Semeando no pó

Oportunidade ou risco?

Edição XXIV | 05 - Set . 2020
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
   A semeadura é um dos processos mais importantes no cultivo de uma espécie, envolvendo em geral uma pequena janela para efetivação, pois é função de estação do ano, ciclo de uma cultura e condições ambientais para a semente germinar, entre outros aspectos.

   Neste ano, as previsões climáticas já anunciam que o mês de setembro será seco em praticamente todo o país, além de um mês de atraso no início da chuva em regiões como o “Matopiba”. Há indícios de que o Nordeste voltará a enfrentar um forte período de seca, enquanto que o Rio Grande do Sul terá uma repetição do quadro do ano passado, quando a condição neutra do “La Niña” cortará as chuvas para o início da safra gaúcha.
Diante deste cenário, muitos agricultores decidem arriscar ao realizar a semeadura precoce prévio à chuva, mesmo sem haver condição ideal plena para o plantio.

   Para desencadear o processo de germinação, uma semente não dormente necessita de água líquida, temperatura adequada, oxigênio e um substrato. Neste artigo vamos dar ênfase no requerimento de umidade pela semente e os riscos da semeadura no pó.


   Umidade da semente

   As sementes, em geral, são armazenadas com 12-13% de umidade para um período de 6-8 meses antes da semeadura. Assim, quando são colocadas no solo necessitam absorver água até 30-35% de umidade para o caso de milho e 50-55% no caso de soja. Cada espécie possui um grau crítico de umidade para desencadear o processo de germinação, existindo uma estreita relação entre o grau de umidade da semente em seu ponto de maturidade fisiológica e o percentual de umidade para desencadear o processo de germinação.

   A tendência da absorção de água pelas sementes segue a uma curva clássica quadrática até um certo ponto em que o nível de hidratação para germinação é alcançado. Desta maneira, quando a umidade do solo é adequada, a velocidade de absorção é rápida inicialmente para após diminuir, devido o aumento da pressão das paredes celulares. 

   No caso de soja, em condições de umidade adequada do substrato, em 16 horas de embebição, a semente já alcança os 50% de umidade para desencadear o processo de germinação. Após este tempo, a semente diminui a velocidade de embebição de água por um tempo para depois aumentar novamente, isto em função do estabelecimento das estruturas das plântulas.   
 
image.png 129.12 KB


   Umidade do solo

   A disponibilidade e o movimento de água no solo é crucial para a germinação das sementes e a emergência das plântulas. Estes fatores são influenciados, em grande parte, pela umidade e textura do solo, condutividade hidráulica e área de contato solo-semente. Neste sentido, as rodas de pressão das semeadoras comumente usadas aumentam o contato entre as partes e auxiliam na difusão da umidade do solo. Na cultura do arroz irrigado é comum se utilizar de um pesado rolo para auxiliar na absorção de água do solo pelas sementes.

   Em relação a condutividade hidráulica dos solos, esta possui uma grande influência na absorção de água pelas sementes, pois sementes conseguem “buscar” umidade apenas ao redor de 1 cm de distância, a qual diminui conforme a textura do solo aumenta, ou seja, em solo arenoso é menor.

   A umidade do solo pode ser expressa em percentagem ou em bars, que é uma unidade de potencial de água no solo. Em termos de bars, convencionou-se que -0,3 bars é a capacidade de campo de um determinado solo, enquanto -15 bars é o ponto de murcha permanente (PMP). Salienta-se que num solo arenoso, por exemplo, no PMP o percentual de umidade pode ser menos de 5,0%, enquanto num solo argiloso pode ser mais de 10%. Assim, para comparar desempenho utiliza-se bars. 

   Existe diferenças entre as espécies e cultivares dentro de espécies quanto ao potencial de água ótimo para a germinação e emergência, entretanto o intervalo vai de - 0,3 a -6,6bars. As espécies forrageiras e algumas hortaliças se destacam pela capacidade de desencadear o processo de germinação e emergência com umidade do solo próximo do PMP.

   Estudos mostram que mesmo no PMP para a grande maioria das espécies como soja, milho e outras, as sementes conseguem embeber água suficiente para germinar, caso tenham tempo suficiente para embebição. Deste modo, em umidade do solo na capacidade de campo até -1bar, as sementes absorvem umidade suficiente para germinarem em menos de 24 horas (soja) enquanto no PMP este tempo é superior a 100 horas. A baixa umidade do solo é uma das principais razões para a diminuição da velocidade de germinação e emergência das sementes. Temperatura e qualidade fisiológica das sementes são as outras principais razões.

   Semeadura no pó

   Considerando que os agricultores possuem pouco tempo para realizarem a semeadura em época oportuna, há ocasiões que a mesma é realizada com pouca umidade no solo na expectativa de uma chuva próxima (semeadura no pó). 
Estima-se que mais de um milhão de hectares sejam semeadas com soja no “pó” em antecipação a chuva, sendo que somente para possibilitar o cultivo do algodão safrinha, sejam mais de 500.000 hectares. Outros exemplos poderiam ser utilizados.

   Neste sentido, um estudo foi delineado para verificar o efeito deste processo de “semear no pó”, no estabelecimento de uma lavoura de soja (Peske e Delouche,1983). Para tal, utilizou-se um solo tipo argiloso, preparado com vários níveis de umidade menores que o PMP e neles colocadas sementes de soja nuas e tratadas com fungicida (Captan) a 30oC. Após nove dias nestas condições de baixa umidade do solo, as unidades experimentais receberam água suficiente para desencadear o processo de germinação das sementes, sendo a avaliação realizada sete dias após a adição de agua. Neste mesmo estudo, foi determinado o percentual de umidade das sementes colocadas nos diferentes níveis de umidade do solo.

