Interferências da dupla explosiva na qualidade de sementes

Edição XXIV | 04 - Jul . 2020
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
   A temperatura e a umidade relativa do ar são variáveis climáticas que exercem influências na qualidade física, fisiológica e sanitária de sementes. Excessos ou déficits criam estímulos para diversidade de respostas das plantas e sementes, nos diferentes estádios das culturas. Uma das maneiras de evitar riscos climáticos quando se estabelece a lavoura para produzir sementes, é o escalonamento da semeadura e, mesmo assim, corre-se o risco de intempéries, nem sempre capturadas pelos modelos de previsão de clima. E, de fato, inconsistências de informações têm acontecido com certa frequência. 

    Na escala fenológica existem as subdivisões, denominadas fases ou subperíodos de crescimento e desenvolvimento, as quais podem ser afetadas de formas distintas, dependendo do seu momento fisiológico. Tem sua importância desde o vegetativo (germinação, emergência e crescimento da parte aérea e das raizes), que na etapa de implantação da lavoura, inicialmente na semeadura pode ser frustrada com alguma situação adversa, sinalizando provável desuniformidade, dependendo da intensidade e da duração do período. Já na fase reprodutiva (florescimento, frutificação e maturação), a sensibilidade da planta aos fatores climáticos pode traduzir-se prejuízo direto na qualidade da semente. 

   Na produção de sementes de soja, algumas perguntas têm sido bem frequentes nos últimos tempos: por que a semente desidratou tão rapidamente e no passado não fazia isso? Por que está aparecendo semente verde e/ou esverdeada com tanta frequência?

   Enfim, é bem conhecido de que a ciência não tem finalização e a resposta de uma questão pode suscitar uma nova e para todo e qualquer questionamento é imprescindível encontrar argumentos técnicos e facilitar com exemplos, para que seja compreendido este cenário mais complexo, o qual acredito será nossa sombra doravante. Em que momento a variabilidade climática está sendo fator controlador de tantos indicativos indesejáveis para qualidade de sementes?

   Que fatores regulam a maturação ordenada dos cotilédones de soja durante o desenvolvimento das sementes? É conhecido que o ambiente materno desempenha um papel importante. Sendo assim, vamos a um retrospecto. Nas últimas safras, sobretudo, na safra 2018/2019 e na safra 2019/2020, foram observados períodos com excesso térmico, muitas vezes associado à falta de água, durante períodos de desenvolvimento, com consequências mais acentuadas nas fases de enchimento das sementes e durante a maturidade fisiológica. Nessas situações de estresses, pode ocorrer o corte da absorção de nutrientes e prejudicar o desenvolvimento das plantas (a fotossíntese e a respiração são inibidas sob temperatura alta). As sementes podem acelerar a maturação, favorecendo de maneira geral, o surgimento de grupos de sementes imaturas e com os cotilédones esverdeados. Em soja de hábito de crescimento indeterminado, a ênfase é maior porque os efeitos da maturidade são evidentes pela extensão do período de floração. Pode neste contexto, ocorrer a maturação excessiva nos legumes formados antes, circunstância nociva à qualidade, porque a deterioração tem forte possibilidade de ocorrer enquanto essa semente ainda estiver na planta. Estudos revelaram que em condições de altas temperaturas e deficiência hídrica as sementes amadurecem mais rápido que o habitual, interferindo na atividade de enzimas que participam de rotas que degradam a clorofila, especialmente a clorofilase. Isso é uma razão para a retenção de clorofila nos cotilédones. 

   Neste sentido, via de regra, se preconiza a alteração da integridade da membrana celular como sendo um dos primeiros sinais da deterioração. Desta feita, vamos entender como a dupla explosiva, causadora de estresses, se relaciona com a permeabilidade dos sistemas de membranas, permitindo a perda mais acentuada de solutosas.

   Renomados fisiologistas, relataram que o estresse provocado por déficit hídrico leva à expressão de conjuntos de genes envolvidos na aclimatação e adaptação ao estresse. Esses genes agem como intermediários das respostas celulares. Um grande grupo de genes regulados por estresse osmótico foi descoberto em embriões que desidratam naturalmente durante a maturação da semente. Esses genes codificam as proteínas denominadas proteínas abundantes da embriogênese tardia (do inglês LEA, late embryogenesis abundant), as quais podem desempenhar papel na proteção da membrana celular. A transcrição dos genes que codificam essas proteínas aumenta no estádio de dessecação, o que é uma característica da maioria de genes responsivos ao ácido abscísico – ABA. Assim, a síntese da maior parte das proteínas LEA está sob controle do ABA. Esse fitormônio tem a função de inibir a maquinaria responsável pela hidrólise das reservas na fase anterior à maturidade das sementes. O estresse osmótico leva tipicamente à acumulação de ácido abscísico. As proteínas LEA são, hidrofílicas e ligam-se fortemente à água. Seu papel protetor pode estar associado à capacidade de reter água e de evitar, durante a desidratação, a cristalização de importantes proteínas e outras moléculas. 

"  (...) se preconiza a alteração da integridade da membrana celular como sendo um dos primeiros sinais da deterioração."

   Por outro lado, a temperatura alta reduz a estabilidade de membrana. A excessiva fluidez de lipídios de membrana a temperaturas altas está relacionada à perda de função. Sob temperaturas elevadas ocorre um decréscimo na força das ligações de hidrogênio e das interações eletrostáticas entre os grupos polares de proteínas na fase aquosa da membrana.  

   Em vários estudos envolvendo sementes de soja, obtidas de maturação e secagem rápidas e ainda com degradação parcial da clorofila, foram verificadas a lixiviação de grande quantidade de fostato inorgânico, de açúcares e proteínas solúveis durante a embebição, quando comparadas às sementes que secaram de forma mais lenta.  

   Portanto, as interferências dos estresses térmico e hídrico, durante a dessecação (desidratação) apresentam link fundamental com a qualidade da semente pois têm potencial de causar danos severos no sistema de membranas e de outros constituintes celulares, provocar desestruturação e desencadear todo o processo de deterioração.  
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