Embrapa: 50 anos de uma referência brasileira

Edição XXVII | 05 - Set . 2023
Thiago Bergmann Araújo-redacao@seednews.inf.br
   O ano era 1973. Como parte de uma série de apostas do governo brasileiro para transformar a agricultura do país, era instalada, no dia 26 de abril, uma organização voltada à investigação científica na área. A intenção era, por meio da ciência e da inovação, encontrar soluções para alguns dos diversos problemas agrícolas brasileiros. Nascia, nessa ocasião, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, entidade que completou, em 2023, seus 50 anos, em uma trajetória de protagonismo no setor agrícola nacional.

   O objetivo era claro: aumentar a produtividade das áreas cultiváveis, incentivar uma ocupação racional dos Cerrados e, aliado a esses fins, promover de forma geral a modernização tecnológica da agropecuária brasileira, que ainda mantinha os rastros dos ciclos de exploração econômica realizada no país durante as décadas e até séculos anteriores.

   Constituída aproveitando a estrutura física do anterior Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação Agropecuária (Denpea), que tinha nove institutos e 70 estações de investigação espalhadas pelo país, além de dois centros nacionais, a empresa pode utilizar seus recursos para um investimento massivo em recursos humanos: já no seu segundo ano de atuação, a Embrapa possuía 317 pesquisadores em cursos de pós-graduação, sendo 273 em nível de mestrado e 44 em doutorado, 39 deles no exterior.

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   Dentre as diversas bases sobre as quais foi constituía a nascente Embrapa, estava um grande estudo diagnóstico da atividade agrária brasileira, chamado o “Livro Preto”. Dali se lançaram as primeiras ações desenvolvidas pela nascente organização.

   Essas pesquisas eram movidas por uma pergunta: como aproveitar as características de clima e solo do Brasil para uma melhor agropecuária?

   Para chegar a esse resultado, a Embrapa foi organizada em um modelo concentrado de pesquisa, formando centros de produtos estabelecidos em todas as regiões e estruturando-os por temas importantes e voltados para a solução de problemas concretos, incluindo aqueles relacionados aos alimentos básicos.

   Já na década seguinte, a aposta nas soluções vindas pela ciência começava a dar sinais de que estava acertada: por meio de esforços conjuntos entre a pesquisa agropecuária, a assistência aos agricultores e a extensão rural, conhecimentos passaram a ser compartilhados com o setor produtivo, ocasionando o crescimento da produção de produtos agrícolas no Brasil, ao passo em que os custos de produção caíam. A oferta de leite e laticínios, ovos, hortaliças e frutas ao consumidor chega a patamares nunca vistos pelos brasileiros.

   E a produção não ficava restrita ao mercado interno: já na década de 1980, o Brasil começa a inverter sua condição de importador de alimentos para se tornar o maior produtor de diversos itens, como etanol, cana-de-açúcar e laranja, passando abastecer o mercado internacional. Eram os primeiros passos para que o país se tornasse o protagonista que é na produção agrícola do mundo.

   A própria empresa assinala a estratégia na tropicalização das culturas como uma das grandes viradas de chave desse processo. Proporcionar que produtos adaptados a regiões com clima ameno pudessem ser cultivados em regiões mais quentes possibilitou uma expansão sem precedentes em culturas como a soja. Assim, a enormidade de extensão de terras cultiváveis brasileiras localizada em clima tropical passava a ter potencial de protagonizar um novo capítulo da agricultura do país, cujo desenrolar temos presenciado.

   Sementes de avanço nos campos do Brasil
   Mas como fazer com que a inovação pensada e testada nos centros de pesquisa chegasse aos mais espalhados recantos do Brasil? Um dos vetores usados para isso não poderia ter deixado de ser a semente.

   Aproveitaram-se, então, as bases lançadas por sistemas de sementes fiscalizadas e do Plano Nacional de Sementes, que apontavam a necessidade de melhorar o fluxo sementeiro para o agricultor, especialmente de itens que já trouxessem consigo genética nova.

