Hierarquia, competência e medo

Edição XXVII | 06 - Nov . 2023
   Ser promovido continua e rapidamente é o desejo da maioria dos profissionais, e manter-se no topo é a expectativa da maioria dos que habitam esse lugar no ambiente corporativo. Por isso, hierarquia e competência sempre foram dois assuntos complexos na gestão das organizações.

   De um lado, encontram-se a mobilidade hierárquica, as promoções e o nível de competência que os profissionais possuem; de outro, a postura dos gestores e diretores em relação a seus pares ou subordinados imediatos e a ameaça de perder seu status quo.

   A incompetência hierárquica
   A competitividade é boa tanto para as empresas como para a sociedade. Mas existe um fenômeno intrigante, conhecido como a "Teoria da Incompetência" ou "Princípio da Incompetência de Peter", que nos faz pensar em como ocorre o processo de promoções nas organizações e nas enrascadas em que, eventualmente, podemos nos meter.

   A teoria tem origem no livro “O Princípio de Peter”, de 1969, escrito por Laurence J. Peter junto com o dramaturgo Raymond Hull, cujo objetivo é satirizar, mas nos faz refletir sobre um aspecto interessante. De modo resumido, a lei sugere que "em uma hierarquia, todo funcionário tende a subir até o seu nível de incompetência".

   Ou seja, todos nós somos promovidos além do nosso nível de competência, resultando em casos em que os profissionais, embora tenham sido excepcionais em suas funções anteriores, agora lutam para desempenhar adequadamente suas novas funções, sem ter todas as competências. Por consequência, assim que o profissional atingir plena competência para esse nível, ele provavelmente será promovido novamente para um novo nível onde lhe faltam competências, ao invés de produzir o máximo onde ele é totalmente competente.

   Fica evidente o fundo de verdade no qual muitas promoções ocorrem com base no desempenho atual dos profissionais, mas também que, notadamente, esse profissional subirá para um cargo onde suas habilidades não se traduzem em eficácia ou para o qual simplesmente lhe faltam habilidades para essa nova função.

  Dito de outro modo, esse eventual fracasso pode ser resultado de demandas diferentes e novas responsabilidades nas funções superiores, além da própria falta de experiência, é claro. Uma das principais razões para que a Teoria da Incompetência ocorra é supormos que habilidades técnicas excepcionais em uma função se traduzirão automaticamente em habilidades de gestão igualmente fortes.

   Por exemplo, um desenvolvedor de software excepcional pode ser promovido a gerente de equipe de desenvolvimento, onde se espera que ele não apenas lide com tarefas técnicas, mas também gerencie pessoas e recursos. Mas gestão envolve uma lista ampla de habilidades, como comunicação, tomada de decisão e liderança, que talvez ele não tenha.

   O que fazer?
   Eis que surgem alguns pontos fundamentais. O primeiro é levar em consideração as novas responsabilidades e respectivas habilidades requeridas para esse novo ambiente. De outro lado, é importante focar em treinamento adequado para a nova função antecipadamente, reduzindo ou mitigando rapidamente a eventual incompetência.

   Ao avaliar as lacunas de competências, a organização pode criar um plano personalizado para cada indivíduo, visando fortalecer suas habilidades existentes e adquirir as novas competências exigidas, por meio de acompanhamento minucioso ou mentorias, por exemplo.

   Além disso, deve-se adotar abordagens mais cautelosas em relação às promoções, tornando-se essencial que a avaliação de um profissional não se baseie apenas em suas habilidades técnicas, mas também em sua adaptabilidade, capacidade de aprender e no potencial para desenvolver as habilidades necessárias para funções superiores, principalmente as de liderança.

  O topo da pirâmide é solitário
  Sabemos também que, no mundo corporativo, os diretores e executivos frequentemente ocupam posições solitárias. Essa solidão é resultado de vários fatores. Em primeiro lugar, a natureza das responsabilidades de um diretor ou executivo muitas vezes os coloca nessa posição de isolamento.

   A sua responsabilidade por decisões cruciais, cujas repercussões podem afetar não apenas a empresa, mas também a vida de inúmeras pessoas que dependem dela, exerce pressão constante e cria uma sensação de solidão, já que poucos têm a perspectiva e até a compreensão para compartilhar o fardo que carregam.

   Além disso, a pressão para entregar resultados é diária, e muitos diretores têm medo de perder suas posições se não conseguirem atingir as metas estabelecidas. Essa preocupação com a estabilidade de suas posições é até compreensível dada a competição e as expectativas crescentes dos empresários, dos acionistas e do próprio mercado.

   O medo da competência alheia
   No entanto, esse medo, explícito ou subliminar, muitas vezes leva os diretores a adotar uma abordagem muito conservadora na formação de suas equipes. O paradoxo é que, para alcançar o sucesso sustentável, esses mesmos líderes precisam de equipes competentes e diversificadas e não “mais do mesmo”.

   É senso comum que, para obter sucesso, é fundamental rodear-se de profissionais talentosos e experientes, muitas vezes melhores que os próprios líderes, que possam contribuir com suas habilidades e conhecimento. No entanto, o medo de serem superados ou ameaçados por subordinados talentosos muitas vezes leva a contratação de profissionais menos qualificados.

   Essa mentalidade no longo prazo é uma catástrofe. Em vez de promover um ambiente de aprendizado contínuo e colaboração, a busca por segurança leva à estagnação. Os líderes perdem a oportunidade de aprender com profissionais excepcionais, e a empresa fica limitada pela falta de inovação e progresso.

   A abordagem ideal seria a inversa. Os diretores e executivos deveriam estar dispostos a contratar os melhores profissionais que pudessem encontrar, independentemente de qualquer ameaça percebida à sua própria posição. Ao fazer isso, eles poderiam criar uma equipe diversificada e altamente competente, inovadora, capaz de enfrentar desafios de forma eficaz e gerar resultados excepcionais.

   Dito de outro modo, a solidão dos diretores e executivos das empresas é um problema real e muitas vezes revela o próprio perfil do gestor: temeroso, leniente e inseguro, com dificuldade para lidar com o contraditório e a mudança. 
Até a próxima.

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