Já teve época em que os profissionais que se dedicavam ao tema da sustentabilidade ambiental e ecológica, aos métodos alternativos de produção, aos sistemas orgânicos e de manejo das culturas comerciais eram denominados de ‘bicho-grilo’. Como pessoas que destoavam da realidade do momento, da visão produtivista e de uso intensivo de recursos naturais da época.

    Contudo, o tempo passou e os fatos sobre a questão ambiental se impuseram, inclusive e principalmente no agronegócio. Desse modo, tornou-se anacrônica a visão da natureza como única e inesgotável fornecedora de matéria-prima para os diferentes processos produtivos, tanto de produtos manufaturados como de produtos industrializados, não encontrando mais respaldo na atualidade.

    Sem ingenuidade
    O agronegócio brasileiro é reconhecido mundialmente por empregar técnicas e tecnologias poupadoras de recursos naturais, principalmente por aqueles profissionais que efetivamente acompanham a evolução do setor e não nutrem passionalidade ou interesse comercial unilateral.

    Mesmo assim, não sejamos ingênuos. A lógica reversa de produzir, pensando primeiro em suprir as necessidades do meio ambiente e ainda assim obter capacidade para manter o agronegócio competitivo não é algo que surgiu exclusivamente da benevolência e da consciência ambiental dos atores que atuam no setor, principalmente no processo produtivo.

    Em essência, são as questões climáticas e de aquecimento global, particularmente com a dificuldade de manejar os gases do efeito estufa, que estão no centro dessa mudança de perspectiva, de interesse e de estratégia do mundo atual. Em se tratando de sobrevivência da espécie, não creio que algum outro animal seja tão eficaz (e insensível também) quanto nós humanos, mesmo às custas de alguns exemplares, como atestam os indicadores de mortes por falta de comida no mundo.

    As motivações principais de irmos na direção da agricultura regenerativa são a percepção e as demandas mercadológicas, de espaço, de confiança e de consciência do consumidor, capitaneadas, por sua vez, por um conjunto gigantesco de grandes corporações atuantes nos mais diferentes elos das cadeias e que já perceberam essa mudança de rumo. Ninguém quer perder dinheiro e todos gostam de aproveitar oportunidades.

    O Senhor mercado
    Precisamos entender, antes de tudo, que, via de regra, o processo econômico é muito simples. Em qualquer aula de economia básica esse princípio é ensinado: os recursos escassos dos consumidores são alocados por eles nas direções que melhor lhes convier e exatamente esses recursos é que são disputados por todos aqueles players ofertantes de produtos e serviços. Acrescento que esses mesmos recursos são ainda disputados ao longo das cadeias de produção e assim, cada ator, busca ficar com a maior parte possível de cada desejo atendido do consumidor.

    Tornou-se um tema sensível e imprescindível na agenda de qualquer gestor que tenha alguma relação com o agronegócio, dado que já faz algum tempo que o mundo inteiro descobriu o agronegócio e ao mesmo tempo em que reconheceu a dependência dele para a própria existência como espécie. Por consequência, também passou a se interessar sistemicamente pelos impactos e, obviamente, pelas oportunidades que essa geração de produtos é capaz de acarretar ou possibilitar.

    Também é importante reconhecer que esse movimento ficou mais evidente agora, mas o agronegócio brasileiro é acompanhado com atenção redobrada há pelo menos duas décadas pelos grandes players que operam no setor, não apenas os dos processos industriais ou de comercialização, mas principalmente pelos agentes de investimento, como os fundos, que têm sistematicamente aportado recursos, direta ou indiretamente, na compra de operações, ou simplesmente investindo em projetos inovadores ao longo das cadeias de produção.

    Esse processo tem se acelerado e intensificado a ponto de diversos grandes grupos internacionais criarem fundos de investimento, das mais variadas nuances, canalizando sistematicamente recursos robustos (sempre na casa dos milhões ou até bilhões de reais), com foco nas startups do agronegócio, e não deixando dúvidas de que a inovação é a bola da vez no agronegócio.

    Sabe-se que o planeta terá em torno de 10 bilhões de habitantes por volta de 2050 e a produção de alimentos no Brasil terá papel decisivo nesse sentido, o que explica em boa medida essa corrida, dado que ninguém quer ficar fora do jogo. Porém, ninguém mais quer fazer isso a qualquer custo.

    Para onde o dinheiro flui
    É preciso entender que é o fluxo de recursos quem dita as áreas de crescimento e desenvolvimento dos setores e áreas. Logo, de nada resolve o setor produtivo torcer o nariz para essa nova visão do agronegócio. Pelo contrário, é necessário se adaptar, tornar-se atrativo e buscar aproveitar as diversas oportunidades que surgem no front.

    Vale destacar, contudo, que a agricultura regenerativa é muito mais do que apenas modos básicos de produção poupadoras de recursos naturais. Agora estamos falando da visão ampliada de rotação de culturas, de projetos integrados lavoura-pecuária-florestas, redução no uso e alteração de moléculas de químicos ou substitutos biológicos, controle biológico e integrado de pragas e doenças, uso da iOT (internet das coisas), a agricultura de precisão, dentre outras.

    Somam-se decisivamente as inovações disruptivas, com a criação de novos produtos, insumos ou processos capazes de efetivamente mexer com o reordenamento de como a produção ocorre. Isso a ponto de termos inovações capazes de melhorar em 98% o uso de determinados insumos ou de restabelecer a biodiversidade e intensificar a captura de carbono.

    É um tema irreversível como um todo e, por isso, assuntos como descarbonização, ESG, créditos de carbono, economia verde, economia circular, dentre muitos outros, já presentes ou que ainda surgirão, devem fazer parte diuturnamente do cardápio nas mesas de discussão sobre investimentos e estratégias de negócio no agro.

    Uma pesquisa recente realizada pela consultoria PwC entre 4.400 CEOs, em 89 países, incluindo o Brasil, em diversos setores, inclusive o agronegócio, não deixa dúvidas sobre essa tendência. Revela, por exemplo, que em nível mundial, 22% dos executivos estão comprometidos com a agenda de descarbonização, apenas para ficar nesse item. 
A boa notícia é que a média nacional registrou 27% e entre os do agronegócio brasileiro esse percentual chegou a incríveis 37%. E quando o assunto é neutralizar a emissão de carbono os índices são ainda maiores, tanto em nível mundial, no país, como no agronegócio.

    Felizmente, tenho acompanhado a mudança de mindset também no âmbito dos produtores cujas organizações há bem pouco tempo atuavam preferencialmente no processo de produção agropecuária ou industrialização primária e que isoladamente ou em cooperação têm ampliado essa visão, atuando ao longo das cadeias e investindo na criação de novos negócios através de startups ou no apoio a agtechs e agrihubs, de olho nesse novo filão.

    Até a próxima.