Um tema de interesse nacional

Edição XXIV | 05 - Set . 2020
   Muitas vezes o que é óbvio para alguns, não o é para outros. Por isso, a expressão “o óbvio precisa ser dito” faz sentido. O Agronegócio parece fazer parte dessas obviedades. Por consequência, é necessário, de modo muito objetivo e direto, que o país entenda definitivamente o papel que esse setor possui para si.

   Precisa ficar claro, de uma vez por todas, que o agronegócio não é mais um assunto apenas do próprio agro, da produção agrícola, do meio ambiente, da agroindústria ou mesmo dos investidores. O país precisa entender que o agronegócio já há algum tempo granjeou o reconhecimento como um tema de interesse nacional, do país, e não apenas de um setor em particular.

   Um setor que representou em 2019 em torno de 43% das exportações, é responsável por praticamente 22% do PIB, emprega 20% do total da população ocupada e ainda alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo todo dia não pode ser relegado a um retumbante desconhecido para a maioria do povo brasileiro.

   No centro do debate sobre alimentos para o mundo

   Nesse sentido, o Brasil já era considerado um grande e respeitado player no jogo internacional. Mas dada a sua demonstração inequívoca de competência durante a pandemia, demonstrado pela capacidade de entrega, amparado num robusto sistema de governança dos elos que compõem o setor, foi guindado a uma posição indelével.

   Vale lembrar que em muitos outros países importantes da área, o agronegócio parou por algum tempo na pandemia. Aqui não. Criamos até a #oagronaopara dando o tom da nossa vitalidade e capacidade de cumprir os contratos, em boa medida pela tenacidade de seus agentes, mas também pela liderança de um ministério da agricultura comprometido com o momento que vivemos.

   Essa conjuntura, colocou o Brasil no centro do debate sobre alimentos para o mundo, não mais no futuro como se previa, dado o monumental aumento populacional esperado, mas agora, de imediato.

   A própria FAO, o braço alimentar da ONU, já declarou que diante do cenário de 9 bilhões de pessoas vivendo no planeta em 2050 e a escassez de opções de incremento de produção de alimentos pelo mundo, espera-se que o Brasil seja capaz de fornecer ao menos 40% da oferta adicional requerida por esse aumento populacional.

   Segurança do Alimento e Segurança Alimentar

   Mas, antes de tudo, é importante tornar claro que Segurança do Alimento e Segurança Alimentar não são sinônimos. É preocupante nesse sentido que vários profissionais do setor os utilizem como conceitos similares. Não são.

   Segurança alimentar diz respeito a garantia estratégica de acesso a alimentação. Um país, estado ou região precisa ter suas salvaguardas desenhadas e operacionalmente alinhadas para que sua população não corra o risco de perecer pela falta de acesso aos bens alimentares.

   Já a segurança do alimento diz respeito as garantias que o alimento pode oferecer aos consumidores, principalmente nos aspectos de sanidade inerente ao produto em si, normalmente considerando as boas práticas de fabricação dentre outros processos que buscam dar elevados níveis de confiabilidade para o mercado consumidor.

   Todos esses assuntos são temas em pauta há muito tempo, porém com o advento da pandemia e os desdobramentos mercadológicos dos principais players, tanto mercados consumidores, como exportadores, fizeram a régua desses níveis de exigência subir.

   Nesse cenário, o Brasil foi guindado a um dos mais, se não o mais importante player coincidentemente nas duas áreas: tanto na sua capacidade de contribuir decisivamente na oferta de alimento em quantidades significativas, quanto em permitir garantias de segurança no alimento ofertado. Isso faz do nosso país um player decisivo nesse jogo e o agronegócio um setor de importância proeminente.

   O Ativo Ambiental e a bravata retórica

   Um terceiro tema, a questão ambiental, tangencia e se entrelaça com os dois anteriormente citados. E nesse quesito, infelizmente não temos conseguido dar a devida resposta no cenário internacional.

   Assim como precisamos entender que o agro é uma questão de estado, sustentabilidade ambiental deixou de ser uma questão entre consumidor e produtor e passou a ser também um assunto relevante para investidores. Ninguém quer colocar dinheiro onde é mal visto.

   Embora a Europa não seja mais o nosso principal mercado exportador, suplantada pela China, é ela que ainda dá as cartas sobre as tendências. Nessa questão, os europeus se auto imputaram regras muito rígidas nas questões ambientais (com implantação rigorosa do audacioso plano) e o resto do mundo tende a segui-las, principalmente se ainda poderá tirar algum proveito comercial delas, seja através de barreiras tarifárias ou não tarifárias.

   O nosso histórico precisa servir como importante aprendizagem. O Brasil assumiu esse nível de capacidade competitiva no agro graças a duas questões inter-relacionadas: o elevado nível de exposição histórica à competição (enquanto a maioria gozava ou ainda goza de generosos subsídios) o que tornou os produtores remanescentes altamente competitivos. Por consequência, gerou grandes saltos tecnológicos nos colocando na condição de afiançar ao mercado, em tese, de que éramos capazes de atender a demanda por alimentos que a FAO espera do Brasil, sem a necessidade de derrubar uma árvore sequer. Mas, infelizmente, por enquanto, essa bravata tem ficado apenas na retórica.

   Por isso, investir em novas tecnologias que intensificam o uso dos recursos naturais com sustentabilidade, com a integração-lavoura-pecuária-florestas, irrigação, defensivos mais modernos e inteligentes, dentre outras, parece ser o caminho.

   O discurso precisa mudar

   Isso significa que o agronegócio e o país precisam entender que preservar a Amazônia, por exemplo, é uma questão estratégica, tanto do ponto de vista comercial, de mercado, como do ponto de vista da produção.  
 
   Um diz respeito a imagem e o espaço generoso a ser fidelizado e de outro o necessário equilíbrio que ela traz para o regime de chuvas do qual somos amplamente dependentes, lembrando-nos que menos de 10% da nossa agricultura utiliza a irrigação nos seus sistemas de produção. Logo, é possível calcular o estrago que faz uma semana a menos, por exemplo, na janela de plantio ótima ou colheita de uma determinada cultura. Já temos inclusive dados que comprovam que mexemos nesse vespeiro. 

   Por fim, creio que precisamos parar de brigar de cabo de guerra para identificar quem tem razão, e o verdadeiro agronegócio deve reconhecer, assumindo a questão do meio ambiente como um grande ativo, sem romantismo, capaz de lutar pela efetiva remuneração dele. 

   Até a próxima. 
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