As vistorias de campos de multiplicação de sementes

Edição XXVII | 06 - Nov . 2023
Jean Carlo Possenti-jpossenti@utfpr.edu.br
   Os dicionários da Língua Portuguesa tratam os termos “vistoria” e “inspeção” como sinônimos. Dependendo do uso pretendido, o termo inspeção possa estar mais ligado à auditoria, controle e fiscalização por exemplo. De forma corriqueira, na produção de sementes, costumamos nos referir às “inspeções de campo”, com o mesmo uso e significado do termo vistoria trazido pela Portaria MAPA 538, de 20/12/2022. 

   No inciso IV do Art. 31, que trata das obrigações do responsável técnico, consta a redação “executar as vistorias obrigatórias estabelecidas para o campo de produção de sementes, lavrando os respectivos laudos nos prazos estabelecidos em normas específicas, quando for o caso”. Ainda neste mesmo artigo, o inciso VII chama a atenção para a responsabilidade de emitir e assinar o laudo de vistoria. 

   O Artigo 34 diz que a vistoria é o processo de supervisão e acompanhamento da produção das sementes, bem como das demais etapas relativas a este processo. 
Desta maneira, podemos entender que esta importante atividade (independente de chamarmos de inspeção ou vistoria de campo) é fator preponderante na produção de sementes e que a diferencia da produção de grãos, por exemplo.  

   Para a maioria das espécies, pelo menos duas vistorias devidamente acompanhadas de lavratura de laudo devem ser realizadas, uma na floração e outra na pré-colheita. 

   As vistorias de campo devem ser conduzidas de acordo com os critérios técnicos descritos tanto na Portaria 538, bem como nas instruções normativas relativas às espécies que estão sendo multiplicadas. Para tanto, um campo de sementes pode ser dividido em glebas para efeito de vistorias, de acordo com tamanho máximos estipulados de acordo com a espécie, classe e categoria da semente que está sendo reproduzida. 

   O “Guia de Inspeção de Campos para a Produção de Sementes”, publicado sob ISBN 978-85-7991-044-9, elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e disponível para download gratuito, é um excelente documento orientador. Neste guia, além da descrição acerca da importância desta atividade, está muito bem descrita e ilustrada toda a metodologia de condução das inspeções ou vistorias. 

   O tema da abordagem neste ensaio foi bem debatido e mereceu destaque durante o Fórum Técnico 2023 da Comissão de Sementes e Mudas do Paraná (CSM-PR), realizado nos dias 12 a 14 de setembro últimos, em Foz do Iguaçu. 

   O arcabouço regulatório da produção de sementes prevê dois tipos de controle de qualidade. O controle interno é realizado sob responsabilidade do produtor de sementes; já o controle externo, feito pelo MAPA, por entidade certificadora ou, ainda, por certificador de produção própria. Além disto, ao serem comercializadas, as sementes também estão sujeitas à fiscalização. 

   Entende-se, assim, que as vistorias de campo permitem, então, detectar de forma precoce e no momento adequado muitas não conformidades que os lotes produzidos podem apresentar.  

   Do ponto de vista de misturas varietais, o campo de multiplicação é o local ideal de sanar este problema. Podem ocorrer desde cruzamentos naturais nas classes superiores, bem como misturas físicas durante as operações de semeadura, colheita, transporte ou beneficiamento, que se propagam nas gerações seguintes.  

   Ainda, não se pode descartar a própria degeneração genética natural também ao longo das gerações. Não menos importante e que da mesma maneira merecedor de devida atenção, é o isolamento do campo de multiplicação. Para a espécie, caso seja autógama ou alógama, o isolamento tanto espacial como temporal ou físico dos campos, é extremamente importante. 

   O responsável técnico não pode esquecer que o melhoramento vegetal fixa uma frequência gênica artificial por meio dos cruzamentos, hibridações e seleções. E, justamente, a função principal de um programa de sementes é manter esta frequência gênica, conseguida por meio do controle de gerações e vistorias de campo, dentro dos limites permitidos, a fim da identidade genética do lote produzido. 

   Comentou-se isto para podermos discutir uma prática muito importante na multiplicação de sementes, que é a depuração do campo ou o rouguing. Esta prática faz toda a diferença na retirada dos contaminantes de um campo, independentemente de seu tipo, considerado como plantas atípicas, as quais podem ser de outras cultivares de outras plantas cultivadas ou até mesmo de espécies nocivas, toleradas, proibidas ou espécie invasora silvestre. Na produção de sementes de milho híbrido, o rouguing também serve para retirar flores masculinas das linhas de fêmeas após o despendoamento.  

   Quando, porventura, tal procedimento, que é básico, não é realizado de forma correta, o restante do processo produtivo das sementes está comprometido, não restando muito o que se fazer durante o beneficiamento para melhorar a qualidade dos lotes obtidos. 

   De forma frequente, colegas que atuam na linha de frente como responsáveis técnicos enumeram dificuldades para o fiel cumprimento do que preconiza a legislação no tocante à realização correta das vistorias. Elevado número de glebas e campos, seus tamanhos, tempo consumido para a atividade, curtas janelas de tempo para sua realização são alguns apontamentos os quais concorrem para estas dificuldades. Precisa-se reconhecer fundamento nos pleitos dos colegas, da mesma forma que se entende ser uma atividade necessariamente realizada ainda, de acordo com a legislação, pelo responsável técnico. 
 
   Por mais que existam disponíveis tecnologias de inteligência artificial, embarcadas em equipamentos específicos, como drones, por exemplo, e atualmente já usadas como excelentes ferramentas no melhoramento vegetal, seu uso para vistorias de campo de multiplicação de sementes ainda não é previsto na legislação. 
Entretanto, como sabiamente dito por um colega atuante no setor regulador, a legislação sementeira não está escrita em pedra. Ambos os setores, regulador e regulado, mantêm permanentes vias de comunicação visando a melhoria da qualidade das sementes produzidas no país.  
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