50 tons de verde

a agricultura e suas nuances

Edição XXIV | 05 - Set . 2020
Marcelo Benevenga Sarmento-marcelobs05@hotmail.com
    A agricultura atual é rica em tons, formando um verdadeiro mosaico de atividades produtivas. Refiro-me a gama enorme de condições ambientais, cultivos anuais e perenes, pastagens, criações e níveis tecnológicos, bem como os aspectos sociais e agrários envolvidos. 

    Partimos da nossa conhecida pecuária extensiva no Sul do Rio Grande do Sul, passando pela produção integrada de suínos e aves no oeste catarinense, às áreas de laranja em São Paulo, às enormes fazendas de algodão, soja e milho na região do Cerrado e até a criação de búfalos na ilha de Marajó, no Pará. Há ainda vários exemplos bem sucedidos de produção familiar nos Estados de Santa Catarina, Minas Gerais e Norte do RS. Culturas importantes como a oliveira, videira e o tabaco também merecem ser citadas. Também não podemos esquecer do extrativismo de palmito e açaí e a coleta de diversos outros produtos florestais não-madeireiros, além de inúmeras outras atividades produtivas.

    A convivência de diferentes sistemas produtivos em uma mesma região ou em diferentes regiões de um país é essencial, pois traz a possibilidade de uma agricultura resiliente, diversificada, capaz de ofertar uma ampla diversidade de produtos alimentares e não alimentares ao longo dos doze meses do ano. Isso é algo que o Brasil consegue contemplar por meio da nossa qualidade, segurança e sustentabilidade. No Brasil não há somente as chamadas “agricultura empresarial e familiar”, mas temos “agriculturas” que vão desde o A de Açaí ao Z de Zebu, num “n” número de sistemas e atividades produtivas.

    Tecnicamente falando, as características estruturais, agrárias, sociais e tecnológicas nos mais variados perfis de agricultores são bastante distintas. Pretendo enfatizar neste texto algumas particularidades da agricultura familiar e da empresarial embora os sistemas e atividades produtivas não se restrinjam a elas.

    A agricultura familiar é realizada em pequenas áreas, com mão de obra predominantemente familiar. As principais atividades são: cultivo de orgânicos, hortaliças, frutas, produção de leite, queijos, mel, fumo, ovinos, caprinos, artesanato, dentre muitas outras atividades. A produção é diversificada, ou seja, cultiva-se e criam-se diversas espécies em uma mesma área. Graças às políticas públicas setoriais voltadas à agricultura familiar (EX.PRONAF, PAA, PNAE), tem havido uma importante evolução em termos de tecnologia e assistência técnica nos últimos 20 anos.

    Conforme o Itamaraty, a agricultura familiar no Brasil representa eixo central na produção de alimentos e no emprego rural, sendo que compreende ao redor de 4,3 milhões de unidades produtivas (84% do total de unidades rurais) e 14 milhões de pessoas ocupadas, o que representa em torno de 74% das atividades no campo. Além disso, é responsável pela produção de alguns dos produtos mais importantes para a alimentação diária do Brasileiro: feijão (70% da produção é estimada como sendo da AF), leite (54%), mandioca (84%), milho (49%), aves e ovos (40%) e suínos (58%). Há também vários exemplos bem sucedidos de produtos artesanais, orgânicos com certificação, marcas coletivas e selos especiais em produtos exportados para mercados exigentes como União Europeia e EUA, com alto valor agregado. Aspectos como qualidade, segurança alimentar, diferenciação de produtos e valor agregado estão associados à produção familiar.

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   Se considerarmos ainda em nível regional, a agricultura familiar tem papel capilar fundamental na fixação do homem no campo via melhoria na renda, geração de empregos, agregação de valor, oxigenação da economia nas pequenas cidades do interior e suprimento da produção regional de alimentos. 

   A agricultura Brasileira é coordenada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Segundo o site (www.agricultura.gov.br), o MAPA é responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo à agropecuária, pelo fomento do agronegócio e pela regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. Para o MAPA, o agronegócio contempla o pequeno, o médio e o grande produtor rural e reúne atividades de fornecimento de bens e serviços à agricultura, produção agropecuária, processamento, transformação e distribuição de produtos de origem agropecuária até o consumidor final. Dentro da pasta do MAPA, foi recentemente criada a secretaria de agricultura familiar e desenvolvimento agrário para tratar dos assuntos pertinentes à agricultura familiar.

     A agricultura denominada empresarial é realizada em médias e grandes propriedades, com intensivo uso tecnológico e com a contratação de colaboradores externos. Além disso, o foco principal são as culturas para exportação (commodities). Commodities são produtos comercializados em escala, no estado bruto, ou seja, sem passar pela industrialização, e que possuem grande valor de comércio internacional, sendo seus preços cotados em uma bolsa internacional, como exemplo, soja, milho, algodão, etanol, açúcar e as carnes. São produtos voltados à alimentação, ração animal e bioenergia, sendo grande parte dos quais voltados à exportação.

   Na agricultura nem sempre há uma linha divisória entre os sistemas produtivos. Propriedades de grande porte, mas administradas por uma família são autointituladas familiares embora não se enquadrem no critério agrário. Há, ainda, casos bem sucedidos de integração entre a agricultura empresarial e familiar, como na cadeia do fumo, na produção integrada de aves e suínos e nas grandes redes varejistas. Neste último caso, o pequeno produtor fornece hortaliças, plantas ornamentais, produtos coloniais e orgânicos ao varejo. Não pretendo tratar aqui as questões polêmicas existentes nos sistemas produtivos, pois estou buscando com esse texto uma aproximação, convergência entre eles e demonstrar a importância de todos os tipos de agricultura para suprir a demanda do país e do mundo. A figura em anexo exemplifica o que foi comentado. Um simples e delicioso hambúrguer “depende” da existência de um agricultor de grãos, produtor de leite, produtor de carne e de um horticultor. É só prestarmos um pouco de atenção ao nosso redor que veremos isso mais frequentemente.

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   Portanto, diferentes tipos de agricultura não só podem como devem conviver em harmonia. Sim, há problemas na agricultura empresarial, como também na familiar e em outros sistemas, porém não há santos nem demônios, mas sim produtores abnegados com variados perfis, necessidades e condições. Obviamente o estado deve tratar condições diferentes de forma diferente, aplicando as necessárias políticas públicas para o setor. Já a sociedade brasileira precisa entender que a agricultura é uma só, mas com variadas nuances produtivas necessárias para ofertar desde uma carne a uma alface hidropônica, do açúcar a um tomate cereja orgânico, de um milho híbrido de elevado rendimento ao rústico milho crioulo. A natureza estimula a biodiversidade e na agricultura nós dependemos fortemente dela.

   Em um país de dimensões enormes, com ambientes diversificados e perfis de produtores distintos, somente diferentes tipos de agricultura poderão prover produtos diversificados, com qualidade, em quantidade e segurança aos exigentes consumidores. Independentemente do sistema produtivo, esperamos sempre que o bom senso e a competência dos profissionais envolvidos no agro nos garantam sempre produtos diversos, que tenham qualidade, sejam saudáveis e seguros para levarmos às nossas casas. O Brasil precisa de todos os perfis de agricultura. O agro tem 50 tons, talvez bem mais. 
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