Diversificação de culturas: usando a biodiversidade para produzir mais

Edição XXVI | 02 - Mar . 2022
Marcelo Benevenga Sarmento-marcelobs05@hotmail.com
    A diversificação de culturas compreende o uso de cultivos diferentes em sucessão, rotação ou consorciação, distribuídos no tempo e no espaço. Os policultivos são práticas de conservação e melhoria do solo conhecidas há milhares de anos. Há relatos que os chineses há 2 mil anos já utilizavam leguminosas para recuperar as terras esgotadas pelo cultivo. Já os romanos foram os primeiros em aprimorar e deixar registros importantes sobre o uso destas práticas.

    A sucessão consiste na cultura que irá suceder a anterior, seja na mesma estação ou seguinte. Por exemplo, milho no verão e ervilhaca ou nabo forrageiro no inverno seguinte, ou ainda soja e depois o milho safrinha no mesmo verão. A rotação é a troca de espécie na safra seguinte de mesma época do ano, ou seja, soja em um verão e arroz ou milho em outro. A consorciação, por sua vez, compreende o cultivo de duas ou mais espécies na mesma área. Consorciação azevém anual + trevo branco + cornichão. O Quadro 1 mostra exemplos da diversificação de culturas em algumas regiões brasileiras.

    Em hortaliças, é usual o cultivo de diferentes espécies consorciadas. Na agricultura familiar também é prática corriqueira o plantio de feijão consorciado com milho, batata, mandioca ou forrageiras. No vale do Rio Pardo, Rio Grande do Sul, os fumicultores diversificam suas atividades, possuindo, além do fumo, também milho, feijão, batata, hortaliças e forrageiras. A prática da diversificação de cultivos é frequente em distintos sistemas produtivos, estando presente tanto nas pequenas como nas médias e grandes propriedades.

    Há inúmeros benefícios ao sistema produtivo da utilização de espécies e cultivares com distintas características agronômicas e adaptativas. Seus princípios têm origem na agricultura biológica, mas os ganhos desta prática podem ser obtidos em qualquer sistema produtivo, desde que o manejo seja bem conduzido.

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    Quando pensamos em diversificar, a ideia inicial é aliar a melhoria no manejo do solo e de doenças ou pragas com a redução dos riscos climáticos e mercadológicos inerentes às atividades agrícolas. Mas os benefícios ao sistema produtivo vão bem além destes já citados. Os processos envolvidos na diversificação podem promover a melhoria nas características físicas, químicas e biológicas do solo em longo prazo; contribuir para a ciclagem de nutrientes; enriquecer o solo em matéria orgânica; reduzir a pressão seletiva sobre as pragas e doenças; diminuir a infestação com ervas indesejáveis; propiciar melhor aproveitamento dos nutrientes; aumentar a capacidade de retenção e de infiltração da água do solo; minimizar os riscos de perdas em caso de déficit hídrico e variações térmicas; e compensar eventuais quedas de preços de um produto com a renda obtida por outro. 

    A diversificação pode ser conduzida no próprio cultivo principal, na forma de cultivos, de cobertura do solo, com plantas forrageiras ou ainda com plantas para adubação verde. Há diversas opções de cultivos para cobertura de solo no sul do Brasil. Por definição, culturas de cobertura são cultivos semeados entre lavouras ou pastagens, mas não são prioritariamente colhidos nem incorporados ao solo ou pastejados. A função principal da cobertura é manejar a erosão do solo, evitar a sua compactação, incorporar matéria orgânica e reduzir as perdas de água e nutrientes.

    A escolha da cobertura vegetal deve ter como foco a produção de grande quantidade de biomassa vegetal. Além disso, deve-se dar preferência para plantas fixadoras de nitrogênio, com sistema radicular profundo ou abundante, promotoras de reciclagem de nutrientes, capazes de se nutrir com os fertilizantes residuais das culturas comerciais, que não sejam hospedeiras de pragas, doenças e que não tenham efeito alelopático sobre as culturas comerciais. 

    As espécies de gramíneas são as mais usadas nos cultivos para cobertura, como aveia preta, azevém anual, brachiaria, milheto, sorgo forrageiro e, em menor proporção, as leguminosas como ervilhaca, trevos, crotalaria, centrosema, leucena etc. Outras culturas utilizadas com eficiência são o nabo forrageiro e o girassol, ambas devido à boa produção de biomassa, capacidade de descompactação do solo e eficiência no manejo de pragas e doenças.

    O cultivo diversificado de plantas explora o solo de forma diferente, propiciando benefícios para todos os grupos de organismos vivos. Para que os ganhos com a diversificação sejam significativos e sustentáveis, o solo, independentemente do tipo ou do manejo realizado, deve permanecer com cobertura o ano todo, o que implica, necessariamente de um bom planejamento técnico do sistema produtivo para 10-12 meses. 

    Adicionalmente, a diversificação de espécies em uma propriedade rural pode ser obtida nas áreas de refúgio, nos cordões naturais para abrigar espécies da fauna e flora e inimigos naturais, corredores ecológicos entre áreas cultivadas e pelo manejo de plantas espontâneas ou “guachas”. A manutenção de áreas com vegetação nativa dentro das propriedades, com base no atual código florestal, também pode servir como forma de atenuar a pressão seletiva da agricultura sobre as pragas, doenças e ervas, manutenção de polinizadores e conservação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos da propriedade.

    Pesquisas científicas, bem como informações práticas obtidas com técnicos e produtores, têm demonstrado que o cultivo da soja na região Sul do RS, em grande parte, vem ocorrendo sem o uso da prática da rotação, apenas com a sucessão de pastagens de aveia ou azevém no período hibernal. Nas áreas de várzea, as limitações de solo e tecnológicas têm dificultado o uso da soja em rotação com arroz, o que, em longo prazo, certamente irá comprometer a qualidade do solo para a agricultura. 

    Conforme apresentado, as vantagens para os sistemas produtivos são relevantes, porém, a magnitude destes efeitos vai depender do quão bem manejada for esta diversificação, o que implica em planejamento técnico, uso de diferentes culturas em sucessão, rotação ou consorciação, adubação do sistema produtivo não somente para uma cultura e, por fim, a obtenção de uma boa palhada em sistema de plantio direto.  

   Com o aumento na disponibilidade de tecnologias, assistência técnica e a capacitação de técnicos e produtores, pode-se esperar que os benefícios destas técnicas sejam cada vez mais aprimorados e difundidos, pois só assim caminharemos rumo à melhoria dos processos produtivos dentro das propriedades rurais e a uma agricultura mais sustentável. 
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