ao movimento da água, devido às propriedades que a mesma apresenta, de coesão e tensão, e uma maior distância a ser percorrida pela água, antes dela atingir o embrião. 

   O tegumento é formado pelo genótipo materno; entretanto, o ambiente de produção pode propiciar alterações não genéticas, como espessura e composição, que não persistem além de uma geração. Nos últimos tempos, na produção de sementes de soja, existe uma preocupação com a elevada incidência de rasgos no tegumento. Sementes imaturas e/ou com danos no tegumento possuem maior permeabilidade a água, assim como menor potencial de vigor e viabilidade.

   Fatores causais externos, como oscilações de temperatura, umidade relativa do ar, chuvas e orvalhos, podem causar flutuações no conteúdo de água das sementes, que podem produzir tensões mecânicas dentro do núcleo. Em alguns estudos, tais fatores têm sido correlacionados ao surgimento do rasgo, algo que afeta as camadas mais externas do tegumento, diminuindo de forma drástica a sua espessura.

   Alguns pesquisadores não consideraram o rasgo como um surgimento da umidade, mas sim um agregado dela, variando de acordo com as condições ambientais e com o histórico genético da cultivar. O rasgo também foi definido como um defeito fisiológico da semente, sendo uma das formas de dano que acomete o tegumento, apresentando-se como uma ruptura/rachadura do revestimento dorsal, provocada pela rápida turgidez das células da semente em função do excesso de água, portanto, correlacionando-se à umidade, mas não surgindo necessariamente dela. 

   No passado, foram reconhecidos dois tipos de rachaduras no tegumento com base genética, tipo I e tipo II, nos quais, basicamente, o primeiro era controlado por dois genes recessivos, de1 e de2, e o segundo considerado como de controle por genes complementares, de3 e de4. No entanto, nos últimos tempos, outros dois tipos de fissuras do revestimento foram apontados, embora não relacionados ao âmbito genético: o tipo I, com fissuras irregulares e sem ramificações, e o tipo II, com fissuras ramificadas, ambos resultantes da separação dos tecidos epidérmicos e hipodérmicos do tegumento para expor o tecido parenquimatoso subjacente.

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   Recentemente, no Brasil, foram elucidadas várias situações e suscitadas outras para a continuidade de estudos. Nos ensaios, o rasgo no tegumento mostrou-se como uma consequência fenotípica em cultivares predispostas geneticamente. Parece ser favorecido em ambiente de alta disponibilidade de água, elevados teores de fósforo e magnésio e reduzido teor de cálcio no solo durante a formação da semente, associados com altas temperaturas. De maneira geral, o rasgo localiza-se próximo ao hilo, onde as células ampulhetas são mais alongadas e, por consequência, o tegumento é mais espesso. 

   A ruptura no tegumento inicia-se pelo rompimento entre as células paliçádicas e, de forma provável, em pontos mais frágeis, pela presença de poros, e, conforme a semente vai se expandindo em tamanho, a abertura vai crescendo, provocando um descolamento entre as células ampulheta e as células parenquimatosas. Em lavouras comerciais, foi detectado em estádio fenológico R5.4, fato esse que demonstra sua ocorrência indiferente ao tamanho e peso, embora surja com maior abundância em sementes maiores e de peso de massa maior, somados às condições ambientais favoráveis ao seu acontecimento.  

    Foi verificado ainda que o rasgo no tegumento interfere no potencial fisiológico da semente. Ele contribui para aumentar a deterioração, devido a entrada facilitada de água na semente, sobretudo nos estádios fenológicos finais de produção. Sementes com rasgo no tegumento tendem a lixiviar mais exsudatos, tornando-as mais vulneráveis e atrativas ao ataque de microrganismos fitopatogênicos e/ou saprófitos.  

   Resumindo, o tegumento é agente de preservação dos órgãos internos da semente na interação com o ambiente. Suas características, estruturas e integridade têm sido associadas com o potencial fisiológico da semente. Alguns aspectos relacionados ao rasgo no tegumento da semente de soja, aos poucos, vão sendo desvendados e auxiliam na colaboração com o setor de sementes para mitigar seus efeitos. 
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