   Isso conta à SEEDnews o pesquisador aposentado Rui Colvara Rosinha, tendo atuado em diversas estruturas da Embrapa, especialmente no Serviço de Produção de Sementes Básicas. “Era nossa interface com o setor produtivo”, lembra Rosinha. Segundo o pesquisador, o objetivo era facilitar esse processo de transferência de tecnologia entre as mudanças trazidas pela ciência produzida pela empresa e a iniciativa privada: “Não adianta fazer pesquisa se a produção não absorve esse progresso tecnológico”.

   De fato, os avanços obtidos nas últimas décadas foram e são pujantes, tanto em questão de área plantada quanto em produtividade. Quando se fala na soja, um dos carros-chefe do agronegócio brasileiro, a produção desta quase triplicou em 45 anos, conforme relata o vice presidente da Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (Abrates), José de Barros França Neto, há mais de 40 anos integrante da equipe de investigadores da Embrapa Soja.

   Esse coletivo de pesquisadores deu sua contribuição para que esse grão originário do vale do rio Amarelo, na China, ou seja, acostumado a um clima temperado, com temperaturas amenas no final do seu ciclo, pudesse encontrar no Cerrado brasileiro espaço para sua cultura. Duas frentes de trabalho foram fundamentais para que esse objetivo fosse atingido: o melhoramento vegetal e o desenvolvimento de tecnologias e técnicas para o seu plantio, colheita e beneficiamento.

   França Neto conta que as pesquisas foram além de possibilitar, por exemplo, a adaptação da soja para um fotoperíodo diferente daquele que a planta estava acostumada, especialmente em seu período juvenil: também foram realizadas pesquisas básicas relacionadas a todas as suas fases produtivas, de forma a desenvolver a tecnologia destinada a esse contexto tropical.

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   Experimentos, observação, muitas tentativas. Em parceria com outras instituições de pesquisa, como universidades, associações de produtores, organizações estaduais de investigação, buscou-se resposta para perguntas das mais fundamentais: “qual é a melhor época para a semeadura de campos para produção de sementes?”; “qual é o ponto mais adequado para realizar a colheita?”; “ela deve ser antecipada para maiores índices de germinação e vigor?”; “como podemos testar a qualidade da semente que iremos colher?”; “qual é a melhor sequência de utilização de maquinário no processo de beneficiamento?”.

   As respostas estão no campo. “Não fosse esse trabalho, a soja não seria a realidade que é hoje”, afirma o presidente da Abrates. E, para França Neto, há muita satisfação em olhar para trás e ver que se fez alguma diferença: “Tenho certeza de que nosso trabalho ajudou no aprimoramento da semente de soja produzida no Brasil”.

   Entretanto, não foi apenas às grandes culturas, como a soja e o milho, que o processo de tropicalização promovido pela Embrapa proporcionou um salto produtivo. Outro exemplo de avanço encontrado na história cinquentenária da empresa de pesquisa se encontra no âmbito das hortaliças, uma mudança que proporcionou impactos profundos na vida dos brasileiros, especialmente no que tange à segurança alimentar e ao valor nutricional da dieta da população.

   Chefe-geral da Embrapa Hortaliças, o pesquisador Warley Nascimento relata que, há cerca de 40 anos, quando a unidade foi fundada, a presença desse tipo de vegetais era pouco expressiva no Brasil, tanto no campo quanto nas gôndolas: “O brasileiro pouco consumia ou plantava hortaliças”.

   A meta, nesse caso, era não deixar que faltassem os produtos na mesa do consumidor, conta ele. Apenas no que se refere ao desenvolvimento final de cultivares, o chefe-geral relata que foram mais de 140 variedades e híbridos lançados pela Embrapa. Dentre os exemplos mais marcantes para Nascimento, está a Cenoura Brasília, material que regularizou a oferta do vegetal no mercado consumidor do país.

