O cenário global de comercialização de novas biotecnologias

Edição XXIV | 04 - Jul . 2020
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
   A proteção

   Em termos de direitos, existem dois mecanismos de proteção intelectual utilizados no Brasil: o sistema de patentes (Brasil, 1996) e os direitos “sui generis” das cultivares (Brasil, 1997). Uma vez protegidas e liberadas para o mercado, as tecnologias (processos e plantas) garantem os devidos lucros para seus proprietários através do pagamento de taxas tecnológicas (patente) e royalties (cultivares). 

   Em relação ao primeiro mecanismo, a Lei da Propriedade Industrial (N ° 9279, de 14 de maio de 1996) especifica que “todo ou parte dos seres vivos naturais e materiais biológicos, mesmo quando seu genoma ou germoplasma são isolados, bem como os biológicos naturais processos ‘’ não são considerados invenções. Assim, é importante observar que plantas e animais GM são considerados invenções no Brasil, mas não são patenteáveis ​​de acordo com o Artigo 18 (III, de acordo com a Lei nº 9279/96). 

   Os únicos seres vivos que podem ser considerados invenções patenteáveis ​​pela legislação brasileira são os microorganismos transgênicos ( envolve processo para serem introduzidos em plantas), que podem ser patenteados se atenderem às duas condições de patenteabilidade (clareza e suficiência descritiva) e aos três requisitos de patenteabilidade (novidade, etapa inventiva e aplicação industrial).

   Além disso, processos envolvendo organismos vivos (por exemplo, métodos para o desenvolvimento de plantas transgênicas), construções de genes (por exemplo, vetores de expressão), proteínas recombinantes e composições de extratos biológicos também são patenteáveis ​​de acordo com a lei brasileira. A proteção por patente é por 20 anos.

   Isso significa que, no caso de plantas GM, as ferramentas e métodos para seu desenvolvimento podem ser protegidos, mas não as próprias plantas. Nesse caso, é possível recorrer ao segundo mecanismo, conhecido como proteção de cultivares, com base em direitos “sui generis” e regulamentado pela Lei nº 9456/97 (Brasil, 1997), que concede aos proprietários proteção por 15 anos. 

   Processo 

    As novas cultivares contendo tecnologia obtida através da transgenia, para serem comercializados no Brasil, é imprescindível que a mesma seja também avaliada e aprovada pelos respectivos comitês e autoridades dos mercados externos ao redor do mundo.

   Até então, esta regulamentação poderia levar até 10 anos, afetando a comercialização de muitas novidades em biotecnologia, o que acarreta menos tempo hábil para que seus obtentores usufruem do retorno econômico via a taxa tecnológica de sua patente, além de impedir o acesso dos agricultores aos seus benefícios.

   Isto pode ter sido o caso ocorrido com a tecnologia “Cultivance” e “Liberty Link” no Brasil, por exemplo, as quais foram aprovadas pela CTNBio em 2009 e 2010, respectivamente, mas liberadas para comercialização apenas em 2015 e 2016 devido à entraves nos demais mercados importadores de soja, como China e União Europeia. Com isto, o atraso na completa liberação no comércio global culminou na menor atratividade e benefícios das tecnologias em comparação com demais produtos OGM já comercializados no momento de sua plena aprovação, pois a realidade do mercado já tinha sido alterada, havendo menor impacto e demanda das tecnologias no agronegócio.

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   Este fator impeditivo foi questão de debate e atritos por muitos anos, o qual acarretou em um novo acordo firmado pelos EUA e a China nos últimos anos após o fim da extensa guerra comercial em 2019. Dentro do novo acordo, o país asiático prometeu otimizar o tempo de duração para aprovações de novos eventos de OGM. Com isto, a proposta é de que o processo de aprovação tenha duração de não mais de 2 anos. 

   O acordo também beneficia os produtores brasileiros, especialmente os de soja, já que o Brasil é o segundo maior exportador de grão no momento, sendo a China o maior importador mundial. 
No entanto, a União Europeia ainda se apresenta como um dos grandes desafios para a aprovação de novos eventos advindos da biotecnologia.

   Apesar da quantidade de informações científicas disponíveis e da opinião de especialistas em todo o mundo, em 25 de julho de 2018, o Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) determinou que organismos obtidos por técnicas de edição de genes, como CRISPR-Cas e qualquer outro método de edição de genoma, estão, em princípio, sujeitos aos mesmos regulamentos que os organismos geneticamente modificados (OGM).

   Ou seja, além da demora usual para aprovação de organismos geneticamente modificados (OGMs) na Europa, a atual regulamentação em vigor expõe produtos de biotecnologia gerados sem a inserção de genes de outras espécies ao mesmo rigor de aprovação exigido dos transgênicos, onerando e atrasando significativamente o lançamento global de novas biotecnologias.   

   É sempre importante valorizar as apropriadas discussões e análises cientificas necessárias como forma de prudência e cuidado no manejo e aprovação de tantas novidades obtidas através da biotecnologia, cujo desenvolvimento se torna cada vez mais rápido e acessível graças à crescente evolução das ferramentas, como por exemplo advindas da edição de genes.   

