Propriedade intelectual, direito do obtentor, patente e marca comercial

Edição XXVII | 05 - Set . 2023
Jean Carlo Possenti-jpossenti@utfpr.edu.br
   O título deste ensaio derivou-se a partir de uma brilhante conferência ministrada pelo professor Miguel Rapela, da Universidade Austral de Buenos Aires, realizada recentemente durante o 5º Congresso Paraguaio de Sementes.

   A preocupação com a captura de valores produzidos a partir do uso de sementes de cultivares melhoradas tem sido constante e não fica restrita somente ao ambiente doméstico. Fora do Brasil, no continente europeu, na América do Norte ou mesmo dentre nossos vizinhos latinos, discutem-se e buscam-se alternativas legais para salvaguarda de direitos quando se trata de melhoramento de plantas e da inovação tecnológica.

   É indiscutível a elevada contribuição do melhoramento de plantas para a humanidade e a produção de alimentos no mundo. Devemos muito à Mendel, pelos seus estudos envolvendo a transmissão de caracteres de herdabilidade, quando descreveu a herança particulada, bem como a todo trabalho, mesmo que inconsciente, de nossos antepassados ao guardarem sementes das melhores plantas para o cultivo seguinte. 

   Ao mesmo tempo em que setores da sociedade de muitos países defendem modalidades “open source” para diversos ramos da criação humana, defesas estas basicamente em linha ideológica com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), o contraponto se faz justamente na inovação tecnológica. 

   Vimos recentemente, quando o mundo atravessou a pandemia de Covid-19, que as gigantes empresas do ramo farmacêutico, denominadas de “Big Pharmas”, empreenderam colossal corrida tecnológica para colocar à disposição da população imunizantes que pudessem fazer frente a contaminação que se alastrava. 

   Mas colocar “à disposição” da população um ou vários imunizantes envolveu custos, ao quais talvez nunca saibamos os reais valores. No mesmo sentido da afirmação, pode-se também correlacionar com os lucros obtidos por tais empresas, na venda dos produtos de sua inovação tecnológica aos mais diferentes países, para proteção da sua população. 
Desta maneira, ao se fazer a defesa ou se pretender o livre uso da criação ou inovação tecnológica, sem o devido retorno ou pagamento por isto, encontra-se uma linha de separação. Talvez esta linha não seja tênue e seja preciso o entendimento e reconhecimento do direito de propriedade intelectual. 

   No Brasil, como formas legais de produção de sementes, entende-se na relação entre multiplicadores e obtentores vegetais a verticalização, o licenciamento de cultivares e ainda a terceirização, que seria uma prestação de serviços.

   Este trabalho, ao mesmo tempo em que permite uma enorme capilaridade dos materiais genéticos produzidos pelo melhoramento vegetal, faz com que os agricultores tenham acesso às inovações de uma forma muito rápida. Fato que não existia antes da promulgação da Lei de Proteção de Cultivares.  E, quando falamos em cultivar, falamos em genética.

   Porém, atualmente, no meio produtivo agrícola, ainda se encontram algumas dificuldades de entendimento por parte de consumidores de sementes de cultivares melhoradas, que sobre muitas delas existe pela nossa legislação atual uma coexistência de direitos. 

   A primeira seria, no caso de variedades protegidas, o direito do obtentor de ser remunerado pelo uso comercial da sua criação. No caso do Brasil, pelo fato do país ter aderido à Ata de 1978 da União para a Proteção de Obtenções Vegetais (UPOV), o obtentor tem o direito do recebimento de valores denominados royalties sobre o germoplasma, estabelecido por negociação com os multiplicadores de sementes no sistema de licenciamento. Estes valores estão inclusos no preço pago pela semente no momento da sua venda. 

   Contudo, existe a possibilidade legal de o agricultor salvar suas sementes e fazer uso para semeadura em suas lavouras deste material, sem a necessidade do pagamento de tais valores ao obtentor. Isto está descrito na Lei 10.711 de 2003 (Lei de Sementes), explicitado no seu decreto regulamentador (Decreto 10.586 de 2020) e com claros procedimentos e responsabilidades trazidos pela recente Portaria MAPA 538, de 2022. Tais responsabilidades impõem limites nos direitos aos usuários das sementes. É de fato uma legislação positivada.

   O segundo direito de propriedade passa a existir quando uma cultivar protegida conta com evento biotecnológico cuja tecnologia foi patenteada pelo seu criador. Este direito, o qual chama-se “taxa tecnológica”, é assegurado pela Lei de Patentes, que é territorial e temporal. 

   Desta maneira, mesmo que o usuário de sementes de uma cultivar protegida, que contenha uma ou mais tecnologias embarcadas, faça a multiplicação própria, pelo prisma legal, deverá recolher ou pagar ao detentor da tecnologia o valor estipulado para tal no momento da comercialização da sua colheita.

   Sem entrarmos no mérito se os valores cobrados pelos criadores das tecnologias são adequados, é fácil de entender que tanto obtentores como empresas de biotecnologias queiram capturar valores oriundos das suas criações. Entretanto, pelo fato de vivermos em um país de livre mercado, onde o consumidor (neste caso, o agricultor), dita a demanda do volume das vendas, elevados valores cobrados por estes direitos, sobre os quais os preços de vendas das commodities não suportam ou pressionem seus custos de produção, de fato, poderão reduzir o seu uso. 

   A redução pode ser pela troca da cultivar ou pela tentativa de redução do custo de produção, usando sementes salvas. Isto precisa ser levado em consideração tanto por parte de obtentores, bem como por proprietários das tecnologias.

   Atualmente, temos no Brasil uma elevada pressão sobre os preços das commodities agrícolas. A queda dos preços de vendas, sentida no bolso do agricultor, pode ser derivada por diversos fatores relacionados a um cenário de incertezas. 

   Para que todos os elos da cadeia continuem firmes, sem rompimento, neste momento em que se aproxima o plantio da nova safra, torna-se necessária uma readequação e enquadramento em muitos valores que compõem os custos de produção. 

   Sementeiros e agricultores, em sua maioria esmagadora, são ávidos consumidores de novas tecnologias e dispostos a continuarem investindo na sua aquisição. A palavra-chave passa a ser negociação e bom senso.

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