   No entanto, antes de chegar às feiras e gôndolas, é necessário produzir essas hortaliças. “Por trás disso tudo, temos a semente – e temos que produzir essa semente”, afirma o pesquisador da Embrapa. E, em que pese a cadeia específica de sementes para hortaliças ser composta por empresas de todos os portes, muitas pequenas organizações são beneficiadas por seu fortalecimento. “Apesar de sermos um mercado pequeno comparado às grandes culturas, temos um produto de grande valor agregado, cujos negócios chegam na casa de R$ 1,3 bilhão”, relata.

   Segundo o chefe-geral da Embrapa Hortaliças, uma considerável parte do que se fala de tecnologia de produção de sementes para a área existe pelo trabalho da empresa. “As poucas literaturas que há no Brasil sobre a produção de sementes e mudas de hortaliças são nossas”, pontua Nascimento.

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   “Essa participação na evolução do programa de sementes foi, certamente, um dos pilares para o que se fala hoje em agronegócio no Brasil”, afirma Rui Rosinha. Lembrando o avanço das fronteiras agrícolas do país, rumo à região central, o aposentado aponta este como um dos grandes acertos nesse processo, quando a tecnologia desenvolvida, aliada ao empreendedorismo do agricultor, permitiu esse salto ao setor agrícola nacional. Essa visão é compartilhada por França Neto: “A Embrapa tem muito a ver com esses números”. No entanto, ele destaca a participação de muitos outros atores para que isso acontecesse. “Isso nunca aconteceria individualmente”, diz.

   Apostando ainda mais no Brasil
   Esse breve relance nessa trajetória de 50 anos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária traz diversos exemplos de como a investigação científica direcionada à solução de problemas reais, seguida pela transferência de tecnologia e partilha do conhecimento, pode acarretar grandes benefícios para o contexto social em que se insere.

   Nessas cinco décadas de sua atuação, a Embrapa consolidou-se como um baluarte no setor agrícola brasileiro. “A Embrapa tem dado sua contribuição, muito grande, para a agricultura como um todo”, diz Rui Rosinha, lembrando o reconhecimento dado pelo setor produtivo às suas ações.

   Com uma impressionante estrutura física, espalhada por todas as regiões e biomas do país, na qual desenvolvem suas atividades mais de dois mil pesquisadores com doutorado, não poderia deixar de ser diferente: a Embrapa é referência nacional em ciência e tecnologia. Dessa forma, constitui-se como uma importante voz no cenário produtivo, ocupando espaços de destaque em câmaras como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.

   A organização também se constitui como guardiã do germoplasma de diversas espécies vegetais. Coletando sementes de variedades e cultivares do Brasil inteiro, a Embrapa cumpre sua pretensão de preservar essa herança para gerações futuras, para que estas tenham acesso a tais materiais quando for necessário. Além disso, serve de ponte com o banco mundial de germoplasma, para o qual envia, com regularidade, exemplares adaptados ao clima tropical.

   Apesar de encarar desafios como a dificuldade de financiamento da pesquisa, a Embrapa prossegue seguindo seu objetivo de permitir que o Brasil permaneça atendendo à demanda crescente de alimentos, fibras e energia. 

   A aposta feita há 50 anos permanece, e a tropicalização de culturas continua: de forma a garantir a segurança alimentar de mais pessoas, plantios tradicionalmente mais ligados a regiões mais amenas, como o trigo, o grão-de-bico e a ervilha, avançam nos estudos ligados a novas cultivares e sistemas de produção adaptados ao clima brasileiro, especialmente do Cerrado. Plantas alimentícias não convencionais (PANCs) fazem parte de parceria que pretende lançar no mercado suas sementes de forma comercial, fazendo com que estas cheguem às mesas de mais pessoas. 

   “Quando o Brasil poderia pensar em concorrer com os Estados Unidos em exportação de soja e milho?”, questiona Rui Rosinha, ao comentar a trajetória da empresa. “Todo o trabalho que a gente fez e faz me anima e me motiva a continuar”, conta Warley Nascimento. Sentimento que também é compartilhado por José de Barros França Neto: “Tenho a satisfação de olhar pra trás e ver que fizemos alguma diferença”.

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