Mapeamento da qualidade da semente de soja produzida no Brasil

Edição XXIV | 05 - Set . 2020
José de Barros França Neto-jose.franca@embrapa.br
Francisco Carlos Krzyzanowski-francisco.krzyzanowski@embrapa.br
Ademir A. Henning-ademir.henning@embrapa.br
Irineu Lorini-irineu@lorini.com.br
   A Embrapa Soja conduziu o Projeto “Caracterização da qualidade de sementes e grãos de soja no Brasil”, no qual já foram avaliadas quatro safras de produção: 2014/15 a 2017/18. Nesse período, foram coletadas e avaliadas 2.532 amostras de sementes provenientes de 81 municípios, 58 microrregiões de 13 estados brasileiros: RS; SC; PR; MS; SP; MT; GO; MG; BA; TO; PI; MA; e AL. A amostragem desse material não seria possível, não fosse o apoio de mais de 55 instituições, compostas por cooperativas, universidades, empresas e associações de produtores de sementes e empresas estaduais de pesquisa.

   Em relação às sementes de soja, foram avaliados 23 parâmetros de qualidade, dos quais foram selecionados alguns referentes à qualidade fisiológica, como germinação, vigor, viabilidade, índices de danos mecânicos, de deterioração por umidade e dos danos causados por percevejos, além da qualidade genética e sanitária das sementes, que serão aqui relatados, com ênfase aos da safra 2017/18, comparando-se os mesmos aos obtidos nas três safras anteriores. Todas as amostras avaliadas foram coletadas de produtores de sementes de soja nos meses de agosto/setembro, após terem passado por pelo menos cinco meses de armazenagem, ou seja, bem próximo à época de entrega e de semeadura das mesmas.
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   Nesse sentido, constatou-se um aspecto extremamente positivo em relação à qualidade fisiológica das sementes. Houve avanços expressivos no parâmetro vigor das sementes, conforme determinado pelo teste de tetrazólio: o índice médio nacional desse parâmetro evoluiu de 77,6% na safra 2014/15 para 84,6% na safra 2017/18. Os motivos principais que colaboraram com essa melhoria de qualidade foram a redução do dano mecânico na colheita e dos danos causados por percevejo, a alta qualidade sanitária e a baixa ocorrência de insetos-praga de armazenamento. que serão expostos a seguir.

   Ainda, em relação ao vigor, na safra 2017/18, os maiores valores foram observados para as sementes amostradas em SP, MT e BA, com valores de 90,3%, 87,6% e 87,5%, respectivamente. O menor valor médio foi constatado para as sementes provenientes de MG com 78,4%. Os demais tiveram valores próximos à média nacional. Para a viabilidade determinada pelo teste de tetrazólio e para a germinação, a média nacional, foi de 92,5% e 91,5%, respectivamente, ou seja, muito semelhantes entre si. Com base nesses números, pôde-se verificar os potenciais máximos e mínimos de vigor constatados, concluindo-se o quanto ainda é possível melhorar a qualidade das sementes em cada microrregião brasileira. 

   Em todas as safras avaliadas, o dano mecânico, conforme determinado pelo teste de tetrazólio no nível (6-8), mostrou-se como o fator que mais prejudicou a qualidade da semente produzida na safra 2017/18, com uma média nacional de 4,3%. Entretanto, esse valor foi inferior aos 6,8% observados na safra 2014/15. Índices mais elevados de danos mecânicos foram constatados no estado do PR com 5,6%. Mato Grosso  se destacou por apresentar os menores valores de danos mecânicos (3,0%), seguido por São Paulo (3,1%), Bahia (3,2%) e Mato Grosso do Sul (3,6%).
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   Ainda, em relação ao dano mecânico, a sua principal fonte de ocorrência é na operação de trilha, durante a colheita. Assim sendo, é de extrema importância e prioridade que os produtores de sementes de soja invistam em treinamentos intensivos, visando à redução da ocorrência desse tipo de problema durante a colheita, o que propiciará a produção de sementes com melhores índices de vigor e germinação.

   É interessante mencionar que nos quatro anos do estudo, foi constatada uma redução linear nos níveis médios de danos mecânicos nas sementes de soja no Brasil. 