   Os resultados mostraram que mesmo no PMP as sementes absorvem água suficiente para desencadearem o processo de germinação desde que, após nove dias nestas condições, recebam água suficiente para produzirem uma plântula normal. No estudo, 10,1% de umidade do solo foi o PMP (ver figura no texto).

" Na umidade do solo em que as sementes apresentavam zero% de germinação, as sementes tratadas com fungicida ainda apresentavam 60%."

   Em relação a umidade das sementes em solo seco com umidade menor que o PMP, evidenciou-se que aos 9 dias nestas condições, as sementes no PMP apresentavam 60% de umidade, sendo suficiente para desencadear o processo de germinação, em que inclusive algumas sementes apresentavam protusão da radícula. Por outro lado, conforme a umidade do solo diminuía em relação ao PMP, as sementes alcançavam menor grau de umidade, sendo de 28-42% quando a umidade do solo estava entre 6,5 e 8%, a germinação das sementes apresentava zero%. Entretanto, em umidades do solo inferior a 6,5%, o percentual de germinação das sementes aumentava conforme a umidade do solo diminuía, alcançando 85% com umidade do solo de 2,8%.   

   Por outro lado, relacionando a umidade do solo na faixa de umidade entre 8,0 e 10,1% com a germinação das sementes, consta-se pela figura no texto, que houve um aumento de 20% no percentual de germinação para cada 0,5% de aumento na umidade do solo, evidenciando a grande função da água no processo de germinação.

image.png 99.95 KB

   
   Merece comentário o fato de apenas partes das sementes germinarem, pois a exposição a umidade foi uniforme para todas as sementes. Uma possível explicação está em que a qualidade das sementes de um lote não é uniforme entre todas as sementes, ou seja, com diferentes estágios de deterioração devido a desuniformidade de maturação, danificação mecânica e contaminação por microorganismos, entre outras causas. Um lote de sementes de soja de 20 t, contém mais de 80 milhões de sementes que possuem um determinado grau de diferença entre elas, explicando o percentual de zero a 100 na germinação das sementes. 

   No estudo, além das sementes nuas, também se utilizou sementes tratadas com fungicida, cuja tendência de desempenho em solo seco menor que o PMP, foi similar, entretanto com uma grandeza distinta. Na umidade do solo em que as sementes apresentavam zero% de germinação, as sementes tratadas com fungicida, ainda apresentavam 60% (ver figura no texto), evidenciando os efeitos benéficos do tratamento das sementes com fungicida.

   A umidade das sementes desempenha papel fundamental na germinação e na deterioração, entre outros processos, assim examinando a umidade das sementes, constata-se, pela figura no texto, que acima de 42% de umidade, algumas sementes dentro da população já tinham alcançado o ponto crítico para desencadearem o processo de germinação (umidade 50-55%). Isto de forma crescente. Por outro lado, sementes com menos de 28% de umidade aumentavam seu percentual de germinação conforme diminuía a umidade do solo. Registra-se que na unidade experimental com a menor umidade do solo (2,8%), as sementes inclusive perderam agua, apresentando menos de 8% de umidade após os 9 dias em solo seco.

   O desempenho das sementes colocadas em solo seco sem condições de germinar, parece similar aos resultados que ocorrem com o armazenamento convencional das sementes, ou seja, a perda da capacidade de germinar diminui, conforme aumenta a umidade das sementes, a temperatura e o tempo de armazenamento. Portanto, sementes colocadas em solo “seco” sem condições de germinar, estão literalmente armazenadas no solo até que ocorra uma chuva ou irrigação. O solo, mesmo com baixa umidade, não é um bom local para se armazenar sementes.


   Considerações
   1. O tratamento de sementes com fungicida aumenta em alguns dias a sobrevivência das sementes em solo seco, enquanto aguarda uma chuva. Felizmente no Brasil, mais de 90% das sementes de soja são tratadas com fungicida; 
   2. Pela dispersão dos dados de germinação, em que algumas sementes apresentam protusão da raiz mesmo na umidade do solo no PMP, pode-se inferir que sementes de alta qualidade fisiológica minimizam os efeitos da “semeadura no pó”. Neste sentido, muitas empresas oferecem lotes de sementes de soja com um mínimo de 90% de germinação e 80% de vigor; 
   3. O título do artigo é “semeando no pó” em referência quando a semeadura é realizada em solo que foi trabalhado e desprende pó, quando seco, no momento da semeadura. Entretanto, estima-se que mais de 80% da semeadura de soja seja realizada no sistema de plantio direto, sem o preparo convencional do solo, o que praticamente não desprende pó. Nestas condições o solo consegue reter mais umidade, e assim auxiliar as sementes no processo de germinação.     
   4. Há risco de não se obter um estande com a semeadura no pó, pois o solo não é um bom local para armazenar as sementes, por outro lado como as sementes conseguem embeber água mesmo com baixa umidade do solo, isto evita os conhecidos danos da rápida embebição de sementes “secas” por ocasião de chuva momentos após a semeadura; e 
   5. Caso o agricultor decida realizar a “semeadura no pó”, que faça um bom seguro, utilizando semente de alta qualidade tratada com fungicida.

Compartilhar