   Dentro da cultura da soja, um dos vegetais mais plantados no Brasil e no mundo, há várias tecnologias aguardando aprovação tanto na China quanto na Europa, as quais estão estimadas para a partir de 2021/22. Dentre estas, uma das principais novidades é o advento de tolerância à seca, cujo evento (HAHB4) foi submetido pela empresa “TMG” e já foi aprovado pela CTNBio no Brasil em 2019.

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   Alguns registros

   Ao analisarmos o histórico de polêmicas ao redor do assunto, constatamos que muitos prejuízos foram causados por reações excessivas em relação aos transgênicos, por exemplo.

   Neste caso, um dos principais exemplos no Brasil está evidente no feijão resistente ao mosaico dourado, alcançado por meio de engenharia genética e liberado para comercialização pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 2011. O feijão traz a tecnologia RMD, que auxilia o agricultor na economia do custo de produção, com a redução de uso de químicos e, na produtividade, sem a ocorrência da doença, alcançando melhor margem de lucro e um produto mais barato na mão dos consumidores. No entanto, devido a extensa batalha da ciência em relação à remanescentes incoerências da opinião pública com produtos transgênicos, tais benefícios sofreram muitos atrasos até alcançar a cadeia agrícola.

   Em 2016, mais de cem ganhadores do prêmio Nobel (109), assinaram uma ácida carta aberta contra o “Greenpeace” por sua rejeição aos alimentos transgênicos ao longo dos anos.

   A carta acusa o Greenpeace e demais ONGs com postura anti-transgênicos de “tergiversar os riscos, benefícios e impactos” dos organismos modificados geneticamente e “apoiar a destruição criminosa de cultivos experimentais”. Segundo os dados científicos, os alimentos geneticamente modificados são tão seguros quanto qualquer outro, sendo que nunca houve um só caso confirmado de um efeito adverso para a saúde de humanos ou animais. 

   Os autores da carta ainda recordam que a FAO (órgão da ONU para alimentação e agricultura) calcula que a produção mundial de alimentos e rações precisará dobrar até 2050 para atender às necessidades da crescente população mundial e, os transgênicos, serão um dos principais caminhos para garantir que alcancemos esta meta.

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   A piramidação
 
   O contínuo avanço na piramidação de diferentes eventos para a resistência a insetos e tolerância a herbicidas também seguem na expectativa de aprovação e lançamento comercial nos próximos anos.

   A tecnologia de “Intacta 2 Xtend”, a qual pertence atualmente à Bayer, foi recentemente aprovada na China em Junho de 2020, porém ainda depende da liberação por parte da União Européia para que sua comercialização seja liberada. 

   Tendo sido aprovada pela CTNBio em 2018, a plataforma oferece a combinação de eventos (stack) envolvendo a resistência a insetos (cry1A.105 + cry2Ab2 + cry1Ac) e a tolerância aos herbicidas Glifosato e Dicamba.

   A Corteva por sua vez, também está investindo na plataforma chamada de “Enlist Conkesta”, a qual traz a combinação de tolerância aos herbicidas Glufosinato, Glifosato e 2,4D, além de genes resistentes a insetos (cry1Ac; cry1F v3). Neste caso, também já foi aprovada pela CTNBio e aguarda a aprovação dos principais mercados no mundo, como a China e a Europa.

   Ambas as tecnologias têm previsão para lançamento comercial na safra 2021/22 e serão importantes no combate a diversas plantas daninhas com resistência ao glifosato, as quais possuem relatos de níveis alarmante em diversos campos do Brasil, como por exemplo a “buva” e o “leiteiro”, além de oferecerem resistência a insetos que aumentam a proteção que a tecnologia atual já proporciona contra as lagartas, incluindo o gênero das spodoteras.

    Além da soja, diversas outras culturas devem ter entradas de OGM’s no mercado facilitadas.
Segundo a ISAAA, estima-se que uma área total de 80,5 milhões de ha tenham sido plantadas com variedades contendo eventos piramidados (stacked) em 2018, o qual é a combinação de dois ou mais genes de interesse em uma única planta. Isso representa mais de 42% dos 191,7 milhões de ha de culturas biotecnológicas plantadas em todo o mundo.

   Um dos maiores exemplos é observado na cultura do milho, o qual já possui 35 eventos aprovados pela CTNBio desde 2007, sendo 24 com piramidação de eventos (geralmente combinando tolerância a herbicida e resistência a insetos). Porém, apenas 12 tecnologias plenamente aprovadas ao redor do mundo.

    O algodão, por sua vez, já possui 18 eventos aprovados pela CTNBio desde 2005, sendo 14 com piramidação de eventos e, apenas 6 plenamente aprovados em todos os mercados estrangeiros.


   Comentário
   Além do extenso período necessário para o desenvolvimento e aprovação de muitas tecnologias “disruptivas” no mercado, é necessário também considerar o alto custo inerente à própria pesquisa e regulamentação de cada evento por parte das empresas (públicas ou privadas), o qual enfrenta uma legislação altamente exigente ao redor do mundo.  
   Com isto, o desenvolvimento de tecnologias de forte impacto tem seus esforços concentrados principalmente nas principais culturas de maior retorno financeiro, como soja, milho e algodão. 
Uma legislação mais ponderada poderia expandir o desenvolvimento e a adoção das tecnologias para outras culturas e espécies como de hortaliças, forrageiras e, até mesmo de ornamentais. 
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