   Em relação aos índices de danos mecânicos por microfissuras, detectadas pelo teste do hipoclorito, constatou-se que o seu valor médio nacional da safra 2017/18 foi de 5,7%, ligeiramente inferior aos 6,8% constatados na safra 2016/17, que são índices abaixo do limite máximo de danos para semente, que é de 10%. Os maiores índices de ocorrência foram observados nos estados do MA com 10,1% e MG com 7,3%. É importante monitorar esse tipo de dano durante a operação de colheita, para verificar se os sistemas de trilhas estão bem ajustados. Além disso, esse teste, ao detectar as microfissuras nas sementes, serve também como importante ferramenta para predizer se o lote estará ou não mais propenso a ter danos de embebição durante os processos de germinação e emergência e também durante o tratamento industrial das sementes; sementes com elevados índices de microfissura podem ter a germinação reduzida nessas operações.

   O dano de deterioração por umidade, que normalmente é resultado da ocorrência de chuvas em pré-colheita, foi o segundo mais importante parâmetro que prejudicou a qualidade das sementes, com uma média nacional na safra 2017/18 de 2,7%, valor esse ligeiramente inferior aos 3,0% constatado na safra 2014/15. Os maiores índices desse tipo de dano foram constatados nos estados do MA(5,3%) e MG (4,9%). Por outro lado, os menores índices desse problema foram constatados no estado de SP (0,6%). Elevados números de deterioração por umidade estão relacionados com o manejo da época de semeadura dos campos de sementes, bem como com o atraso do início de colheita e/ou com o retardamento do início de secagem, ou armazenamento de sementes com graus de umidade elevados (acima de 13% de água). Esses aspectos devem receber atenção especial, visando à produção de sementes com menores índices de deterioração por umidade.

   O valor médio nacional de dano causado por percevejo foi de 0,5% no ano de 2017/2018 enquanto o maior foi 2013/14 com 1,3%. Os maiores valores foram detectados em sementes provenientes dos estados de MG com 1,2%, enquanto o menor índice foi constatado nas sementes provenientes do TO com 0,1%, Esses valores podem ser considerados relativamente baixos e são resultados da constante dedicação dos produtores de sementes em relação ao manejo integrado para o controle dos percevejos sugadores.
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        "(...) com a implementação de tecnologias apropriadas em todas as etapas do sistema de produção de sementes de soja, seja no campo, na colheita, na secagem, no beneficiamento e na armazenagem, é possível elevar o patamar da qualidade dessas sementes em todas as regiões avaliadas no presente levantamento."

   De maneira geral, em relação à qualidade das sementes de soja produzidas nos estados do MA, TO e PI, apesar das condições climáticas tropicais dominantes, observou-se que é possível produzir sementes com elevada qualidade nessas regiões.

   Alguns fatos extremamente positivos devem ser destacados na safra 2017/18: 41,6% das amostras avaliadas apresentaram viabilidade determinada pelo teste de tetrazólio igual ou superior a 95%; dentre essas, nove amostras exibiram viabilidade de 100%, produzidas nas microrregiões de Erechim (RS), São Joaquim da Barra e Itapeva (SP), Dourados (MS), Parecis e Alto Araguaia (MT), Entorno do Distrito Federal (GO), Pirapora (MG) e Rio Formoso (TO).
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   Ainda, conforme o teste de tetrazólio, 32,4% das amostras apresentaram vigor muito alto (> 90%), sendo que 6,4% tiveram vigor > 95%. Em 4,8% das amostras de sementes a ocorrência de danos mecânicos (nível 6-8) foi de 0,0%, conforme determinado pelo teste de tetrazólio. Índices mínimos de 0,0% de deterioração por umidade (nível 6-8) foram detectados em 34,5% das amostras de sementes produzidas em todos os estados avaliados; e índices mínimos de 0,0% de danos causados por percevejos (nível 6-8) foram detectados em 71,1% das amostras produzidas em todos os estados avaliados. 
Isso demonstra que com a implementação de tecnologias apropriadas em todas as etapas do sistema de produção de sementes de soja, seja no campo, na colheita, na secagem, no beneficiamento e na armazenagem, é possível elevar o patamar da qualidade dessas sementes em todas as regiões avaliadas no presente levantamento.

