A importância da observância das regras de coleta de amostra em processos administrativos

Edição XXVII | 06 - Nov . 2023
Felipe Di Benedetto Jr.-felipe@dibenedetto.com.br
   No universo das atividades fiscais, a observância rigorosa das normas e regulamentos é uma pedra angular para a validade dos atos administrativos. Quando se trata da fiscalização de sementes, a coleta de amostras desempenha um papel crucial na garantia da conformidade e na imposição de infrações quando necessário. No entanto, há casos em que essa etapa fundamental é negligenciada, colocando em risco a legalidade do processo. Neste artigo, analisaremos a inobservância das regras de coleta de amostras no contexto da Portaria MAPA nº. 538/2022 e seus impactos nos procedimentos administrativos e na defesa dos autuados.

   A Etapa Inicial: Termo de Fiscalização
   Antes de emitir um Auto de Infração, os auditores fiscais têm a obrigação de registrar as situações identificadas em um Termo de Fiscalização. Esse documento serve como base para a lavratura do Auto de Infração e descreve as condições observadas durante a fiscalização, as recomendações feitas e os prazos para cumprimento das exigências. Em outras palavras, o Termo de Fiscalização é o alicerce sobre o qual se constrói o processo administrativo.

   A Relação Entre Termo de Fiscalização e Auto de Infração
   Os procedimentos administrativos estão interligados, e o Auto de Infração reflete as irregularidades detalhadas no Termo de Fiscalização. Qualquer falha ou desvio no cumprimento das normas que regem essa etapa inicial pode comprometer a validade do ato administrativo final. Hely Lopes Meirelles, renomado jurista brasileiro, destaca que o descumprimento de normas ou a negligência em atos preparatórios essenciais pode levar à nulidade do ato final. Portanto, o procedimento administrativo deve ser conduzido de acordo com as diretrizes estabelecidas na legislação pertinente.

   A Importância da Coleta de Amostras Adequada
   No contexto da fiscalização de sementes, a coleta de amostras desempenha um papel fundamental na verificação da conformidade com as normas estabelecidas. O Anexo VI da Portaria MAPA nº. 538/2022 estabelece diretrizes claras para a coleta de amostras, incluindo requisitos e metodologia. Essas diretrizes são projetadas para garantir a representatividade das amostras e a precisão das análises subsequentes. Lamentavelmente, em alguns casos, essas diretrizes não são estritamente seguidas pelos fiscais agropecuários durante a fiscalização, como demonstrado por casos de infração. Um dos principais problemas é a falta de descrição adequada dos equipamentos e procedimentos utilizados na coleta de amostras, o que viola os direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório da parte autuada.

   Desprezo pelas Regras Estabelecidas
   É preocupante notar que os auditores fiscais, ao descreverem de forma superficial e genérica o procedimento de fiscalização e coleta de amostras no Termo de Fiscalização, negligenciaram a importância de documentar adequadamente cada etapa. No entanto, a falha mais grave reside no fato de que, no Termo de Coleta de Amostra, não foi indicada a quantidade de embalagens ou recipientes amostrados, tampouco quantos sacos foram coletados na parte superior, média e inferior, contrariando explicitamente as normas legais estabelecidas.

   Normas e Diretrizes Ignoradas
   O Anexo VI da Portaria MAPA nº. 538/2022 fornece orientações precisas para a coleta de amostras, com o objetivo de garantir a representatividade adequada dos lotes de sementes fiscalizados. O item 11 desse anexo estabelece claramente que o número de amostras simples a serem coletadas deve ser proporcional ao número de recipientes nos lotes de sementes, visando uma amostragem representativa e precisa. Adicionalmente, o item 13 da Portaria determina que as amostras devem ser retiradas aleatoriamente dos recipientes e, especificamente, das partes superior, média e inferior dos mesmos. No entanto, a fiscalização muita das vezes não seguem essas diretrizes cruciais, e tais informações não são registradas nos documentos pertinentes.

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   É fundamental compreender que a observância estrita dessas normas não é apenas uma formalidade burocrática. Pelo contrário, essas regras têm um propósito claro: garantir que a amostragem seja representativa e que os direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório sejam preservados para os autuados. A ausência de informações cruciais nos Termos de Fiscalização e Coleta de Amostra prejudica não apenas a segurança jurídica dos autuados, mas também dificulta sua capacidade de se defender adequadamente. Sem uma amostragem precisa e completa, o processo administrativo perde sua base sólida, tornando-se suscetível a contestações legítimas por parte dos autuados.

  A Responsabilidade do Estado
   É importante ressaltar que a responsabilidade pela observância das normas e pela garantia da legalidade recai sobre o Estado e seus agentes. A falta de um campo específico nos formulários não isenta a obrigação de seguir as normas estabelecidas. Em vez disso, cabe ao Estado fornecer os meios necessários para que essas informações sejam registradas de forma apropriada. A presença de um representante do autuado durante a coleta de amostras não invalida as falhas na observância das normas. O princípio da inafastabilidade de jurisdição, inscrito no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, garante que qualquer violação das normas possa ser questionada perante o Poder Judiciário.

   Conclusão
   Em suma, a coleta de amostras inadequada é um problema sério que afeta a validade de processos administrativos, compromete a representatividade dos resultados e prejudica os direitos dos autuados. A fiscalização agropecuária deve seguir estritamente as normas estabelecidas, documentando de forma completa e precisa cada etapa do processo. A observância das regras estabelecidas no Anexo VI da Portaria MAPA nº. 538/2022 é fundamental para garantir a legalidade e a justiça nos procedimentos de fiscalização. Qualquer desvio dessas normas representa um risco à qualidade da amostragem e, por extensão, à integridade do processo administrativo. 

   Em conformidade com os princípios fundamentais do direito administrativo, é essencial que o Estado cumpra suas obrigações de forma rigorosa e justa, garantindo que os procedimentos de fiscalização sejam conduzidos de acordo com as normas estabelecidas. Somente assim podemos garantir a eficácia e a confiabilidade desses processos, protegendo os direitos dos autuados e promovendo a justiça administrativa. 
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