O desafio no desenvolvimento de plantas GM com novas características (traits)

Edição XXIV | 05 - Set . 2020
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   Desde o surgimento da soja RR, as variedades transgênicas têm sido amplamente utilizadas no Brasil e no mundo e ocupam a maior parte da área cultivada com soja, milho e algodão, principais commodities nas quais a tecnologia foi inserida. Após a tecnologia RR, surgiram as plantas Bt, que vem de Bacillus thuringiensis, bactéria que já se usava há décadas na agricultura para controle de insetos, e a partir da qual  com o advento da engenharia genética, foi possível isolar o gene responsável pela toxina que mata os insetos e o inserir em plantas para torná-las resistentes.

   As novas variedades transgênicas de soja a serem lançadas nessas próximas safras são ferramentas adicionais para o controle de invasoras e insetos-praga. A Bayer mantém a expectativa de lançamento comercial da soja Intacta 2 Xtend® no Brasil em 2021, com semeadura na safra 2021/2022. Essa tecnologia combina a genética de resistência a lagartas com a tolerância aos herbicidas glifosato e dicamba. Para a resistência a lagartas, além da proteína atual (Cry1Ac), foram adicionadas duas novas proteínas Bt (Cry1A.105 e Cry2Ab2), que resultam em proteção adicional às lagartas Helicoverpa armigera e Spodoptera cosmioides. Também para a safra 2021/22, a Corteva comunicou o lançamento do Sistema Enlist™/Conkesta™. Na soja, a tecnologia chamada Conkesta E3®, combina a tecnologia Enlist™ que confere tolerância a três herbicidas (2,4-D, glifosato e glufosinato de amônio), com as proteínas Bt (Cry1F e Cry1Ac), que conferem proteção contra as principais lagartas que atacam a cultura da soja. 

   Apesar das vantagens que as variedades transgênicas proporcionam ao produtor, o que se observa é que na maioria dos casos as tecnologias incorporadas pela transgenia têm se restringido a essas duas características: a resistência a herbicidas e a tolerância a insetos.

   Embora haja muita especulação sobre o assunto, especialmente por parte dos críticos da transgenia, que apontam como um dos principais motivos para que as empresas invistam nesse tipo de tecnologia  a “venda casada” com o herbicida, a verdade é que além da questão comercial existem fatores biológicos que dificultam a geração de tecnologias que incorporem outras características, como por exemplo, a tolerância aos estresses abióticos como a seca e o encharcamento, ou ainda, características voltadas a qualidade de sementes, como o vigor e a longevidade, ou até mesmo, a produtividade. 

   Do ponto de vista genético, as características presentes nos organismos vivos podem ser classificadas como qualitativas, que são aquelas controladas por um ou poucos genes, como exemplo a tolerância a herbicidas, ou, quantitativas, que como o próprio termo sugere, são aquelas controladas por um grande número de genes, onde se enquadram a tolerância aos estresses abióticos, a qualidade de sementes e a produtividade. Quanto maior o número de genes que controlam uma característica mais difícil é a sua manipulação, seja via transgenia ou mesmo pelo melhoramento genético clássico.   

" Quanto maior o número de genes que controlam uma característica mais difícil é a sua manipulação"

   Mesmo sendo difícil trabalhar esse tipo de característica, muitos estudos vêm mostrando que é promissor o uso de ferramentas biotecnológicas para tal finalidade. Na Embrapa Soja pesquisadores vêm desenvolvendo estudos de longa data em parceria com o Jircas (Japan International Research Center for Agricultural Sciences), visando o desenvolvimento de plantas de soja tolerantes à seca. A estratégia é baseada na inserção de genes regulatórios, chamados fatores de transcrição, os quais controlam a expressão de um grande número de genes e, dessa forma, obtêm-se indivíduos mais promissores para  desenvolver linhagens com características complexas de tolerância a estresses abióticos.  

   Apesar do processo de obtenção de plantas transgênicas com tolerância à seca ser de grande complexidade, sementes de milho GMs com tal característica, como o evento Genuity® DroughtGard® (Monsanto, atualmente Bayer), já são comercializadas no mercado norte-americano. No Brasil, uma novidade é a soja tolerante à seca, com previsão de lançamento para a safra 2022/23. A tecnologia transgênica foi desenvolvida pela empresa americana Verdeca, joint venture entre a Arcadia Biosciences e Bioceres Crop Solutions. Essa soja foi aprovada pela CTNBio em 2019 e está sendo desenvolvida no Brasil pela Tropical Melhoramento & Genética (TMG), que também foi a responsável pela desregulamentação da tecnologia no País.  

   Os constantes avanços na área de genômica e o desenvolvimento das ferramentas de edição de genomas, aliados a uma legislação de biossegurança que acompanhe os avanços da ciência poderão acelerar a descoberta de novos genes e ampliar as opções de caracteres a serem incorporadas pela biotecnologia.  
Compartilhar