   Quanto à qualidade sanitária da semente produzida na safra 2017/18 de maneira geral foi muito boa. O fungo de armazenagem, Aspergillus flavus, teve ocorrência bastante baixa, com índice médio de 0,1%. Ficou evidenciado que o patógeno de maior frequência de ocorrência em lotes de sementes de soja no Brasil é Cercospora kikuchii, o agente causal da mancha púrpura da semente, com índice médio de 0,5%. Este patógeno foi detectado nas amostras de sementes provenientes de todas as microrregiões. O fungo sobrevive nos restos culturais, infectando as plantas e, juntamente com Septoria glycines, pode ocasionar as chamadas “DFC´s” (doenças de final de ciclo). Na semente, todavia, o fungo não causa problemas e é facilmente controlado pelos fungicidas comumente utilizados no tratamento de sementes. Colletotrichum truncatum, agente causal da antracnose, ao qual tem sido atribuído grande parte dos problemas fitossanitários ocorridos nas lavouras, é de pouca importância na semente, devido sua baixa ocorrência; nesta safra a média foi de 0,1%. Phomopsis sp., o principal patógeno de sementes de soja, apresentou uma incidência bastante baixa, com média de 0,1%, sendo a maior incidência de 3,5% em Santa Maria da Vitória, BA. Fusarium pallidoroseum (syn. semitectum ou incarnatum) tem comportamento similar ao Phomopsis da seca da haste e da vagem e podridão de semente, em relação a prejudicar a germinação das sementes, quando realizada em substrato rolo de papel. Apenas uma amostra de Alto Parnaíba Piauiense, PI, apresentou 15,5% de infecção.
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   Finalmente, a exemplo das três safras anteriores, a ocorrência de bactérias consideradas saprófitas, normalmente associadas com sementes já deterioradas fisiologicamente, foi bastante alta em alguns lotes em todos os estados. Porém, a média nacional de ocorrência nas sementes foi de apenas 3,2%, em função da elevada qualidade da maioria dos lotes de sementes.

   Em relação à qualidade genética, ou pureza varietal, é por meio desse parâmetro que o agricultor tem a garantia de que o estabelecimento da lavoura começará com a cultivar para ele recomendada. Entretanto, em 2013 a legislação brasileira eliminou a necessidade da realização do teste de verificação de presença de sementes de outras cultivares (mistura varietal) durante a execução da análise de pureza de sementes de soja (IN 45, setembro de 2013).
Desde então, o controle da identidade genética da cultivar comercializada vem sendo garantido apenas nas vistorias de campo, de acordo com metodologias e padrões estabelecidos pela legislação. Por meio das análises de pureza varietal realizadas no projeto, verificou-se que esse parâmetro de qualidade genética merece preocupação e deve ser tratado de maneira séria e com normas e padrões a serem novamente estabelecidos e normatizados.
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   Constatou-se que em todos os estados, em alguma safra, foram encontrados níveis preocupantes de contaminação genética, representada pelo número de sementes atípicas em cada amostra, o que evidenciou que urge a necessidade de implementação de ferramentas adicionais para o controle de qualidade referente à pureza genética dos materiais. Nesse sentido, vislumbra-se a adoção de análises que complementem as avaliações morfológicas (descritores morfológicos), incluindo também análises moleculares, com o uso de marcadores moleculares. Para isto, muito ainda precisa ser discutido e acertado, mas é essencial para o setor a disponibilização e acesso a estas ferramentas. 
Quanto aos insetos-praga de armazenagem, foram encontradas algumas espécies nas amostras das sementes, como Ephestia sp., Sitophilus sp., Cryptolestes ferrugineus, Rhyzopertha dominica e Liposcelides bostrychophila. Também foram encontradas partes de insetos em várias amostras, indicando que ocorreu uma infestação de pragas na semente. A maioria das amostras de sementes (81%) não apresentou nenhum inseto-praga, o que indica um bom controle de pragas no armazenamento. 
Informações mais detalhadas sobre esses levantamentos de qualidade das sementes de soja produzidas são encontradas nas publicações “Qualidade de sementes e grãos comerciais de soja no Brasil”, safras 2014/15, 2015/16, 2016/17 e 2017/18, que podem ser acessadas diretamente do site da Embrapa Soja (www.embrapa.br/soja), acessando em “Publicações” e depois em “Tecnologia de sementes”.
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